Abadiânia se reinventa seis anos após escândalo de João de Deus

A equipe do Jornal Opção visitou Abadiânia, cidade goiana com cerca de 20 mil habitantes, localizada a aproximadamente 90 quilômetros de Goiânia, nesta terça-feira, 11, para conferir como está a cidade seis anos após os escândalos sexuais envolvendo o médium João Teixeira de Faria, mais conhecido como João de Deus. O caso culminou na prisão e condenação do líder espiritual a mais de 400 anos de reclusão.

O auge e a decadência

Abadiânia tornou-se internacionalmente conhecida pelas cirurgias espirituais realizadas na Casa Dom Inácio de Loyola. O local recebia personalidades como a apresentadora Oprah Winfrey, a modelo Naomi Campbell, a cantora Xuxa Meneghel, além dos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e da ex-presidente Dilma Rousseff, que buscavam curas milagrosas.

Pousada que se transforou em Brigo l Foto: Guilherme Alves/Jornal Opção

No auge da fama do médium, a cidade recebia cerca de 4 mil turistas por semana. A economia local prosperava, com moradores trabalhando na Casa Dom Inácio, nos diversos hotéis e pousadas, que ficavam lotados durante todo o ano. Contudo, após a prisão de João de Deus, essa parte da cidade se transformou em um deserto. Há pousadas, restaurantes e comércios fechados.

“Hoje vivo da minha aposentadoria, pois não aparece uma alma viva para se hospedar. Essa parte morreu”, lamenta Célia de Melo, ex-proprietária de uma pousada e frequentadora da Casa Dom Inácio.

Transformação e recomeço

Com o encerramento das atividades espirituais, algumas das antigas pousadas deram lugar a casas de recuperação, abrigos de idosos e igrejas evangélicas. A sócia da Unidade de Acolhimento Dependência Química (Unadeq), Marli Alves dos Santos, conta que sua instituição aproveitou a infraestrutura das pousadas para se estabelecer na cidade.

Antes pousada, agora casa de recuperação l Foto: Guilherme Alves/Jornal Opção

“Precisávamos adequar nossas acomodações e observamos que, aqui em Abadiânia, as pousadas atendiam todas as nossas demandas, inclusive sanitárias”, explica. “Além disso, o preço do aluguel foi bem mais em conta do que pagávamos em Anápolis”, acrescenta.

Enquanto um lado da cidade segue esvaziado, o outro, onde fica o centro, passou por uma verdadeira renovação econômica. Maria Sousa Guedes, proprietária de um restaurante há 14 anos, vê a mudança como uma libertação.

“A cidade se libertou de uma maldição. Antes, todos os comerciantes tinham que pagar uma espécie de mesada para João de Deus. Ele mandava na cidade, e todos tinham medo dele”, afirma. “Hoje, as empresas se instalaram e há mais gente para consumir. Nossas vendas multiplicaram”.

Maria Sousa Guedes: “estamos libertos” l Foto: Guilherme Alves/Jornal Opção

Expansão econômica

O empreendedor Fagner Belchior, 37, destaca que a cidade vive um momento econômico mais estável. “Minha família tinha um comércio de materiais de construção e, há dois anos, resolvemos ampliar os negócios, construindo um supermercado. Hoje, empregamos 35 pessoas diretamente”, conta. “Graças a Deus, com a vinda de grandes empresas e a construção do lago, as coisas melhoraram”, completa.

Supermercado construído após João de Deus l Foto: Guilherme Alves/Jornal Opção

A prefeitura confirma a expansão econômica do município, que atraiu novas empresas e gerou empregos. Além disso, o turismo, antes centrado na Casa Dom Inácio, agora é impulsionado pelo Lago de Corumbá IV, que atrai visitantes de todo o Brasil e do exterior.

