Cientistas registram no Ceará fungo que sufoca sapos, rãs e pererecas até a morte

Grupo de cientistas registrou pela primeira vez a presença em larga escala do patógeno no Brasil

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Felipe Augusto Correia Monteiro/Divulgação

Os anfíbios são o grupo de vertebrados mais ameaçado do planeta, com 2 em cada 5 espécies ameaçadas de extinção. Além do desmatamento e da poluição, esses animais enfrentam ainda uma doença fatal: a quitridiomicose, atualmente a principal responsável pelo declínio dessas populações.Os fungos do gênero Batrachochytrium, que causam a enfermidade, vêm se espalhando em ritmo acelerado pelo mundo. Agora, um grupo de cientistas registrou pela primeira vez a presença em larga escala desse patógeno no Brasil.Por meio de análises genéticas -que envolveram um extenso trabalho de campo para realizar testes PCR nos animais- os pesquisadores identificaram fungos da espécie Batrachochytrium dendrobatidis (Bd) em uma grande quantidade de animais em áreas de caatinga e de floresta úmida no Ceará.O trabalho se concentrou nos anfíbios anuros -ordem que inclui sapos, rãs e pererecas. Os resultados indicaram que 71% das espécies avaliadas tiveram resultado positivo, incluindo registros inéditos de infecção para 11 espécies endêmicas, o que representa um risco real para a biodiversidade local.Algumas dessas espécies vivem em florestas úmidas de altitude, como a Proceratophrys ararype e a Pristimantis relictus, que já enfrentam pressões ambientais significativas.Primeira autora do trabalho, publicado no fim do ano passado no periódico South American Journal of Herpetology, Mirian dos Santos Mendes diz que a dimensão da prevalência do fungo surpreendeu os cientistas, assim como a presença do patógeno em regiões mais secas.”Pesquisando na literatura, nós víamos que os registros eram maiores em áreas altas, úmidas e chuvosas”, disse Mendes, pesquisadora da Universidade de Kaust, na Arábia Saudita. “Para a nossa surpresa, os resultados dos testes mostraram muitas espécies [contaminadas], inclusive em áreas mais baixas e mais áridas durante o ano, como nas localidades de Farias Brito e Campo Sales [ambas no Sul do Estado]”.Apesar da ampla presença do fungo, a maioria dos animais não tinha sinais externos visíveis da infecção. Segundo os pesquisadores, isso é particularmente preocupante, pois o patógeno pode estar se propagando silenciosamente na região do semiárido.”Estar com o fungo não significa, necessariamente, ter a doença. Algumas espécies têm maior resistência. Depende de vários fatores, inclusive de como é a pele do animal e se ele passa mais tempo na água ou no solo”, completa Mendes.A presença disseminada da espécie Bd, contudo, amplia as chances de propagação da quitridiomicose, que já é considerada uma zoopandemia. Nela, os fungos atacam a epiderme, causando um aumento da queratinização e espessando a camada externa da pele, que é essencial para a respiração e a regulação da temperatura corporal desses animais.”É uma morte horrível. O animal praticamente morre sufocado”, explica a professora.No trabalho de campo, um indivíduo da espécie Boana raniceps foi encontrado com sintomas visíveis de quitridiomicose: manchas brancas características na pele. Este foi o primeiro registro de cientistas de um exemplar com sintomas visíveis da doença na caatinga.Os pesquisadores destacam ainda o impacto do desmatamento e das mudanças climáticas na disseminação do fungo e na imunidade dos anfíbios.Eventos climáticos extremos, como secas prolongadas e períodos de altas temperaturas associados ao El Niño, podem enfraquecer a resposta imunológica dos anfíbios, tornando-os ainda mais suscetíveis à infecção pelo fungo.”Nós vivemos uma época de mudanças climáticas que devem deixar as temperaturas cada vez mais altas e, portanto, mais favoráveis para que o fungo, e consequentemente a doença, consigam se alastrar ainda mais”, alertou Felipe Mendes, professor do Instituto Federal do Ceará e coautor do trabalho.”No Panamá, esse fungo causou uma onda de extinções enorme, catastrófica”, destacou. “O país está na linha do Equador, é muito quente e muito úmido. Muitas espécies endêmicas de lá sofreram.”A perda de habitat e a fragmentação das florestas, muitas vezes impulsionadas por mudanças climáticas e ações humanas, também estão associadas ao aumento de infecções.Uma série de trabalhos já identificou que anfíbios em florestas fragmentadas têm uma diversidade imunogenética reduzida, o que os torna mais vulneráveis às enfermidades.Professora da Universidade Federal do Ceará e orientadora da pesquisa, que nasceu como um mestrado no programa de pós-graduação em sistemática, uso e conservação da biodiversidade na instituição, Denise Hissa destaca a importância de investir no monitoramento e no manejo das áreas afetadas.Segundo ela, uma vez que o fungo está presente em um ambiente natural, as opções de tratamento são muito limitadas. O foco principal passa a ser prevenir a disseminação para novas áreas, monitorar as populações afetadas e realizar mais estudos para entender melhor o impacto e possíveis formas de mitigação.”Precisamos melhorar as políticas e as estratégias e divulgar os cuidados necessários. Há locais no Ceará que ainda deram negativo para o fungo”, afirmou a docente.

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