Voo com deportados presos a algemas e correntes: conheça os protocolos entre EUA e Brasil sobre o tema

Dados do Governo Federal mostram que, de 2022 para cá, mais de nove mil brasileiros que estavam ilegalmente nos Estados Unidos (EUA) foram deportados em 46 voos enviados a Manaus. Na última sexta-feira, 24, um avião trazendo 88 brasileiros deportados chamou a atenção pelo uso de algemas e também por ser o primeiro enviado na nova administração Trump. Apesar da estranheza causada, não houve mudança significativa no tratamento dado aos brasileiros deportados, já que o registro de uso de algemas ocorre com frequência nos voos fretados pelos EUA. 

Normalmente, os imigrantes ilegais têm suas correntes e algemas retirados 20 minutos antes do pouso, o que não aconteceu nesse caso, por isso o estranhamento: ver brasileiros algemados em território do Brasil por infrações cometidas nos Estados Unidos. 

Entretanto, fontes do Itamaraty revelam que o principal problema com o voo da última sexta-feira, 24, não foi o uso das amarras, mas sim, a pane no sistema de ar condicionado. O defeito teria tornado a cabine dos passageiros muito quente, levando alguns a passar mal. Relatos dos passageiros apontam a falta de auxílio da tripulação nesse ponto, o que gerou conflitos com as autoridades brasileiras. 

Como funcionam 

“O uso das algemas, do acorrentamento inclusive na barriga, nos pés e nas mãos, é algo que é parte de como os voos do ICE [serviço de alfândega e imigração dos EUA] são conduzidos e sempre foi assim, independente do governo. Normalmente, 20 minutos antes do pouso, os passageiros que estão sendo deportados são desacorrentados, as algemas são retiradas. Por isso que foi tão diferente e chocante ter visto os brasileiros em solo brasileiro ainda algemados”, afirmou a professora de educação e migração da Universidade de Harvard, Gabrielle Oliveira, à BBC News Brasil.

Ignorando os pedidos da diplomacia brasileira contra o uso indiscriminado das correntes e algemas, o governo estadunidense as mantém alegando ser necessário para segurança do voo e da tripulação.

A professora explica que menores de idade, idosos e mulheres com crianças pequenas normalmente ficam livre do uso das algemas e correntes, mas que a decisão de usá-las ou não fica a cargo dos agentes da repatriação responsáveis pelo voo em questão. Durante o uso do banheiro, os deportados ficam liberados dessas amarras. 

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Após os passageiros passarem mal devido ao calor da aeronave, houve confusão entre os deportados e a tripulação. A intenção da equipe era seguir voo até Confins (MG), mas alguns brasileiros que estavam algemados conseguiram acionar a porta de emergência da aeronave e o tobogã que permite a saída emergencial. Esse movimento teria alertado as autoridades brasileiras, que passaram a intervir ainda em Manaus. 

A Diplomacia brasileira afirma que o episódio servirá como argumento para reforçar a importância do uso das amarras. 

Existe acordo sobre o tema? 

Apesar dos diálogos frequentes entre as autoridades dos dois países, não existe acordo formal sobre o tema entre Brasil e Estados Unidos. 

Uma nota enviada pelas autoridades brasileiras aos estadunidenses em setembro de 2021, ainda sob a gestão de Bolsonaro, afirmava que os brasileiros deportados em voos dessa natureza “não serão submetidos ao uso de algemas e correntes, ressalvados os casos de extrema necessidade”. O Itamaraty compreende o uso das algemas e correntes em casos de risco à segurança dos passageiros e da tripulação. 

Após o episódio da semana passada, o governo brasileiro pediu explicações ao governo Trump sobre o tratamento dado aos deportados. Conforme apurado pela BBC News Brasil, diálogos com a secretária de Assuntos Consulares do Ministério das Relações Exteriores (MRE), Márcia Loureiro, mostram que o caso será apurado e um novo encontro agendado para alinhar pontos sobre o processo de deportação, a fim de evitar que o problema da sexta-feira, 24, se repita. 

Diplomatas reforçaram que a elaboração da lista de passageiros foi, principalmente, feita na gestão Biden, portanto o episódio não deve impactar severamente a relação com a nova administração americana. 

Legenda: Governo brasileiro já havia dado autorização para três voos de deportação por semana, meta nunca atingida, até então l Foto: 

Guantánamo 

É recorrente a prisão temporária de pessoas sem documentação nos Estados Unidos, até que se finalize as burocracias para deportação ou até que se encontre aeronave disponível para fazer o transporte. Os locais onde normalmente ficam detidas essas pessoas possuem vagas limitadas, o que teria motivado, em tese, uma declaração do novo presidente sobre uso de prisão federal para esse fim.

Donald Trump disse, na última quarta-feira, 29, que irá emitir Ordem Executiva para permitir acomodação de imigrantes sem documentação na prisão federal da Baía de Guantánamo, em Cuba, até que sejam deportados. “Isso dobrará nossa capacidade (de acomodação de imigrantes ilegais)”, disse Trump. “E é um lugar do qual é difícil sair”, finalizou o republicano.

A prisão de Guantánamo gera polêmica pois foi usada, após o atentado de 11 de setembro, principalmente, para prender suspeitos de terrorismo. Muitos desses presos nunca foram julgados e, apesar da promessa de sucessivos governos, a prisão nunca foi desativada. 

Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil apontam que a medida de Trump deve gerar questionamentos legais e não prosperar. O máximo que pode acontecer é usar Guantánamo para encarcerar imigrantes que já são comprovadamente processados por crimes violentos e que os países de origem se recusem a repatriá-los.  

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