Soja certificada e “megaterminal” em Santos: as rotas da Cofco para ampliar exportações

Santos (SP) – Uma das maiores tradings de commodities do mundo, a companhia chinesa Cofco International tem adotado diferentes rotas para se consolidar no Brasil, onde está há uma década, exportar mais soja brasileira e, com isso, ficar mais próxima de suas concorrentes.

De um lado, a companhia tem investido cifras bilionárias para levantar o maior complexo portuário fora da China no Porto de Santos, no litoral paulista, que vai começar a operar plenamente a partir do ano que vem, com capacidade de receber 14,5 milhões de toneladas de commodities como soja, milho e açúcar.

De outro, a Cofco passou a exportar, desde o ano passado, soja brasileira livre de desmatamento e produzida sob boas práticas de sustentabilidade, com o objetivo de qualificar a produção agrícola nacional.

Depois de um primeiro envio de 50 mil toneladas de soja produzida em áreas livres de desmatamento e conversão em maio do ano passado à China, a empresa firmou um novo acordo neste domingo, dia 2 de fevereiro, desta vez em volume bem maior.

A Cofco se comprometeu a fornecer 1,5 milhão de toneladas de soja sustentável e certificada, entre 2025 e 2030, às empresas China Mengniu Dairy e Sheng Mu Organic Dairy.

A companhia já tinha enviado para a Mengniu Dairy, empresa que pertence ao grupo Cofco e se diz líder do mercado chinês de indústria de laticínios, o lote anterior, de 50 mil toneladas.

As oleaginosas serão certificadas por um programa da companhia chamado Cofco International Responsible Agriculture Standard, em que os produtores fazem a adesão de forma voluntária e adotam 54 critérios.

Um desses critérios é a exigência de que a soja tenha sido produzida em áreas livres de desmatamento e conversão desde 31 de dezembro de 2020.

Outros parâmetros envolvem o uso correto de armazenagem de defensivos agrícolas, regras de contratação e trabalho dentro das propriedades, e a conservação de áreas de preservação permanente e reserva legal.

A ideia é qualificar a produção da oleaginosa no Brasil, segundo explicou Daniel Cação Motta, gerente de sustentabilidade da Cofco na América Latina, ao AgFeed, que visitou o novo terminal portuário da Cofco em Santos com um grupo de jornalistas na última sexta-feira, dia 31 de janeiro.

“A gente vem trabalhando para fomentar demandas sustentáveis para os produtores e temos que diferenciar os produtores para tentar atingir algum mercado”, afirmou o executivo.

A Cofco, no entanto, não pretende pagar um prêmio ao produtor que está trabalhando com uma soja mais qualificada.

“Não é exatamente um prêmio, mas, no final, espera-se que esse produto seja diferenciado um pouco de uma commodity normal”, afirmou Motta.

A companhia também evitou cravar uma quantidade de quanto, em média, os produtores que passam pelo processo poderiam acrescentar à sua renda.

“É de mercado, é demanda e oferta. A cada momento vai ter uma diferenciação”, disse Motta.

“Se tem muita oferta de produto certificado e não tem demanda, consequentemente, os valores de agregação de valor vão sendo diminuídos. Se tem pouca oferta e muita demanda, os valores aumentam”, complementou.

Para garantir que a soja vendida às empresas chinesas de fato está certificada, a Cofco optou pelo balanço de massa e não pela segregação de grãos ou identidade preservada, que são outras formas de certificação.

“É uma maneira de certificar cadeias de custódia. Você controla as entradas e saídas e você não pode vender o que não entrou. Você compra volumes das áreas certificadas e você vende volumes que você tenha comprado com o certificado”, afirma.

Na prática, mesmo que exista a mistura de grãos “inadequados” e “adequados” em um armazém, a empresa vende exatamente os volumes de soja certificada que comprou.

“Você controla esses volumes dentro da sua cadeia, mas não necessariamente está atrelado ao produto físico.”

Em paralelo, a Cofco trabalha com políticas de rastreabilidade para produtores que não estão dentro desse programa de certificação.

Hoje, 100% dos fornecedores diretos da companhia já têm sua produção rastreada, com a avaliação de critérios como o Cadastro Ambiental Rural (CAR) da propriedade e a utilização de dados de geolocalização de bases como Prodes e MapBiomas para identificar quando foi feito o último desmatamento das áreas.

A companhia tem como meta não comprar mais commodities produzidas em áreas que foram desmatadas a partir de 31 de janeiro de 2025. “O produtor não pode ter desmatado a partir deste ano”, afirma.

