Tiroteio comercial de Trump é respondido com ataques cirúrgicos de Canadá e China

A decisão de Donald Trump de suspender temporariamente as tarifas comerciais de 25% sobre Canadá e México reflete um padrão recorrente em sua abordagem às negociações internacionais: uma estratégia inicial de agressão econômica, seguida por um recuo tático quando pressionado por interesses domésticos e resistência dos países afetados.

Uma estratégia complexa, que combina pressão agressiva, negociação e cálculo político. A medida, inicialmente anunciada como uma resposta à entrada de drogas ilegais e à imigração irregular, foi suspensa após compromissos dos dois países vizinhos em intensificar o combate ao tráfico de fentanil e reforçar a segurança nas fronteiras. No entanto, por trás dessa aparente vitória diplomática, há uma série de motivações e táticas que merecem uma análise mais aprofundada, incluindo a resposta chinesa na equação.

A lógica por trás da agressividade comercial de Trump

Desde seu primeiro mandato, Trump adotou uma postura protecionista para reconfigurar as relações comerciais dos Estados Unidos. Ele frequentemente recorre a ameaças tarifárias como instrumento para reafirmar o poder de barganha dos EUA em um momento em que o país enfrenta desafios econômicos e políticos, tanto internamente quanto no cenário internacional. A estratégia de Trump é clara: ele usa a ameaça de tarifas como uma forma de chantagem econômica, forçando os países a negociar sob pressão.

Esse método tem precedentes. Em 2018, Trump usou tarifas sobre aço e alumínio contra os mesmos países para forçá-los a renegociar o Acordo Estados Unidos-México-Canadá (USMCA), sucessor do Nafta. No entanto, assim como no episódio atual, ele acabou recuando após obter concessões que poderia apresentar como vitórias políticas.

O contra-ataque de Canadá e México (e China)

A resposta do Canadá seguiu uma lógica similar à adotada por Pequim em sua guerra comercial com Washington: atingir setores estratégicos da economia americana e minar a base política de Trump. O governo de Justin Trudeau anunciou sanções direcionadas a produtos de estados tradicionalmente republicanos, o que geraria pressão de empresários e eleitores locais sobre a Casa Branca. Além disso, a província de Ontário suspendeu um contrato com a Starlink, empresa associada ao bilionário Elon Musk, o maior aliado político de Trump.

Já o México, sob a liderança de Claudia Sheinbaum, adotou uma estratégia de apaziguamento, prometendo reforçar a fronteira com 10 mil soldados da Guarda Nacional para conter o tráfico de drogas. Em troca, Trump suspendeu temporariamente as tarifas e comprometeu-se a tomar medidas para coibir o fluxo de armas dos EUA para o México, uma das principais preocupações do governo mexicano.

Após as conversas “amistosas”, o Canadá prometeu investir 1,3 bilhão de dólares canadenses em segurança na fronteira e nomear um “czar” para supervisionar o combate ao tráfico de fentanil. Já o México se comprometeu a enviar 10 mil soldados da Guarda Nacional para reforçar a fronteira.

O recuo de Trump: estratégia ou pressão?

O adiamento das tarifas por 30 dias não significa uma mudança de postura de Trump, mas sim uma tentativa de transformar uma escalada comercial em um ativo político. O republicano agora pode alegar que sua tática de pressão forçou Canadá e México a adotarem medidas de segurança na fronteira, algo que ele prometeu em sua campanha eleitoral, mas que sabe que terá efeitos práticos muito limitados.

A suspensão das tarifas por 30 dias pode ser interpretada como um recuo tático de Trump, mas também como uma jogada calculada. Ao ceder temporariamente, o presidente americano conseguiu extrair compromissos significativos de ambos os países, ao mesmo tempo em que evitou uma escalada imediata de tensões comerciais que poderiam prejudicar a economia dos EUA.

Contudo, essa manobra também reflete a crescente resistência contra sua política comercial. Nos Estados Unidos, grandes empresas e setores exportadores já manifestaram preocupação com os impactos das tarifas, que podem elevar os preços para consumidores americanos e prejudicar a competitividade do país no cenário global.

No entanto, o recuo também revela as limitações da estratégia de Trump. A imposição de tarifas é uma faca de dois gumes: enquanto pode pressionar outros países a cederem, também pode gerar inflação, reduzir a competitividade das empresas americanas e provocar retaliações que prejudicam a economia dos EUA. A ameaça de tarifas já havia causado preocupação entre empresários e políticos canadenses e mexicanos, e sua implementação poderia ter desestabilizado as cadeias de suprimentos altamente integradas da América do Norte.

Além disso, a suspensão das tarifas ocorre em um momento de crescente instabilidade nos mercados financeiros. As bolsas de valores reagiram negativamente ao anúncio inicial das tarifas, e especialistas alertam que uma guerra comercial prolongada poderia alimentar a inflação e prejudicar o crescimento econômico dos EUA. Além disso, a estratégia de Trump de usar tarifas como ferramenta de pressão pode ter consequências de longo prazo, como a erosão da confiança entre os parceiros comerciais e a desestabilização do sistema de livre comércio na região.

A sutileza da resposta chinesa

Diferente do ex-presidente norte-americano, que impôs tarifas de 10% sobre todas as exportações chinesas de forma abrupta, com balas perdidas para todos os lados, a resposta de Pequim foi mais sofisticada e seletiva. Xi Jinping escolheu seus alvos com precisão, atingindo setores estratégicos dos Estados Unidos. A China anunciou para o dia 10 de fevereiro a imposição de uma tarifa de 15% sobre carvão, gás e 10% sobre petróleo e equipamentos agrícolas.

