OPINIÃO. Para fortalecer as livrarias, precisamos da Lei Cortez

Mais que um mero ponto de venda de livros e revistas, as livrarias têm um papel civilizatório. São um local de encontro e divulgação de cultura e permitem que escritores, editores e leitores conversem entre si e discutam aspectos da vida em sociedade e da condição humana.

Hoje, porém, a pujança do mercado digital afeta grandes e pequenos comerciantes do setor, e a diferença na precificação dos produtos pode estar na raiz do problema. 

À frente da livraria que leva seu sobrenome, Alexandre Martins Fontes também é o diretor-presidente da Associação Nacional de Livrarias.  Falando recentemente à Revista Cult sobre a luta do mercado editorial, o editor e livreiro defendeu a aprovação da Lei Cortez. 

O projeto de lei federal foi inspirado na Lei Lang, que vigora na França desde 1981 e, entre outras questões, tem como objetivo combater a concorrência predatória de gigantes virtuais como a Amazon, limitando a 10% os descontos permitidos nos primeiros 12 meses seguintes ao lançamento de um livro.

Batizado de Lei Cortez em homenagem ao editor e livreiro José Xavier Cortez, morto em 2021 e defensor da regulação, o projeto 49/2015 foi aprovado pelo Senado em 29 de outubro passado – simbolicamente no Dia Nacional do Livro – após quase 15 anos de tramitação. 

Agora, a expectativa é que possa ser apreciado e aprovado na Câmara, com a discussão finalmente avançando e ganhando o destaque que merece.

Faltam às livrarias incentivos governamentais para que continuem a existir — como isenção de IPTU e aquisição de livros por bibliotecas públicas com livrarias locais (e não diretamente das editoras ou de grandes livrarias) — mas também não há o efetivo apoio da sociedade civil ao ecossistema formado por editores, distribuidores, livrarias e leitores. Isso diminui a bibliodiversidade no País e enfraquece o mercado do livro. 

O caminho da regulação do preço dos livros foi escolhido por diversos países, e muitos têm leis que impedem o uso do livro como objeto de marketing (visando apenas atrair clientes para os gigantes portais de varejo), tais como França, Alemanha, Itália, Espanha, Portugal, Argentina, México, Japão e Coreia do Sul. 

Como lembrado por Martins Fontes, desde a entrada da Amazon no Brasil, há 12 anos, a Saraiva fechou e a rede francesa Fnac saiu do País. Na França, existe uma lei que a protege. Inúmeras livrarias de bairro também fecharam suas portas. 

Fato é, no entanto, que as livrarias estão se modernizando e se tornando um espaço de hospitalidade, com sessões de leitura, encontros de grupos de leitores, de serviços ao consumidor, enfim, um ambiente de propagação de cultura e difusão de arte. 

O novo mercado do livro pode ser parecido com o mercado cinematográfico, no qual filmes são lançados primeiro nos cinemas, por um tempo de maior procura e interesse, e em seguida são liberados nos serviços de streaming e televisão. 

Talvez os livros tenham mesmo de ser lançados e divulgados nas livrarias para somente depois serem inseridos nas plataformas de leitura sob demanda.

Como fundadores da Casa do Saber, sempre soubemos do relevante papel que as livrarias exercem no fomento à cultura do País, como mostra o filme Ainda estou aqui, de Walter Salles.

Além de retratar a resistência de Eunice Paiva, o filme mostra a importância de livrarias como a Argumento, fundada pela família Gasparian — a livraria, na verdade, só foi fundada em 1979 e sua “atuação” no filme revela uma licença poética por parte do cineasta. 

Não é possível imaginar uma sociedade sem um espaço como o das livrarias, um dos poucos que ainda resistem às fortes pressões exercidas pelos gigantes da tecnologia sobre os negócios tradicionais de arte e cultura.

Maria Fernanda Cândido é atriz, uma das fundadoras da Casa do Saber.

Pierre Moreau é advogado, sócio-fundador do Moreau Advogados e da Casa do Saber.

Maria Fernanda Cândido e Pierre Moreau

++ Notícias

  • Opinião: fim da isenção para compras do exterior traz ganhos, mas ainda falta igualdade de condições

  • Opinião: tarifa zero é ação sustentável para garantir o futuro do Rio de Janeiro

  • G.E.N.I.U.S.: o projeto de lei nos Estados Unidos para regular o mercado de stablecoins — e que até Donald Trump quer incentivar

  • Governo deve enviar ao Congresso projeto de lei complementar para isentar Fiagros e FIIs do IVA

  • Projeto de lei cria regras para resgate de animais após desastres ambientais e climáticos

O post OPINIÃO. Para fortalecer as livrarias, precisamos da Lei Cortez apareceu primeiro em Market Insider.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.