PEC da segurança pública expõe a necessidade de alargar o conceito da federação

Por Ângelo Castelo Branco

A recente declaração do ministro Ricardo Lewandowski, revelando perplexidades perante a possibilidade de cada estado brasileiro possuir seu próprio código penal, evidencia a complexidade e os desafios da federação brasileira no âmbito legislativo. O comentário, feito no contexto de defesa da PEC da Segurança Pública, leva a uma reflexão profunda sobre o modelo federativo adotado no Brasil e seus impactos no sistema jurídico.

Nos Estados Unidos, um exemplo frequentemente citado, cada um dos 50 estados possui seu próprio código penal, adaptado às realidades locais. Além disso, existe um código penal federal que regula crimes de abrangência nacional, como terrorismo e tráfico interestadual. Essa pluralidade legislativa, longe de ser vista como um entrave, reflete o caráter descentralizado da federação norte-americana, onde os estados possuem ampla autonomia para legislar. Entretanto, tal modelo exige mecanismos robustos de coordenação e harmonização para evitar conflitos de competência e desigualdades excessivas.

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No Brasil, por outro lado, a uniformidade das leis penais tem sido uma característica marcante, com o Código Penal de 1940 aplicando-se de forma indistinta em todo o território nacional. Embora essa homogeneidade seja vista como uma garantia de isonomia, ela ignora as particularidades regionais que podem influenciar a natureza e a gravidade dos crimes. Estados como São Paulo e Amazonas, por exemplo, enfrentam realidades criminais profundamente distintas, mas estão sujeitos às mesmas normas penais, o que pode limitar a eficácia das políticas de segurança pública.

A ideia de códigos penais estaduais no Brasil, apesar de improvável no curto prazo, provoca questionamentos importantes. Seria essa descentralização um caminho para aumentar a eficácia das legislações penais, adaptando-as às especificidades locais? Ou resultaria em uma fragmentação jurídica incompatível com o princípio da unidade nacional? A perplexidade expressa pelo ministro da Justiça ao imaginar tal cenário sugere que, no modelo federativo brasileiro, a centralização normativa é vista como essencial para manter a coesão do sistema jurídico.

Entretanto, essa centralização também gera problemas significativos. Em um país de dimensões continentais como o Brasil, com profundas desigualdades econômicas, sociais e culturais entre as regiões, a aplicação uniforme das leis pode ser ineficaz e, em alguns casos, até injusta. Além disso, a falta de autonomia legislativa dos estados dificulta a implementação de políticas inovadoras, que poderiam ser mais adequadas às demandas regionais.

A comparação com os Estados Unidos revela tanto os desafios quanto as possibilidades de um sistema legislativo mais descentralizado. Apesar das diferenças estruturais entre os dois países, a experiência norte-americana mostra que é possível conciliar autonomia estadual com coesão nacional, desde que existam mecanismos eficazes de harmonização legislativa. No Brasil, no entanto, essa discussão ainda é incipiente e enfrenta resistências significativas, tanto por razões históricas quanto políticas.

Assim, o comentário de Lewandowski não apenas reflete uma perplexidade legítima diante da complexidade do modelo federativo, mas também nos convida a repensar os limites e as possibilidades da centralização legislativa no Brasil. É preciso avançar para um modelo que, sem abrir mão da unidade, reconheça e respeite a diversidade regional, garantindo que as leis penais sejam, acima de tudo, instrumentos de justiça e eficácia.

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