Mercado financeiro errou quase todas as suas previsões desde 2021; especialistas explicam

*Colaboração de Tathyane Melo e Luan Monteiro

Levantamento feito pelo portal UOL aponta que o mercado financeiro errou cerca de 95% de suas previsões sobre a economia brasileira nos últimos quatro anos. Economistas e especialistas de mercado fazem, todos os anos, previsões sobre indicadores econômicos fundamentais, como a taxa de juros, câmbio, PIB e comportamento da Bolsa de Valores. Nos últimos anos, no entanto, as previsões estão, quase em sua totalidade, erradas. Em muitos casos, as expectativas não se concretizam, mesmo com base em pesquisas detalhadas.

A economista e ex-secretária de economia de Goiás, Cristiane Shimidth, destacou em entrevista ao Jornal Opção que as previsões econômicas são sempre cercadas de desafios, especialmente quando mudanças institucionais entram em jogo. “Todos os modelos de previsão que os economistas trabalham, sejam os modelos do Banco Central, sejam os modelos que as Assets usam, que os departamentos econômicos usam”, explicou, ressaltando que as análises se baseiam em dados históricos e sazonalidades para estimar cenários futuros.

No entanto, algumas mudanças regulatórias podem gerar impactos inesperados e subestimados, como ocorreu com a reforma trabalhista promovida pelo governo do ex-presidente do Brasil, Michel Temer. “O efeito da lei foi tão bom que você diminuiu demais o número de judicializações, você deu mais segurança jurídica para o empregador”, exemplificou. Segundo ela, esse fator trouxe reflexos positivos para o mercado, mas sua real dimensão pode ter sido calculada de forma conservadora pelos modelos tradicionais de previsão econômica.

A especialista também destacou o impacto das medidas adotadas durante a gestão do ex-ministro da Economia Paulo Guedes, que, segundo ela, foram mais profundas do que muitos reconhecem. “A agenda microeconômica do Paulo Guedes foi muito intensa, muito mais intensa talvez do que se dá, do que se valoriza de fato como ela foi”, afirmou. Entre as mudanças, ela citou a Lei da Liberdade Econômica, pequenas privatizações e desestatizações que, embora não tenham sido amplamente divulgadas, trouxeram modificações estruturais ao ambiente de negócios. Ela mencionou ainda que essas transformações podem ter impactos prolongados, que levam tempo para serem totalmente absorvidos pela economia e devidamente refletidos nas projeções do mercado.

Sobre o cenário atual, Cristiane apontou que a questão fiscal do Brasil é um dos principais desafios enfrentados pelo país. “Existe o que a gente chama de uma quase dominância fiscal”, explicou, referindo-se ao fato de que o aumento da taxa de juros pode ter efeito limitado na contenção da demanda agregada quando há fragilidade fiscal. A economista destacou que fatores internos e externos influenciam o câmbio, que já atingiu a marca de R$ 6, impactando diretamente os preços dos produtos importados, como fertilizantes e alimentos. Esse fenômeno, conhecido como “pass-through”, acontece quando a desvalorização cambial encarece importações, resultando em aumento da inflação. Embora o dólar tenha apresentado leve recuo, a trajetória inflacionária ainda exige atenção.

A questão da dívida pública também foi apontada como um grande entrave para o crescimento da economia brasileira. Cristiane alertou que a relação dívida/PIB já ultrapassou 78% e pode alcançar entre 85% e 86% ao final do governo Lula. “Nossa dívida PIB, que é o grande nosso problema, é o calcanhar de Aquiles, hoje em dia, do Brasil, que precisaria ser endereçado. Ele não está sendo endereçado”, criticou. Segundo ela, sem reformas estruturais robustas, será difícil reduzir os gastos obrigatórios e liberar espaço no orçamento para investimentos estratégicos. Ela mencionou que setores essenciais, como infraestrutura e energia, continuam enfrentando dificuldades, pois os custos elevados da eletricidade e do gás natural encarecem a produção e reduzem a competitividade do país. “O governo não consegue mais fazer política pública de fato que não seja obrigatório”, concluiu, reforçando que, sem mudanças estruturais, os desafios econômicos continuarão se acumulando.

Como são feitas as previsões econômicas

Ao Jornal Opção, o professor e economista Gilberto Braga explica que as previsões econômicas são frutos do uso de ferramentas estatísticas. “Se pressupõe que o comportamento do passado irá determinar o que acontecerá no futuro. Porém, a realidade falseia a lógica na medida que fatos imprevisíveis acontecem. As previsões do mercado levam em conta aquilo que se conhece do passado, mas muitos fatores não são capturados nesses modelos”, explica.