Novas empresas instaladas em Abadiânia:

  1. Brasilit
  2. Feijão Dona Dê
  3. Greca Asfalto
  4. Frangos Dourado
  5. Incoposte
  6. Fábrica de Piscinas Solário
  7. Frangos Dona Gê
  8. Supermercado Sempre Mais
  9. Materiais de Construção e Posto de Gasolina Ouro Branco
  10. Maderplan
  11. Ceramfix
  12. Forte Betom de Concreto Usinado
  13. Secadora de Areia Grão de Ouro
  14. McDonald’s
  15. Madeiro
Local que funcionava um restaurante de apoio aos turistas, hoje é uma igreja evangélica l Foto: Guilherme Alves/Jornal Opção

Uma das indústrias recém-chegadas é a Incoeste Indústria e Comércio de Postes Centro-Oeste Ltda, que está na cidade há quatro anos e emprega cerca de 200 pessoas diretamente e indiretamente.

A empresa, especializada na produção de artefatos de concreto, como postes para distribuição e transmissão de energia, expandiu suas operações com uma nova unidade em Abadiânia (GO). A escolha estratégica da cidade foi influenciada por sua localização geográfica favorável para atender concessionárias de energia em diversos estados.

Lucas Marques, diretor da empresa, explica que a matriz está localizada em Paranavaí, no Paraná, e destaca a importância de Abadiânia para a logística da companhia. “A intenção nossa de estar aí é porque ela fica bem no centro geográfico da área que precisamos atender. É bem próximo a Brasília, Minas Gerais e Goiás. Então, conseguimos atender esses três estados por aí.”

A empresa também possui uma filial em Senador Canedo (GO) e, ao todo, opera seis unidades em cinco estados do Brasil: Paraná, Santa Catarina, Goiás, Mato Grosso e Ceará.

Incoeste, empresa fabricante de postes l Foto: Guilherme Alves/Jornal Opção

Com a instalação da unidade em Abadiânia, a empresa já gerou entre 150 e 200 empregos diretos e indiretos, priorizando a contratação de moradores locais. No entanto, Lucas Marques aponta desafios na mão de obra. “Estamos com uma certa dificuldade em contratação por falta de mão de obra qualificada. Às vezes, a distância é um problema, e o trabalho exige força física, algo que nem todos estão acostumados.”

Apesar dos desafios, o diretor ressalta o impacto positivo da nova unidade na economia local. “De qualquer forma, estamos gerando emprego, ajudando na economia da cidade e arrecadando impostos.”

A projeção da empresa para os próximos meses é ambiciosa. “A previsão é dobrar a produção. Hoje, estamos caminhando a passos lentos, ainda estruturando a infraestrutura e o maquinário. Mas a meta é produzir de 250 a 300 postes por dia. Atualmente, produzimos 80.”

Lucas frisa que com essa expansão, a empresa reforça seu compromisso com o crescimento do setor e o desenvolvimento econômico da região.

Seis anos após a prisão de João de Deus, Abadiânia se reinventa. Apesar do impacto inicial com a queda do turismo espiritual, a cidade encontrou novos caminhos para crescer e prosperar. Moradores ressaltaram que que João de Deus já é um caso superado e ficou no passado.

O ecoturismo e o turismo de aventura promovidos pelo lago têm, de fato, impulsionado a economia local. A economia, antes baseada no turismo religioso, não entrou em declínio com a prisão do líder espiritual; pelo contrário, a cidade viu sua economia se fortalecer nos últimos anos graças ao potencial do ecoturismo.

Prisão

João de Deus foi condenado a quase 500 anos de reclusão e, atualmente, cumpre prisão domiciliar. Preso em dezembro de 2018, ele foi condenado por crimes sexuais contra pelo menos 10 mulheres. Outras 12 acusações seguem em análise pela Justiça. Para obter o benefício da prisão domiciliar, sua defesa alegou que, além da idade avançada (80 anos), ele sofre de doenças crônicas atestadas por uma junta médica.

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