“Desafios são monstruosos e não há evidências de mudança”, diz ex-presidente da Embrapa

Silvio Crestana surpreendeu a pesquisa agropecuária e o agronegócio ao ser escolhido, em janeiro de 2005, para presidir a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). À época, foi indicado por amigos em comum ao ministro da Agricultura Roberto Rodrigues. Insatisfeito com o então número um da estatal, Clayton Campanhola, o ministro bancou Crestana para o cargo.

Professor e pesquisador da Embrapa Instrumentação, Crestana mostrou habilidade técnica e política. Comandou a maior estatal de pesquisas do País até julho de 2009. Além de Rodrigues, reportou-se a outros dois ministros da Agricultura, Luis Carlos Guedes Pinto e Reinhold Stephanes, nos dois primeiros mandatos de Luiz Inácio Lula da Silva como presidente da República.

Em 2022, quando Lula foi novamente eleito, Crestana foi convidado para voltar à presidência da estatal de pesquisa. “Não era e nem é meu projeto”, disse ele em entrevista exclusiva ao AgFeed. Não aceitou voltar ao cargo, mas prometeu colaborar com o que fosse preciso.

No começo de 2023, o pesquisador foi procurado pelo ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, para desenhar a “Embrapa do Futuro”. Propôs, e foi prontamente atendido, a criação de grupo de notáveis para diagnóstico e ação terapêutica para a estatal. Além de Crestana e dos dois ex-ministros Roberto Rodrigues e Guedes Pinto, integraram o projeto Ana Célia Castro e Pedro Camargo Neto.

“A gente olhou uma janela de dez, 15 anos à frente, mas não só com o nosso olhar. Fizemos consultas, conversamos com os setores principais do agro, tanto público como privado, com instituições de pesquisa, universidades. Chegamos a uma grande síntese, porque no caos que a gente vive, quando você consegue fazer uma síntese, está dando uma grande contribuição”, contou Crestana.

A “grande síntese” foi um relatório enxuto, “para tomadores de decisões”, entregue pelo grupo a Fávaro e ao comando da Embrapa em outubro de 2023. Segundo o ex-presidente da Embrapa, o relatório atende a quatro linhas de ação nas quais o governo precisa, com urgência, focar.

A primeira linha seria definir os grandes temas prioritários para a pesquisa agropecuária. “Eu considero, pessoalmente, que o mais importante são as mudanças climáticas impactando a agricultura e nós não temos uma boa solução para uma série histórica que estamos vivendo, com eventos extremos”, afirmou.

A segunda linha de ação é a mudança no modelo de gestão. “Com essa máquina que a Embrapa tem hoje, não dá para responder aos problemas colocados pela sociedade, pelo mercado, pelo mundo”.

Para Crestana, a estrutura de gestão da Embrapa, com mais de 7,5 mil empregados e um orçamento de R$ 4 bilhões, é “burocratizada, centralizada e, ao mesmo, tempo sem capacidade de tomada de decisão”.

Além de mudar o foco das pesquisas e descentralizar radicalmente a gestão, as outras duas linhas de mudanças propostas pelo grupo de notáveis sugerem novos modelos jurídico e de financiamento da pesquisa, para tornar a Embrapa cada vez menos dependente dos recursos do orçamento público.

“O grupo chegou à conclusão de que tinha que chamar a atenção que a Embrapa está em crise. Tem de reconhecer que existe uma crise e, mais que isso, precisa da ação”, afirmou o ex-presidente da Embrapa.

A crise foi escancarada no começo deste ano. O AgFeed mostrou que a companhia iniciou 2025 com um rombo de R$ 200 milhões e com anúncio de cortes.

De outubro de 2023, após a entrega do relatório ao ministro, até hoje, nenhuma resposta do Ministério da Agricultura. “A gente não recebeu nenhum feedback, em nenhum momento fomos chamados de volta pelo ministro nem para dizer: olha, nós estamos implementando, nós temos dificuldade em implementar, não concordamos com isso e com aquilo”, lamentou Crestana.

Segundo ele, no final de 2024 o grupo recebeu uma correspondência com uma consulta da atual presidente da Embrapa, Silvia Massruhá. Ela informava que gostaria de apresentar o que já foi feito e o que pretende fazer ainda em relação ao relatório. A reunião está prevista para fevereiro.

Ao AgFeed, o Ministério da Agricultura informou apenas que propostas apresentadas pelo grupo “estão no escopo da programação da Embrapa, que atualmente está executando um plano de ação em curso”.

Sem uma posição de Fávaro e na expectativa do encontro com a presidente da Embrapa, Crestana segue seu trabalho na Embrapa Instrumentação, em São Carlos, unidade da qual é um dos fundadores e que só deixou para ocupar a presidência da estatal.

“Nunca abandonei minha trincheira de pesquisa, de atender orientados, de projetos. Estou na ativa”.

Antes de encerrar a conversa de meia hora com a reportagem, ainda incomodado com o silêncio do governo, Crestana desabafou. Cobrou “uma ação urgente” pelo papel da Embrapa para a agropecuária e a ciência e pelos resultados que já gerou.

“Os desafios são monstruosos. E não há nenhuma evidência que a gente vai mudar muito isso”, concluiu.

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