Prefeito, multe o meu prédio por favor

Mesmo em gestões municipais de Goiânia em que a limpeza urbana transcorreu (digamos) normalmente, sempre aconteceu de haver pessoas que não dão a mínima para a limpeza da cidade e assim realizando descarte de lixo, entulho e móveis velhos (sobretudo sofás) em vias, praças ou áreas particulares. Há muita gente ainda com a mentalidade no pântano da ignorância, acorrentada na escuridão da caverna de Platão. Esse emporcalhamento da cidade — que pode resultar em transmissão de doenças, em acidentes ou servir para abrigar vetores que ocasionam doença — aumentou no final do governo de Rogério Cruz, haja vista que a gestão virou “charrete que perdeu o condutor”, como disse o cantor Raul Seixas numa música.

Na gestão de Iris Rezende, por exemplo, foram construídos, por meio da Agência Municipal de Goiânia (Amma), dois parques em locais que eram pontos de descartes de materiais mais diversos. Isso no Jardim Nova Esperança e no Conjunto Vera Cruz V. Num deles, mais precisamente dentro de uma mata que fica na divisa do Conjunto Vera Cruz V e o Jardim São José, até um caixão foi encontrado. É sério. Ainda bem que sem defunto. Aí seria demais.

Fiquei com a pulga atrás da orelha para saber por que cargas d’água o caixão foi parar no local. Esperei alguma matéria nesse sentido, mas não aconteceu. E a pulga ainda continua no mesmo lugar. Felizmente, essa ação da Amma fez sair dos locais a podriqueira reinante para dar lugar a dois parques: o Sargento David Luiz Rodrigues e o Luiz César Amaral de Muniz (este jornalista e mais conhecido como Leleco). Fui a ambos lugares antes da chegada da bonança e tive os olhos esbofeteados com o tanto lixo, mas depois meus olhos foram acariciados pelos parques que foram construídos. Fui à inauguração dos dois.

Quando vejo ruas e praças sujas, me vem à mente uma frase que suponho ser de Paulo Rónai (13/4/1907 — 1º/12/1992): um ensaísta, tradutor e crítico literário de origem húngara. Era judeu e, para fugir dos abomináveis abutres nazistas, veio morar no Brasil em 1941 e se naturalizou brasileiro. A primeira vez que ouvi falar de Rónai foi em 1985 quando eu fazia Letras na Universidade Católica de Goiás. Ele, na verdade seu livro “Como Aprendi o Português e Outras Aventuras”, foi citado pelo querido professor Nilton Mário Fiorio, que foi embora da vida no ano passado. Estou escrevendo esta crônica e me lembrando com saudade de sua alegria em ensinar, sobretudo quando percebia a fome de aprendizagem dos alunos. Rónai, que aprendeu o idioma português sozinho na década de 30, foi amigo de muitos intelectuais brasileiros, o poeta Carlos Drummond de Andrade era um deles. Raquel Cozer, em artigo publicado na Folha de S. Paulo em 21/7/2013, diz que Chico Buarque, em seu romance “Budapeste”, contou a história de Rónai de modo inverso. Ela, ao contrário do filho do historiador, professor universitário, sociólogo e jornalista Sérgio Buarque de Holanda, bate o pé na afirmação, “ainda que Chico acredite que não”.

O poeta Carlos Drummond e Paulo Rónai: este judeu húngaro, ensaísta, tradutor e crítico literário; veio para o Brasil em 1941 fugindo dos nazistas | Foto: Reprodução

Sobre a frase que julgo ser de Rónai, cuja exatidão não sei, ela é mais ou menos assim: “Pelo estado das ruas e praças de uma cidade, é possível conhecer o grau de conscientização política de um povo”. Goiânia neste aspecto está mal na fita. Nesses cem dias de ação iniciados na nova gestão municipal, certamente este cenário vai mudar. Na verdade, isso já teve início. E com a aprovação da taxa de lixo pelos vereadores da gestão passada, essa mudança há de ser ainda mais substancial. É antagônico Goiânia ser uma cidade que se destaca como a mais arborizada e ficar entupida de lixo.

Em relação ao porquê de eu estar solicitando que o prefeito aplique multa em meu prédio, conto agora. O que anda acontecendo no meu prédio ocorre em muitos outros: não ter na porta do imóvel dois compartimentos, sendo para destinação de rejeitos e outro para material reciclável. Tem sido em vão todo o trabalho que tenho em minha casa para separar o material reciclável, pois a sua destinação é o aterro sanitário, visto que, em meu prédio, não há uma preocupação com o destino dos resíduos gerados pelos moradores.

O aterro sanitário (como eu já disse aqui noutra crônica) é uma montanha maligna, e ela, altaneiro leitor, contém um pouquinho de mim, de você. Enfim contém um pouquinho cada morador desta cidade, erigida por Pedro Ludovico Teixeira na década de 30 com as pedras que restaram depois que todo o ouro da antiga capital foi levado. Goiânia é nossa casa coletiva. Todo cuidado e carinho que lhe dedicarmos recairão em nós mesmos.

Televisão velha descartada em calçada em rua do Centro | Foto: Reprodução

Sinésio Dioliveira é jornalista, poeta e fotógrafo da natureza

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