Além disso, incluiu marcas norte-americanas dos setores de moda e biotecnologia em uma lista de empresas consideradas não confiáveis. Como golpe adicional, Pequim abriu uma investigação contra o Google e, para o dia 11 de fevereiro, planeja impor restrições às exportações de metais nobres, como tungstênio, telúrio e bismuto, essenciais para a indústria tecnológica dos EUA.

Pequim ainda concedeu um prazo para que o ex-presidente norte-americano encontre uma alternativa diplomática para evitar um agravamento da guerra comercial. A Casa Branca sinalizou que poderia haver uma conversa entre os líderes nos próximos dias, o que evidencia um espaço para negociação.

A postura de Xi Jinping indica que a China não deseja uma guerra comercial, pois, na prática, está se beneficiando do comércio global. Em 2024, o país acumulou um superávit comercial de US$ 1 trilhão, o maior da história para qualquer país do mundo. Com uma posição confortável, Pequim pode ditar os termos do jogo, enquanto os Estados Unidos enfrentam desafios econômicos mais graves.

O impacto dessa guerra comercial não se limita às duas potências. Países da América do Sul e Europa estão observando a disputa como uma oportunidade para fortalecer relações comerciais com Pequim. Produtores de soja e milho dos EUA já manifestaram preocupação, pois veem o Brasil como o principal beneficiado caso as exportações para a China sejam prejudicadas.

Oportunidades para o Brasil

Embora o Brasil não esteja diretamente envolvido nas sanções anunciadas por Trump, o país pode ser beneficiado indiretamente pelas disputas comerciais, especialmente no setor do agronegócio. Exportadores americanos já manifestaram preocupação de que a guerra tarifária entre Washington e Pequim pode fortalecer países concorrentes – e o Brasil está no topo dessa lista.

A taxação imposta aos produtos chineses e mexicanos pode levar a uma realocação das cadeias produtivas globais, abrindo espaço para fornecedores alternativos. No caso da soja, por exemplo, o Brasil já se beneficiou de embates anteriores entre EUA e China, aumentando sua fatia no mercado chinês. A mesma lógica pode ser aplicada a outros setores, como milho, carnes e manufaturados.

Apesar das oportunidades, o Brasil também enfrenta riscos caso a disputa comercial se amplie para outros setores. Trump já sinalizou, em diversas ocasiões, que considera o Brasil um país que impõe tarifas elevadas sobre produtos americanos. O temor de que os EUA ampliem suas barreiras tarifárias contra exportações brasileiras exige uma ação diplomática cuidadosa por parte do governo brasileiro.

Outro ponto de atenção é a possível desaceleração econômica global provocada por uma guerra comercial prolongada. Caso o protecionismo de Trump gere uma recessão nos EUA e um desaquecimento do comércio global, o Brasil pode sentir impactos negativos em suas exportações, especialmente de commodities.

Além disso, a dependência do Brasil de determinados mercados – como a China – também precisa ser gerida com cautela. Se a guerra comercial entre EUA e China se intensificar, Pequim pode buscar fornecedores alternativos para diversificar sua economia e reduzir a vulnerabilidade às sanções americanas, o que poderia impactar a demanda por produtos brasileiros.

Para minimizar riscos e maximizar oportunidades, o Brasil precisa adotar uma postura proativa no comércio internacional. Algumas estratégias fundamentais incluem diversificação de mercados para reduzir a dependência de poucos parceiros comerciais, ampliando exportações para a Europa, África e outros mercados emergentes. Avançar em negociações de tratados comerciais com blocos como a União Europeia e com países asiáticos, consolidando novas rotas de exportação.

A diplomacia ativa precisa buscar manter canais de diálogo com os EUA para evitar que o Brasil se torne alvo de tarifas protecionistas, ao mesmo tempo em que fortalece relações com o BRICS e outros grupos multilaterais. O Brasil deve reforçar seu compromisso com a OMC e outras instituições internacionais para evitar que práticas protecionistas prejudiquem o comércio global, como parte de uma estratégia de apoio ao multilateralismo.

    Estratégia de risco: o ciclo de pressão e concessão

    A estratégia de Trump nas negociações comerciais segue um padrão previsível: ameaças, escalada, retaliação dos países afetados e, por fim, um recuo estratégico disfarçado de vitória. No caso atual, a pausa nas tarifas não significa que a guerra comercial acabou, mas sim que Trump reconhece os riscos políticos e econômicos de um confronto prolongado.

    Ao longo das próximas semanas, as negociações entre EUA, Canadá e México definirão se essa suspensão temporária se converterá em um acordo duradouro ou se Trump voltará a recorrer ao seu manual de pressão tarifária para tentar consolidar sua posição nas eleições presidenciais.

    A longo prazo, a dependência de tarifas como ferramenta de política externa pode minar a posição dos Estados Unidos no cenário global, especialmente em um momento em que outros países, como a China, estão buscando fortalecer suas próprias alianças comerciais. Para Trump, o desafio será equilibrar sua postura agressiva com a necessidade de manter relações estáveis e produtivas com os principais parceiros comerciais dos EUA. Enquanto isso, o mundo assiste atento aos próximos capítulos dessa estratégia de alto risco.

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