Redes da Meta são campo fértil para golpes a partir de fake news

A importância da regulação das redes sociais no Brasil ganha ainda mais substância com os resultados obtidos pelo Laboratório de Estudos de Internet e Redes Sociais (NetLab), vinculado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que publicou estudo com evidências de que “anunciantes maliciosos têm explorado indevidamente políticas públicas voltadas à inclusão financeira para aplicar golpes em cidadãos brasileiros”. No caso, estes anunciantes se utilizam de redes sociais como Facebook, Instagram e WhatsApp, da empresa Meta.

Com análise de conteúdo feito entre 10 e 21 de janeiro de 2025, os pesquisadores identificaram 1.770 anúncios com conteúdo fraudulento feitos em 151 páginas anunciantes. A promoção de notícias falsas teve como grande embalo as fakes news propagadas pela extrema direita referentes ao PIX, que dominaram o noticiário no mês de janeiro.

Mas antes disso, os golpistas que se valem de manipulação de imagens por meio de Inteligência Artificial (IA), já atuavam na divulgação de mentiras para propagar golpes referentes ao sistema de valores a receber. Dessa maneira, ludibriaram a população com publicidade criminosa sobre novas regras de PIX pela Receita Federal, assim como se utilizaram de programas do governo reais e fictícios para aplicarem os golpes.

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Dentre os principais resultados obtidos pelo laboratório consta que, com a normativa do governo que revogou que bancos e instituições financeiras deveriam ampliar o escopo de informações prestadas sobre movimentações financeiras, houve crescimento do volume de anúncios falsos já adaptados para um novo momento: “1.018 (57,5%) dos anúncios coletados foram impulsionados entre 16 e 21 de janeiro, representando um aumento de 35,4% em relação aos seis dias anteriores”. Nesse sentido, as deepfakes (técnica que usa inteligência artificial (IA) com base em conteúdos verdadeiros de foto e vídeo para criar adulterações realistas) do deputado federal Nikolas Ferreira (PL) aumentaram 234% após o recuo do governo.

No total, 95,5% (1.656 dos anúncios) tratavam de supostos direitos a saques por parte da população, “prometendo a liberação de dinheiro mediante pagamento prévio de uma suposta taxa de serviço ao governo”.

O alcance das fraudes foi maximizado pela utilização das ferramentas de marketing da Meta, que permitem a compra de anúncios segmentados de acordo com critérios demográficos, geográficos e interesses dos usuários, porém a empresa não oferece transparência sobre esses dados. Além disso, a falta de controle e segurança contra a publicidade enganosa das plataformas da Meta as tornam ambientes propícios a crimes digitais, principalmente em países do Sul Global, onde as leis locais são frequentemente negligenciadas pelas redes sociais”, é colocado no estudo.

Anúncios falsos

Em um primeiro momento, os conteúdos publicitários impulsionados nas redes da Meta sem nenhum obstáculo utilizaram vídeos deepfake de figuras públicas para falar sobre resgate de valores a receber esquecidas em instituições financeiras – o que realmente existe pelo Sistema de Valores a Receber (SVR) do Banco Central.

No entanto, as mensagens em tom de urgência, colocavam que aquela era uma última oportunidade de as pessoas receberem os valores, e de maneira muito simples, via PIX. Ao clicarem nos links falsos disponibilizados as vítimas eram direcionadas para interfaces também criminosas que simulam sites do governo. Os golpistas se utilizavam de imagens do ministro da Fazenda Fernando Haddad e do vice-presidente e ministro Geraldo Alckmin, por exemplo, nestes anúncios.

Além de se utilizarem de um serviço que realmente existe para enganarem a população, em outros anúncios eram inventados serviços com nomes fictícios, mas com o mesmo sentido de recuperação de valores como:  Resgata Brasil, Benefício Cidadão, Brasil Beneficiado e Compensação da Virada.

A quantidade de golpes sobre o assunto fez com que o Banco Central disponibilizasse na sua página oficial um alerta sobre como evitar estes golpes:

  • O único site onde você pode consultar e saber como solicitar a devolução dos seus valores, da sua empresa ou de pessoas falecidas é o https://valoresareceber.bcb.gov.br
  • Todos os serviços do Valores a Receber são totalmente gratuitos. NÃO faça qualquer tipo de pagamento para ter acesso aos valores.
  • O Banco Central NÃO envia links NEM entra em contato com você para tratar sobre valores a receber ou para confirmar seus dados pessoais.
  • Somente a instituição que aparece no Sistema de Valores a Receber é que pode te contatar e ela NUNCA vai pedir sua senha.
  • NÃO clique em links suspeitos enviados por e-mail, SMS, WhatsApp ou Telegram.