Gilberto relata que se pode questionar as previsões, já que variáveis desconhecidas mudam os que pode acontecer. “As previsões tem capacidade de influenciar decisões de racionalidade em relação a finanças. Então, isso interfere na vida das pessoas, então sempre deve ser questionada. A economia não é uma ciência exata, mas uma ciência social, por isso ela se permite errar”, afirma.

Para 2025, Gilberto espera que será um ano complicado. “Mesmo com o pleno emprego, pode ter problemas relacionado a inflação, que ainda é persistente e tem foco em alimentos. A taxa de juros crescentes, com a Selic que deve fechar em 15%, faz com que acreditemos que seja um ano de crescimento, mas cercado de incertezas”, completa.

Já de acordo com o cientista político Guilherme Carvalho, muitas das previsões também tem fatores ideológicos. “Às vezes o excesso de pessimismo, o excesso de otimismo, estão diretamente ligadas a ideologias. Isso faz com que exista uma avaliação tanto quanto é forçada por parte desses atores que, de alguma forma, acabam por influenciar a própria avaliação de governo”, explica.

Segundo Guilherme, outro fator que pode influenciar as previsões são a própria imprensa. “O mercado dá essas estimativas em colunas na imprensa. Essas análises de prospectivas envolvem testes de probabilidade muito significativos com variáveis muito difíceis de serem controladas. Então, o mercado vai muito por instinto e transmitem suas razões políticas”, diz.

“Isso acaba influenciando a avaliação do governo, que responde através de mudanças políticas. O governo é orientado por visões negativas que possuem poucos lastros na realidade. A influencia do mercado no governo é muito grande. O mercado molda políticas e gera análises negativas”, completa.

Modelos utilizados pelos bancos

Ao Jornal Opção, o economista Everaldo Leite explicou que os modelos utilizados pelos bancos para fazer previsões econômicas nem sempre capturam corretamente as mudanças nas variáveis observadas. Segundo ele, esses modelos, baseados em cálculos econométricos, analisam diversas dimensões da economia, incluindo a atuação do governo. No entanto, quando começam a errar, tendem a persistir no erro, pois nem sempre conseguem se ajustar rapidamente a mudanças inesperadas. “Eles estavam errando para baixo e agora vão errar para cima”, afirmou, destacando que o atual nível de endividamento das famílias brasileiras – que já compromete 40% da renda – pode ser um fator limitante para o crescimento econômico. Ele também relembrou que um cenário semelhante ocorreu durante o governo Dilma Rousseff, quando o superendividamento das famílias contribuiu para a recessão enfrentada pelo país.

Leite alertou que o mercado financeiro pode estar projetando um crescimento econômico maior do que realmente ocorrerá, justamente por confiar em modelos que analisam o passado sem levar em conta mudanças estruturais no comportamento dos consumidores. Ele destacou que, no Brasil, o consumo é altamente dependente do crédito e do endividamento, o que torna o cenário atual ainda mais delicado. Se as famílias não conseguem se endividar mais, consequentemente, também perdem a capacidade de consumo. O economista apontou que o mercado errou repetidamente nos últimos anos e pode continuar errando, pois as expectativas econômicas podem mudar rapidamente. “O mercado pode mudar de opinião de uma hora para outra. Assim, se o mercado passar a entender que ele está errado hoje, daqui um mês, dois meses, ele está falando outra língua”, explicou, ressaltando que a reavaliação constante das projeções é uma característica desse setor.

Outro fator de preocupação, segundo Leite, é a inflação persistente nos serviços, que tem pressionado os preços e forçado o Banco Central a manter uma política de juros elevados. Ele mencionou que a taxa Selic já subiu recentemente e há previsão de novos aumentos, o que pode agravar a desaceleração econômica. Para ele, a combinação de alto endividamento, inflação resistente e juros elevados pode levar o país a uma recessão até o fim do ano. Além disso, destacou que as oscilações do mercado financeiro refletem diretamente as declarações de autoridades públicas, o que evidencia o impacto das expectativas na economia. Com menos crédito disponível, setores como o automotivo e o imobiliário podem enfrentar dificuldades, já que dependem do financiamento para sustentar suas vendas. Ele concluiu que a falta de atenção a esses fatores pelos economistas de mercado pode resultar em previsões excessivamente otimistas, mascarando os desafios reais que o país enfrenta.

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