Elizabeth Teixeira celebra 100 anos de uma vida dedicada à luta pelo direito à terra

“A perseguição era grande. Os caras tiveram muita vontade de me exterminar”, relatou, aos 56 anos, a líder camponesa Elizabeth Teixeira, no documentário Cabra Marcado para Morrer, de Eduardo Coutinho. A força daquela mulher pequena e magra, viúva e mãe de 11 filhos, no entanto, foi maior do que a raiva dos poderosos que detinham a posse das terras e dos ditadores do regime iniciado com o golpe de 1964. Foi assim que ela chegou aos 100 anos, comemorados neste 13 de fevereiro de 2025.

Chegar a essa idade é um desafio para qualquer pessoa. Para ela, equivale, ainda, ao coroamento de uma trajetória de lutas e resistência pela reforma agrária e pela sobrevivência.

Nascida em Sapé, na Paraíba, Elizabeth era filha de donos de terra e comerciantes. Aos 15 anos, acabou se apaixonando por um rapaz sete anos mais velho, João Pedro — o “cabra marcado para morrer” que dá nome ao documentário. Ele vivia em condição oposta à dela, era um homem simples do campo e negro, o que fez com que sua família proibisse o casamento. Dois anos depois, ela optou por fugir com ele e apoiá-lo em sua luta pelo acesso à terra.

As filmagens do documentário — considerado um dos mais importantes da filmografia brasileira — tiveram início em 1962, quando Coutinho viajava pelo Nordeste com o Centro Popular de Cultura (CPC), da União Nacional dos Estudantes (UNE), e tomou conhecimento do assassinato de Teixeira, um dos fundadores da Liga Camponesa, ocorrido no dia 2 de abril, em Sapé.

O diretor chegou a captar imagens de um protesto contra a morte que ocorreu na cidade e, nesse processo, pensou em fazer um longa de ficção sobre a vida do líder camponês. Mas, as filmagens acabaram sendo interrompidas pelo golpe militar, pouco mais de um mês após terem sido iniciadas.

Pouco restou do material colhido naqueles dias. Ainda assim, Coutinho decidiu que em algum momento o filme seria retomado. Isso, no entanto, só pôde acontecer em 1981, quando o processo de abertura ganhava força. Em 1984, a produção foi lançada.

Foi assim que reencontrou Elizabeth que, após o assassinato do marido, teve de viver clandestinamente e mudar de nome para resguardar sua vida e a de seus filhos.

Naqueles anos, ela foi presa diversas vezes, perdeu dois filhos assassinados e uma filha cometeu suicídio. Marluce Teixeira, então com 16 anos, resolveu tirar a vida após ver Elizabeth ser presa, com medo de que a mãe tivesse o mesmo destino que o pai.

Os traumas daqueles anos não reduziram sua força e convicção sobre a necessidade de seguir na luta pela reforma agrária no Brasil. E foi assim que, além de companheiro de um líder, a própria Elizabeth escreveu sua história, tornando-se a primeira mulher à frente das Ligas Camponesas da Paraíba.

Elizabeth e seus filhos. Foto: Reprodução/Cabra Marcado Para Morrer

“No tempo de João Pedro só companheiros frequentavam as reuniões. Mas a partir da minha pessoa as mulheres começaram a estar presentes lá. Era movimento, meu filho. As mulheres também, companheiras do campo, se colocando a disposição da nossa luta. Nunca sofri preconceito nenhum por ser mulher. Pelo contrário, surgiram outras mulheres para ajudar e lutar também”, declarou Elizabeth em entrevista à Revista do Nordeste, em 2015.

Em 2017, aos 92 anos, encontrou-se com o então ex-presidente Lula durante passagem da Caravana Lula pelo Brasil, em João Pessoa. Apesar da idade avançada, ainda cheia de vivacidade, reafirmou seu compromisso, aquilo que a fez deixar uma vida tranquila ainda jovem para lutar ao lado do povo oprimido: “Enquanto houver a fome e a miséria atingindo a classe trabalhadora, tem que haver luta dos camponeses, dos operários, das mulheres, dos estudantes e de todos aqueles que são oprimidos e explorados”, disse.

Apesar das dificuldades trazidas pela idade, em entrevista recente à Folha de S.Paulo, reafirmou: “Eu quero terra para plantar e a reforma agrária no Brasil”.

Homenagens

Para comemorar o centenário da guerreira Elizabeth Teixeira, diversas homenagens estão programadas. Dentre elas está o Festival da Memória Camponesa: Uma celebração ao Centenário de Elizabeth Teixeira, que acontece em sua cidade natal, Sapé (PB) entre 13 e 15 de fevereiro.

Compõe a programação a exposição “100 Faces de uma Mulher Marcada para Viver”, cujo lançamento acontece nesta quinta-feira (13), com abertura ao público a partir do dia 14, no Museu do Memorial das Ligas e Lutas Camponesas.

“Essa exposição simboliza muito para a gente, por apresentar essa mulher marcada para viver. Desejamos que essa exposição, para além de trazer a memória para os filhos, possa apresentar também a firmeza e ao mesmo tempo a delicadeza de Elizabeth, que se dedicou a continuar a luta que ela já vinha fazendo, mas que reafirmou com o assassinato de seu companheiro”, explica Alane Lima, presidenta do Museu do Memorial das Ligas e Lutas Camponesas (MLLC).

Na sexta-feira (14), será realizada a Marcha da Memória Camponesa, com saída da Capelinha João Pedro Teixeira até o Memorial, e apresentações culturais. Já no sábado (15) acontece a Feira Cultural da Agricultura Familiar Camponesa, seguida de um ato político com autoridades e atividades culturais na Praça de Sapé.

Durante o evento, haverá ainda o lançamento da reedição dos livros “Eu marcharei na sua luta – A vida de Elizabeth Teixeira” (de Lourdes Maria Bandeira, Neide Miele e Rosa Maria Godoy Silveira) e “Memória Camponesa” (produção coletiva dos professores e pesquisadores Ivan Targino, Marilda Menezes, Emília Moreira, Genaro Ieno, Waldir Porfírio e Belarmino Mariano). Também serão lançados um cordel sobre Elizabeth Teixeira e a plataforma do Memorial na internet.

Também haverá apresentações culturais com artistas paraibanos, incluindo cantores e o grupo de coco de roda da comunidade quilombola Caiana dos Crioulos (veja aqui a programação completa).

A celebração conta com o apoio dos governos Federal e da Paraíba, além da Prefeitura de Sapé, da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e do Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra (MST).

Além desses eventos, está programada para o sábado (15) a entrega da Medalha Epitácio Pessoa, concedida pela Assembleia Legislativa da Paraíba a Elizabeth por iniciativa da deputada Cida Ramos (PT).

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