O PIX nas fraudes

No leque dessas propagandas fraudulentas, algumas já se inseriam quanto ao tema do PIX. Na época o governo federal visava ampliar o bojo de informações prestadas pelas operadoras de cartões de crédito e instituições de pagamento sobre movimentações de contribuintes. Esta situação levou a uma avalanche de fake news que consistia em uma mentirosa taxação do Pix. Nesta situação os golpistas também se aproveitaram com a divulgação de vídeos falsos sobre como driblar a suposta taxação.

Estas notícias falsas ganharam tamanha proporção que levaram o governo a revogar a regra em 15 de janeiro.

A partir daí é que as deepfakes ganharam ainda mais força e fez com que todo o conteúdo anterior de golpes fosse modificado. A situação leva a crer que além da falta de controle por parte das redes sociais em bloquear golpes nas suas redes, há uma organização criminosa por trás desses vídeos falsos que se aproveita no tempo certo de situações da política nacional.

Com um vídeo viral do deputado Nikolas Ferreira (PL) sobre o caso do PIX, os golpistas inundaram as redes com deepfakes dele: “A quantidade de anúncios identificados com deepfakes de Nikolas Ferreira cresceu muito após a revogação da norma, indo de 129 nos seis dias anteriores à revogação para 432 nos seis dias posteriores, um crescimento de 234%”, aponta o estudo.

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No geral, o conteúdo manipulado mostra Nikolas colocando que o governo federal “estaria escondendo da população a possibilidade de resgate de valores esquecidos em instituições financeiras via Pix para que o próprio governo embolsasse essas quantias”.

Portanto, os golpes sempre partem de alguma situação nacional e de vídeos reais modificados para levar as pessoas para um ambiente em que o golpe possa ser concretizado, com informações pessoais e bancárias.

Além de figuras da política nacional, os anúncios falsos também “descontextualizaram reportagens antigas para legitimar os golpes”, como as de figuras públicas como William Bonner, Ratinho, dentre outros.

Campo fértil para golpes

No estudo do NetLab é colocado que em recente pesquisa Datafolha as fraudes baseadas em Pix e boleto são os tipos de crimes digitais que mais geram receitas no Brasil, causando um prejuízo de R$25,5 bilhões por ano aos consumidores.

Também é trazido levantamento da Silverguard (2024) onde é revelado que “79% das fraudes financeiras digitais envolvendo o Pix começaram nas plataformas da Meta” (39% WhatsApp, 22,6% Instagram e 17,7% Facebook), sendo o restante no Telegram (7,3%), Google/ YouTube (5%), TikTok (1,4%), além de outros.

Fonte:NetLab

Conclusões

Nas conclusões do estudo é colocado que “as mudanças nos termos de serviço da Meta levantam sérias preocupações sobre a segurança do ambiente digital. A ausência de menção específica à moderação de conteúdo publicitário por [Mark] Zuckerberg em sua fala não deixa claro se as mudanças impactam a circulação de anúncios fraudulentos.”

Isto leva a crer que com este cenário indicado pelo dono da Meta, alinhado a uma ofensiva já feita pelo dono do X, Elon Musk, a moderação de conteúdos pode piorar daqui para frente, uma vez que as Big Techs apontam para uma governança própria a despeito das leis de cada país.

No estudo do NetLab ainda é colocado que a empresa Meta “é capaz de oferecer mais transparência e enforcement (aplicação de lei ou conduta), porém adota uma postura de descaso com o Brasil”, assim como “a Meta proíbe opções específicas de segmentação de anúncios que tratam sobre produtos e serviços financeiros em regiões como os Estados Unidos e o Canadá, o que não ocorre no Brasil”.

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Este indicativo reforça uma diferenciação entre Norte Global e o Sul Global, o que dá a entender que as Big Techs buscam espelhar a geopolítica mundial na maneira que diferenciam o tratamento dos usuários.

Também é explorado nas conclusões dos pesquisadores que “a coexistência de anúncios fraudulentos e anúncios autênticos do Governo Federal gera um cenário confuso e prejudicial, minando a capacidade dos usuários de discernir informações falsas de verdadeiras. Além disso, a exposição a anúncios fraudulentos sobre políticas públicas tende a gerar danos financeiros justamente aos cidadãos mais vulneráveis, ou aqueles que buscam oportunidades e ajuda do governo, impactando negativamente a reputação e a confiança na administração pública.” 

Como visto, esta preocupação pode ser entendida para além de um alerta sobre golpes, colocando em primeira ordem uma orquestração que visa corroer a democracia ao atacar políticas públicas. Portanto, a regulação de regras específicas sobre a atuação das redes sociais no Brasil é mais do que necessária: está na ordem do dia.

Clique aqui e confira o estudo: “Danos causados pela publicidade enganosa na Meta: Anúncios fraudulentos promovem desinformação sobre o Pix para lesar cidadãos brasileiros”, do NetLab.

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