Diplomacia do Garrote: Trump só respeita quem tem força para revidar

Para quem esperava que as primeiras inciativas de política externa e comércio internacional do novo presidente dos Estados Unidos estariam direcionadas contra a China e a Rússia, em tese os maiores obstáculos no seu caminho para fazer a “América grande de novo”, as primeiras medidas anunciadas por Trump foram decepcionantes, mas não chegam a ser surpreendentes. Afinal, como já afirmava o ex-Secretário de Estado dos Estados Unidos, Henry Kissinger, “ser inimigo dos EUA é muito perigoso, mas ser aliado é fatal”.

Pelo que já ocorreu, nesses primeiros dias de governo, tudo indica que Trump deve focar suas ações mais agressivas em alvos considerados fáceis, sem capacidade de revidar. Se o país não tiver um míssil de longo alcance carregado com uma ogiva nuclear apontado para os Estados Unidos, como China, Rússia e Coreia do Norte, ou não for capaz de infringir algum prejuízo econômico grave aos Estados Unidos, dificilmente Trump o respeitará, como já ficou demonstrado em seus primeiros dias de governo.

Não fosse Trump o presidente dos Estados Unidos, não seria crível que os dois primeiros países a serem punidos com as sobretaxas de importação fossem exatamente os seus dois vizinhos da América Norte – México e Canadá – países com quem têm um tratado de livre-comércio há décadas. Aliados históricos, México e Canadá mantêm uma relação econômica e comercial amplamente favorável aos Estados Unidos, dado que enviam para os norte-americanos grande parte do que produzem em troca de uma moeda cujo custo para os Estados Unidos produzir é apenas a tinta e o papel necessário para sua impressão, privilégio exorbitante do qual os Estados Unidos não pretendem abrir mão, como ficou patente na ameaça de Trump de sobretaxar as exportações do BRICS em 100% caso levem adiante a ideia de usar alguma moeda alternativa em suas transações comerciais internacionais. Mas foi exatamente o que Trump fez, ao anunciar que a partir de 1º de fevereiro as importações vindas do México e Estados Unidos países, com a possível exceção do petróleo, serão taxadas em 25%. 

Problemas geopolíticos não faltam para Trump se preocupar: a guerra na Ucrânia, onde Rússia e Estados Unidos estão em lados opostos; a brutal operação de Israel na Faixa de Gaza, o risco de um novo governo teocrático na Síria, a guerra civil no Sudão, a perda dos Estados Unidos da condição de senhor absoluto do Círculo do Pacífico e do Leste da Ásia, a tentativa da Rússia da retomar parte da influência global que tinha antes da queda da União Soviética, o desafio do chamado Sul Global às instituições de governança global dominadas pelos Estados Unidos e ao dólar e daí por diante. Mas Trump resolveu ir para cima do Panamá, ameaçando retomar pela força o controle do canal que foi devolvido ao país na década de 1970, como se isso fosse fazer alguma diferença significativa para a economia norte-americana.

A insistência em comprar a Groelândia ou até tomá-la pela força do Reino da Dinamarca, membro da Otan e aliada dos Estados Unidos, é outro exemplo da nova política externa norte-americana sob o governo Trump. A maneira brutal como Trump reagiu à tentativa da Colômbia de não receber os aviões americanos transportando imigrantes deportados submetidos a condições consideradas degradantes pelo governo colombiano repete o mesmo padrão de conduta: ir com tudo para cima de quem não tem capacidade de revidar.

Tal padrão de comportamento é particularmente preocupante para a América Latina. Trump está ensaiando o retorno à Doutrina Monroe. Sua afirmação de que a anexação da Groelândia é uma necessidade absoluta dos Estados Unidos – “As pessoas realmente nem sabem se a Dinamarca tem algum direito legal a isso, mas, se tiver, deve desistir porque precisamos disso para a segurança nacional.” – pode, em tese, ser aplicada a qualquer parte da América Latina, inclusive à Amazônia.

O interesse dos Estados Unidos na região detentora da maior fronteira mineral do mundo, da maior reserva de biodiversidade e de recursos hídricos, ficou patente na recente visita do presidente Biden a Manaus e da ex-secretária do Tesouro Janete Yelen a Belém. Yelen demonstrou interesse no fornecimento de terras raras para a indústria dos Estados Unidos e ofereceu “apoio” dos serviços de inteligência e segurança aos países da região.

Importante notar que o novo Secretário de Estado dos Estados Unidos, cargo equivalente a ministro das relações exteriores, é Marco Antônio Rubio, um político e advogado cubano-americano membro do Partido Republicano que exerceu o cargo de senador pela Flórida de janeiro de 2011 até janeiro de 2025. Diferentemente de outros Secretários de Estado que tinham escasso interesse pela América Latina, o atual secretário fala fluentemente o espanhol e sempre esteve ligado a temas envolvendo a relação dos Estados Unidos com os países da região. Sua primeira viagem ao exterior como Secretário de Estado será à América Central. É muito provável, portanto, que a América Latina se torne um alvo importante da política externa de Trump, sobretudo porque a questão da imigração ilegal, até agora ponto central em sua agenda interna, é um problema que está, em grande medida, conectado à América Latina. Outro fator que deve pesar nessa mudança de foco para a América Latina é o aumento da cooperação entre a China e os países da região.

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