“Houve uma quebra de expectativa”, diz médica sobre veto de Lula à lei que equipara diabetes tipo 1 à deficiência

O veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao projeto de lei que equiparava o diabetes mellitus tipo 1 a uma deficiência gerou uma onda de frustração entre especialistas da saúde e pacientes que convivem diariamente com a condição. A decisão, tomada em 13 de janeiro, impede que pessoas diagnosticadas com a doença tenham acesso a uma série de benefícios previstos para indivíduos com deficiência, o que inclui suporte educacional e inclusão no mercado de trabalho. Para endocrinologistas e associações de pacientes, a medida ignora as dificuldades enfrentadas por quem lida com o diabetes tipo 1 desde a infância e reforça a necessidade de mobilização para reverter o veto.

Em Goiás, a endocrinologista especialista em cuidado infantil, Jéssica França da Silva, explicou, em entrevista ao Jornal Opção, as razões pelas quais a comunidade médica e as famílias consideram essencial que o diabetes tipo 1 seja reconhecido legalmente como uma deficiência. “Ele foi passado na votação no Senado e foi depois para liberação do presidente e foi vetado. E aí, primeiro, existiu muitas dúvidas das pessoas, porque existem muitas com diagnóstico de diabetes no país e se todas as pessoas seriam incluídas nesse tipo de classificação. Só que é importante diferenciar que o projeto foi pensado em pessoas com diabetes tipo 1, que é um tipo de diabetes diferente do tipo 2”, esclareceu.

Diferença entre as diabetes

A endocrinologista destacou que o diabetes tipo 2, mais comum entre adultos, é uma condição que pode ser controlada com mudanças na alimentação e no estilo de vida, enquanto o diabetes tipo 1 é uma doença autoimune que impede completamente a produção de insulina pelo organismo. “O tipo 2 é o mais frequente aqui no Brasil, que acomete mais pessoas adultas. Já o diabetes tipo 1 a gente entende como uma deficiência mesmo, porque aquela pessoa parou de produzir de forma total e completamente a insulina”, explicou.

Essa ausência completa de insulina exige que pacientes com diabetes tipo 1 tenham um controle rigoroso da glicemia ao longo do dia, com aplicações frequentes de insulina e monitoramento constante dos níveis de açúcar no sangue. Para crianças e adolescentes, essa rotina representa um desafio ainda maior, pois requer supervisão contínua de pais e responsáveis.

Impacto no dia a dia 

Segundo Jéssica França, a falta de reconhecimento legal do diabetes tipo 1 como deficiência também dificulta o suporte necessário no ambiente escolar, onde muitos alunos precisam de ajuda para aplicar insulina e monitorar sua glicemia. “Nós sabemos que a escola não tem a obrigação de aplicar a insulina, de fazer certas orientações médicas, porque é um ambiente escolar e não hospitalar. Então a gente tenta da melhor forma que a família converse com a escola, se a escola consegue disponibilizar uma ajuda, porque é uma criança que vai demandar um cuidado mais especial”, explicou.

Com a rejeição do projeto de lei, pais de crianças com diabetes tipo 1 continuam dependendo da boa vontade de professores e funcionários para garantir o suporte adequado dentro das escolas. Muitas vezes, isso significa que os responsáveis precisam deixar seus empregos para acompanhar seus filhos diariamente. “A gente depende muito da boa vontade de pessoas boas nas escolas para conseguir esse suporte para os pais, porque na lei isso não é previsto, não é entendido como uma deficiência, não é previsto, não é cobrado. Não é um direito desse paciente”, lamentou a médica.

A especialista também destacou que a falta de apoio adequado pode levar a complicações graves no futuro, como a retinopatia diabética, que pode causar cegueira, doenças renais, levando à necessidade de hemodiálise, e neuropatia diabética, que pode resultar em amputações. “Se nós tivéssemos essa possibilidade com o projeto de lei, seria algo muito interessante para tentar melhorar o acesso, a tranquilidade dos pais no ambiente escolar para essas crianças, com um professor de apoio ou um profissional que pudesse dar um suporte no cuidado diário ali na escola”, afirmou.

Expectativa frustrada

A expectativa em torno da aprovação do projeto era alta entre os pacientes e seus familiares, pois ele já havia passado por todas as etapas legislativas antes de ser vetado pelo presidente. “Esse era o nosso último estágio e a esperança e a expectativa eram muito grandes. Mas infelizmente houve essa quebra de expectativa”, disse Jéssica.

Para a endocrinologista, mesmo diante do veto, ainda há esperança de avanços por meio de políticas municipais e estaduais que garantam melhores condições para os pacientes com diabetes tipo 1. Associações de apoio à causa seguem lutando para ampliar o acesso a tecnologias e insulinas de melhor qualidade pelo Sistema Único de Saúde (SUS). “Esse veto seria algo que beneficiaria muito na forma nacional e para o Brasil inteiro, mas em cada cidade e em cada estado existem muitas associações que estão lutando por outros pontos para melhorar a qualidade de vida dos pacientes com diabetes”, reforçou.

Pacientes no SUS

A endocrinologista Jéssica França, que atende crianças com diabetes tipo 1 no Hospital Municipal de Aparecida de Goiânia (HMAP), ressaltou que a grande maioria de seus pacientes enfrentam dificuldades adicionais no acesso a tratamentos. Atualmente, a unidade atende cerca de 100 crianças com a condição, que dependem exclusivamente do atendimento público de saúde. “No serviço público existe sim uma grande demanda de pacientes portadores de diabetes tipo 1. Nós entendemos que há uma condição de renda mais limitada, mas como não é algo que a gente pergunta ativamente na consulta, não conseguimos afirmar com certeza”, explicou.

Ela reforçou que, caso a lei tivesse sido sancionada, muitos desses pacientes poderiam receber suporte extra dentro das escolas, permitindo que pais e responsáveis mantivessem suas rotinas de trabalho sem precisar abrir mão da carreira para garantir o cuidado dos filhos. “Hoje, os pais, muitos pais, se desdobram, saem do trabalho para poder ir até a escola aplicar insulina, ou às vezes acabam saindo do serviço mesmo, e param de trabalhar para poder conseguir dar o suporte que as crianças precisam”, lamentou.

O projeto de lei vetado é de autoria da deputada Flávia Morais (PDT-GO) e do deputado Dr. Zacharias Calil (União-GO). O senador Alessandro Vieira lamentou a decisão da Presidência da República nas redes sociais e defendeu a derrubada do veto pelo Congresso Nacional.

“O presidente Lula vetou o projeto aprovado pelo Congresso que equipara pessoas com diabetes tipo 1 a PCD [pessoas com deficiência]. É lamentável que o governo escolha fazer economia burra às custas de quem mais precisa. Vamos agora trabalhar pela derrubada do veto, pois esse é um projeto justo e necessário”, ressaltou.

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