A Cofco ainda não consegue rastrear todos os seus fornecedores indiretos, mas Motta explicou que hoje, todos os fornecedores, diretos e indiretos, passam por um processo de avaliação para identificar se determinadas áreas têm mais risco ou não de desmatamento.

“No Cerrado, que a gente analisa isso, 98% do nosso fornecimento, tanto de diretos quanto indiretos, é Deforestation Conversion Free [livre de desmatamento e conversão]”, exemplifica Motta.

A partir de 2030, a meta é restringir também a compra de produtos feitos em áreas que passam por conversão de uso da terra.

“A conversão abrange mais do que somente o desmatamento de florestas, abrange também áreas de matas de Cerrado, por exemplo”, afirmou Motta.

A Cofco continua apoiando a Moratória da Soja, acordo que vem sendo questionado com mais força nos últimos meses.

Firmada entre as tradings e indústrias reunidas na Associação Brasileira da Indústria de Óleos Vegetais (Abiove) e pela Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec), a Moratória proíbe a compra de soja produzida em áreas desmatadas a partir de 2008 no bioma Amazônia e é questionado pelos produtores rurais.

Mais recentemente, o governo de Mato Grosso, estado que é o maior produtor de soja do Brasil, aprovou uma lei que retira incentivos fiscais estaduais a empresas organizadas em acordos comerciais nacionais ou internacionais que ocasionam restrição de mercado, perda de competitividade do produto, ou obstrução ao desenvolvimento econômico e social dos municípios – afetando a Moratória da Soja.

Em dezembro, a Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja-MT) entrou com um pedido de denúncia formal junto ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) para que o órgão investigue a conduta de “cartel” das empresas signatárias do acordo.

“Seguimos na moratória, não muda nada”, disse o diretor global de comunicação e sustentabilidade da Cofco, Allan Virtanen, ao AgFeed. “Seguimos cumprindo e monitorando da mesma forma que já fazíamos.”

Sérgio Ferreira, diretor de operações da Cofco no Brasil

Terminal de peso

Enquanto origina soja com certificação em uma ponta, na outra, a Cofco se prepara para dar um grande salto.

No Porto de Santos, betoneiras, guindastes e britadeiras trabalham dia e noite, 24 horas por dia, sete dias por semana, para erguer um projeto de US$ 285 milhões (cerca de R$ 1,6 bilhão no câmbio atual) e que será o maior complexo portuário de exportação da companhia no mundo.

O terminal, batizado de TEC (sigla para Terminal Exportador Cofco), terá a primeira fase de sua construção concluída em março de 2025, com a obra totalmente finalizada no fim deste ano.

A ideia é que o complexo receba 14,5 milhões de toneladas a partir do ano que vem, volume mais de três vezes superior ao da capacidade atual, de 4,5 milhões de grãos, com a operação do terminal 12-A, que continuará a ser operado pela Cofco.

A companhia chinesa vai ocupar agora o espaço de antigas arrendatárias do espaço como as companhias Eldorado, Bracel, Rodrimar e Cereal Sul, após ter vencido, em 2022, a licitação para explorar a área do terminal STS-11, concessão com validade inicial de 25 anos, podendo ser prorrogada até chegar ao prazo máximo de 70 anos.

A obra teve seu comissionamento em agosto de 2023. Todas as estruturas anteriores foram demolidas para dar lugar a um armazém com capacidade de receber 210 mil toneladas de soja, milho, farelo de milho e açúcar e cinco silos de 34 mil toneladas para receber grãos e um menor, com capacidade de 17 mil toneladas.

Ao todo, a capacidade estática total será de 490 mil toneladas. “É o porto com maior capacidade total dentro de Santos”, afirmou Sérgio Ferreira, diretor de operações da Cofco no Brasil.

O armazém, que está na fase final de construção, tem paredes com 13 metros de altura, considerado “o maior do Brasil” segundo Ferreira, e fica pronto em março. Em maio, três silos entram em operação. Os outros três silos restantes, em dezembro.

Dessa forma, já em 2025 a Cofco vai conseguir receber 8 milhões de toneladas no novo terminal, sendo 5,5 milhões de grãos (soja e milho) e 2,5 milhões de açúcar.

A partir de março, o terminal vai passar a receber soja da safra 2024/2025 e, no segundo semestre, vai receber milho da temporada atual.

