Ciência e beleza se unem: a tatuagem nos olhos que restaura a confiança

Nesta sexta-feira (31), ao meio-dia, a vida de seu João Alfredo de Barros tomará um novo rumo. Aos 66 anos, o porteiro que há mais de quatro décadas mora em Moreno, na Região Metropolitana do Recife, passará por um procedimento de ceratopigmentação, uma técnica inovadora que promete devolver a simetria ao seu olhar.

Desde 2009, ele convive com a perda da visão no olho esquerdo, consequência de uma conjuntivite que deixou sequelas irreversíveis. Enquanto o olho direito seguiu saudável, o esquerdo tornou-se esbranquiçado, uma marca que ele esconde diariamente atrás de óculos escuros.

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Um novo olhar: a história de João e a busca pela autoestima

A decisão de realizar o procedimento veio acompanhada de um turbilhão de emoções. “Dou glória a Deus. No dia 11, tive uma consulta com a doutora Manuela, fiquei muito ansioso, muito emocionado e estou esperando este dia chegar. Eu uso óculos escuros todos os dias porque tenho vergonha. Acredito que vai ser muito bom para minha autoestima. É muito ruim ter um olho diferente”, conta seu João.

Casado com Suely Alves Miranda de Barros, de 60 anos, e pai de dois filhos, Bruno (40) e Bruna (31), ele nunca imaginou que sua trajetória inspiraria uma médica a se especializar em uma técnica que ainda dá seus primeiros passos no Brasil.

A médica que se inspira na dor de um paciente

A doutora Manuela Tenório Cardoso, oftalmologista no Hospital Santa Luzia, foi a primeira profissional a trazer a técnica de ceratopigmentação para o Nordeste.

A história de seu João foi determinante para que ela se aprofundasse no estudo da técnica. “Seu João é porteiro do prédio em que moro. Uma pessoa muito gentil e atenciosa, mas que demonstra desconforto por sua condição ao estar sempre de óculos escuros. Ele foi uma motivação para que, em 2024, eu fosse conhecer de perto o que Dr. Alexandre Costa tem feito”, conta.

A ciência a serviço da beleza: entendendo a ceratopigmentação

Em São Paulo, na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), ela entrou em contato com os estudos do especialista e decidiu trazer a técnica para Pernambuco.

A ceratopigmentação é um procedimento cirúrgico que consiste na pigmentação do estroma da córnea, tornando a aparência do olho mais próxima do natural.

“É um procedimento permitido no Brasil apenas em olhos sem prognóstico visual, a fim de deixá-los com um aspecto mais saudável e próximo ao olho contralateral”, explica a médica.

Seu João passou por um transplante de córnea há cerca de quatro anos e teve rejeição. Sofreu dores no corpo e na alma. Mas viu na técnica uma oportunidade de recuperar algo que havia se perdido: o contato visual sem o receio de olhares alheios. “Meus olhos são castanhos, mas um está esbranquiaçado”

A técnica tem diferentes abordagens, dependendo da condição do paciente. “Existem quatro técnicas possíveis para a pigmentação da córnea. A técnica superficial, que pode ser feita manualmente ou automatizada, é ideal para córneas opacas e permite a mistura de tons, resultando em um aspecto mais natural. Já a técnica estromal, na qual o pigmento é depositado no estroma através de um túnel criado manualmente ou por laser de femtosegundo, é indicada para córneas claras com opacidades posteriores ao estroma. A escolha da técnica é definida caso a caso”, esclarece a doutora Manuela.

A cor da esperança é castanha

Para seu João, o procedimento não lhe trará a visão de volta, mas representará um divisor de águas em sua vida social. “Examinei seu João e realmente a baixa de visão é irreversível. A cirurgia de ceratopigmentação não melhora a acuidade visual. O objetivo é devolver a autoestima, devolver o contato visual que deixou de existir, sem as lentes escuras”, explica a especialista.

O procedimento, apesar de inovador no Brasil, já é realizado em países como Estados Unidos, Espanha e Panamá para fins estéticos. No entanto, a mudança da cor dos olhos saudáveis ainda não é permitida no país, devido à necessidade de mais estudos sobre a segurança da técnica.

“No Brasil, a pigmentação da córnea ou tatuagem de córnea pode ser usada para fins cosméticos em olhos sem visão que evoluíram com aspecto esbranquiçado ou em casos de disfunções, como atrofias irianas, a fim de corrigir esses defeitos”, detalha a médica.

O tempo de recuperação varia, mas, em geral, o paciente recebe alta em torno de 30 dias. Como em qualquer procedimento cirúrgico, há riscos envolvidos, mas eles podem ser minimizados com uma boa indicação médica e o cumprimento rigoroso das recomendações no pós-operatório.

“A indicação do procedimento deve levar em conta as expectativas do paciente, o quadro clínico e a presença de doenças ativas. A partir daí, a escolha da técnica e a realização do procedimento em ambiente hospitalar reduzem o risco de complicações”, afirma a doutora Manuela.

As perspectivas da técnica no Brasil

A comunidade médica ainda está se familiarizando com a ceratopigmentação, que ganhou notoriedade principalmente por conta de brasileiros que viajaram ao exterior para mudar a cor dos olhos. Para a oftalmologista, a técnica representa um avanço significativo na área e traz impactos profundos para a autoestima dos pacientes.

“Estou entusiasmada com os avanços trazidos para a pigmentação da córnea e com a possibilidade de ajudar pessoas como seu João. No depoimento das pessoas que foram submetidas ao procedimento, é marcante a mudança que ele traz. Um verdadeiro pingo de tinta no coração”, conclui.

Na sexta-feira, ao meio-dia, seu João entrará na sala de cirurgia carregando consigo a esperança de enxergar, ao menos, um reflexo de si mesmo no espelho sem precisar desviar o olhar.

E, para doutora Manuela, esse momento simboliza mais do que um avanço profissional. É a concretização de um propósito que nasceu no hall de um edifício e se transformou em um caminho para devolver a dignidade a quem, por muito tempo, escondeu o próprio rosto.

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