Maioria dos israelenses judeus apoia proposta de Trump sobre realocação de população de Gaza

Do jornal O Globo

A polêmica declaração do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, sobre um ainda muito mal explicado plano para retirar todos os palestinos de Gaza e retirar todos os estimados 2,2 milhões de palestinos do enclave virou o assunto mais discutido em Israel nos últimos dias. Ao contrário do que aconteceu ao redor do mundo, incluindo muitos países árabes aliados dos EUA, em Israel a fala de Trump encontrou eco no governo e, também, na sociedade.

Em um país no qual o medo está à flor da pele desde o ataque do grupo terrorista Hamas em 7 de outubro de 2023 e uma grande maioria vive na expectativa da libertação gradual de dezenas de reféns ainda em Gaza, uma pesquisa divulgada pela mídia local indicou que a proposta de Trump conta com o respaldo da maioria dos judeus israelenses.

De acordo com sondagem do Instituto de Política do Povo Judeu, que ouviu 650 israelenses judeus e 200 israelenses árabes, 52% dos judeus entrevistados sobre as declarações do presidente norte-americano afirmaram que se trata de “um plano pragmático que deveríamos tentar seguir”. Entre os árabes, apenas 8% deram a mesma resposta, com 52% classificando a proposta de “imoral” — segundo dados oficiais, dos 10 milhões de habitantes de Israel, 7,7 milhões são judeus, 2,1 milhões são árabes, e o restante é de grupos minoritários.

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Além do apoio entre os judeus do país, o plano de Trump foi celebrado por membros da coalizão governista e até mesmo por dirigentes da oposição.

— Gaza em sua forma anterior não tem futuro. Outra solução deve ser encontrada, e é isso que o presidente Trump está tentando fazer — declarou o ministro das Relações Exteriores, Gideon Sa’ar ao plenário da Knesset, o Parlamento de Israel. — Desde que a migração seja realizada por livre e espontânea vontade de uma pessoa, e desde que haja um país disposto a aceitá-la, não se pode dizer que seja imoral ou desumana.

Mas países citados por Trump ou Israel como possíveis novos lares dos palestinos — como Egito, Jordânia, Irlanda, Espanha e Noruega — já deram enfáticos “não” à proposta, dizendo que o lugar dos palestinos é em Gaza.

Outros membros do Gabinete também elogiaram a ideia, e o ex-ministro da Segurança Interna, Itamar Ben-Gvir, sugeriu que sua sigla, o Poder Judaico, de extrema direita, voltará à coalizão se o premier Benjamin Netanyahu começar a implementar o plano de Trump para Gaza. Ben-Gvir deixou o cargo em 18 de janeiro por se opor ao acordo de cessar-fogo com o Hamas.

Além do apoio à proposta de realocação da população em Gaza — que o secretário-geral da ONU, António Guterres, classificou de “limpeza étnica” —, há também na sociedade israelense uma queda expressiva do alinhamento à chamada solução de dois Estados, que implica a criação de um Estado palestino independente vivendo lado a lado com Israel. Segundo dados do Instituto de Pesquisa de Segurança Nacional, de Israel, atualmente 65% dos israelenses se opõem à solução de dois Estados, e apenas 35% são a favor. Em 2022, a mesma pesquisa mostrou que 49% eram favoráveis à ideia, e 51% se opunham. Depois do ataque de 7 de outubro de 2023, uma minoria ainda fala em paz em Israel.

— O nível de oposição à solução de dois Estados nunca foi tão baixo — explica João Miragaya, Coordenador do Laboratório de História do Sionismo do Instituto Brasil-Israel (IBI), que vive há mais de 20 anos no país. — No imaginário popular israelense, a proposta de Trump é razoável.

Miragaya acredita que a proposta de Trump “fortalece o governo de Israel” em momentos de sérias dúvidas sobre o futuro do questionado Netanyahu — que é processado por corrupção — e sobre a segunda etapa do acordo de cessar-fogo entre Israel e Hamas, que deve começar a ser implementada em algumas semanas.

— Trump acalmou a extrema direita israelense — enfatiza o analista.

A sociedade israelense, no entanto, não está mais calma. Em conversas informais, fica claro que o que mais interessa aos israelenses é a libertação de reféns e, embora a revolta com Netanyahu e seu governo por motivos vários seja evidente, muitos ainda apoiam o premier porque têm como objetivo principal a libertação de todos os sequestrados — ou a devolução de seus corpos.

Numa vinícola no norte do país, a menos de um quilômetro da fronteira com o Líbano, Ariel Schneider faz um relato do medo que vive desde o ataque do Hamas, do impacto que a guerra teve em sua vida e de como hoje muitas pessoas estão tão assustadas que chegam ao ponto de apoiar uma proposta como a de Trump.

— [A ideia] foi bem recebida porque é vista por alguns como uma forma de pressionar o Hamas. Muitos se sentiam, até agora, abandonados pelos EUA. Agora sentem que [os americanos] estão do nosso lado — afirma Schneider, que durante mais de um ano conviveu com mísseis passando por cima de sua casa.

Segundo ele, a maioria da população “sabe que [a proposta de Trump] não é correta, mas a vê como uma forma de pressionar para a segunda etapa do acordo”.

Na aldeia drusa de Yanuch-Jatt, também no norte de Israel, o major reformado do Exército Mudi Saad afirma não ser a favor da proposta de Trump, mas arrisca dizer que, “se perguntarem aos palestinos, muitos vão querer sair de Gaza pela situação (de penúria)”. Ele se preocupa com o impacto que o plano de Trump possa ter sobre os reféns.

— Foi um erro Trump ter falado isso, e poderia prejudicar a situação dos reféns — frisa o major.

Na opinião de Ara Lee, um educador de 70 anos, “os que apoiam a proposta de Trump são de direita e entraram na loucura do presidente norte-americano”.

— Pensar que os palestinos vão deixar suas terras é uma loucura, uma completa loucura. Isso não vai acontecer — afirma o educador, que considera também “uma loucura” imaginar que “algum país vai querer receber essas pessoas”.

Ara Lee ainda acredita que a solução de dois Estados é o caminho, mas estudos recentes mostram que ele representa uma minoria em Israel. Em palavras de Miragaya, “o 7 de outubro modificou a corrente majoritária israelense”.

O trauma deixado pelo ataque do Hamas é revivido diariamente e, no dia em que reféns são libertados, as emoções são ainda mais fortes. Neste sábado, espera-se a libertação de outros três: Eliyahu Sharabi, Ehud Ben Ami e Or Levi. Ainda faltam mais de 70, e essa é a maior preocupação dos israelenses, que recebem visitantes estrangeiros no Aeroporto Internacional Ben-Gurion com fotos de reféns ainda mantidos em cativeiro e a mensagem que se vê por todo lugar no país: “Tragam-nos de volta”.

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