“Por isso é que a gente está confiante em dizer que em 2026 vamos estar operando com o porto ‘full gas’, com 14 milhões e meio de toneladas”, afirma Ferreira.

A projeção é, inclusive, “conservadora”, na avaliação de Ferreira. “Quando eu falo 14,5 milhões de toneladas no porto, é com todas as commodities passando nele no mesmo ano”, afirmou.

“Se eu fizer soja em um armazém, açúcar no outro, milho em outro, com toda a complexidade de operação é 14,5. Se em um ano a gente decidir fazer um produto só, se passar só grão, esse porto pode fazer de 17 a 18 milhões de toneladas”, acrescentou.

Com maior capacidade estática a partir de 2026, a Cofco também vai prestar serviços para terceiros no terminal.

Do total previsto, a expectativa é que sejam 4,5 milhões de terceiros, sendo 3 milhões de toneladas de açúcar e 1,5 milhão de grãos, segundo o diretor da Cofco.

Ferreira disse também que a nova estrutura traz mais eficiência no carregamento, que se torna mais rápido.

“Antes, a gente não fazia mais volume porque enchia o armazém e, até a gente colocar esse produto dentro do navio, tínhamos que, às vezes, parar a operação de recebimento”, afirmou. “Nesse novo porto, isso basicamente não vai acontecer.”

Ferreira disse que a estrutura vai receber dois ship loaders com capacidade de 3 mil toneladas por hora cada. Ship loaders são equipamentos nos portos que carregam os navios. “São os maiores ship loaders que existem também no Brasil.”

Com isso, segundo Ferreira, a Cofco conseguirá carregar dois navios do modelo Panamax ao mesmo tempo.

“Um ship loader opera um navio e outro ship loader opera outro navio. Se não houver chuva, a gente consegue carregar dois Panamax em um dia”, afirma.

O custo de exportação a partir do novo terminal também será menor. “Vai ficar de 10 a 15% mais barato do que se a gente fosse fazer em portos de terceiros”, diz.

O novo complexo deve representar, para a Cofco, uma troca de modais, com o ferroviário ganhando espaço sobre o rodoviário.

A companhia anunciou, nesta semana, que investirá R$ 1,2 bilhão na compra de 979 vagões e 23 locomotivas para o transporte de commodities até o novo terminal. A operação ferroviária vai ficar sob responsabilidade da Rumo.

“Dos produtos que a gente descarregava, 30% vinha por vagão e 70% por caminhão. Essa matriz vai se inverter. Para ter uma operação mais sustentável, vamos operar com 70% vindo por vagões e 30% por caminhões”, afirmou.

“A gente está falando de tirar de dentro de Santos uma circulação de 500 caminhões, 600 caminhões por dia, se a gente fosse manter esta mesma matriz.”

O novo terminal da Cofco, segundo Ferreira, é o maior terminal para exportação da companhia no mundo. Logo após ficam dois terminais na Argentina, na região de Rosário, com capacidade de receber 6 milhões e 5 milhões de toneladas, respectivamente.

“O modelo de negócios deles é diferente. A Argentina não tem só porto e o modelo de negócio deles é fábrica, porto, tudo junto em um complexo só. Por isso os portos são um pouquinho menores”, afirmou Ferreira.

No Brasil, além da operação em Santos, a Cofco também possui presença em portos do chamado “Arco Norte”, que concentra terminais das regiões Norte e Nordeste, em uma parceria com a empresa Hidrovias do Brasil.

No ano passado, considerando a operação de Santos e do Arco Norte, a companhia exportou aproximadamente 17 milhões de toneladas de soja e milho e a expectativa é ter um volume parecido em 2025, entre 17 e 18 milhões de toneladas de grãos.

De todos os grãos originados pela companhia, 70% correspondem à soja e 30%, ao milho. “No ano de 2022, foi quase meio a meio, porque teve muita demanda de milho para a China. No ano passado, inverteu para 70% soja e 30% milho.”

Além do terminal de Santos, a Cofco também possui mais de 20 silos em estados como Mato Grosso, Paraná e Rio Grande do Sul, uma fábrica de esmagamento de soja em Rondonópolis (MT), capaz de processar 1,4 milhões de toneladas da oleaginosa por ano, e uma fábrica de biodiesel, que produz 330 mil metros cúbicos de biodiesel por ano.

Em 2023, a companhia obteve um lucro líquido de R$ 392,7 milhões no Brasil, considerando operação de grãos e hortifruti. O dado de 2024 ainda não foi divulgado.

O repórter viajou a convite da Cofco.

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