Mark Zuckerberg pode estar prestes a aprender uma lição ensinada a Elon Musk no Brasil

Divulgado em agosto do ano passado, um estudo do Centro de Combate ao Ódio Digital, o CCDH, revelou que o Instagram – plataforma da empresa Meta – deixou de barrar cerca de 93% dos comentários que continham algum tipo de discurso de ódio a mulheres de diferentes vertentes da política norte-americana. Os comentários liberados pela rede social iam desde termos racistas e sexuais até ameaças implícitas e explícitas. Alguns deles continham até ameaças de estupro e morte. A maioria dos alvos dos ataques eram mulheres do partido Democrata, legenda de Kamala Harris, a ex-vice-presidente que disputou, e perdeu, a Casa Branca com Donald Trump.

Na época, a notícia causou choque, ainda mais diante da então sinalização pública e contínua por parte da Meta de que estava empenhada no combate à epidemia de discursos de ódio em suas plataformas. A empresa chegou a se manifestar na ocasião dizendo que trabalhava com parceiros ao redor do mundo para “melhorar continuamente as políticas de detecção”, e que iria analisar o relatório da CCDH para melhor se posicionar e agir. Contudo, nem os mais atentos poderiam imaginar que os dados que confirmavam a “vista grossa” feita por Mark Zuckerberg quanto à onda de misoginia e machismo em sua rede social não passavam de um pequeno prelúdio do que estava por vir.

Dois meses depois da confirmação do nome de Donald Trump – um velho conhecido da divulgação de fake news (levantamento de 2020 do Washington Post verificou que Trump mentiu cerca de 16,2 mil vezes em seus três primeiros anos de mandato, levando em conta informações falsas ou tendenciosas) – como o novo presidente dos Estados Unidos, o bilionário Zuckerberg, num dos maiores e mais explícitos acenos já feitos ao republicano por um nome ligado às plataformas de redes sociais, anunciou, em um vídeo publicado no blog da Meta, que a empresa estava abandonado o uso da ferramenta de checagem independente de fatos tanto no Facebook quanto no Instagram.

Em sua declaração, o “criador” do Facebook (quem conhece a história sabe o porquê das aspas) afirmou que os moderadores profissionais usados até o momento eram “muito tendenciosos politicamente” e que era “hora de voltar às raízes, em torno da liberdade de expressão”. Zuckerberg assassinava, ali, a única ferramenta disponível em suas redes sociais que efetivamente ainda trabalhava de forma a conter a disseminação virulenta de informações falsas como “Lula suspendeu pensão para crianças vítimas de Zika” até “Atentado com faca contra Bolsonaro foi armado”.

Em resposta, agências de checagem de centenas de países incluindo Brasil, Estados Unidos, Austrália, França, Argentina, Alemanha, Portugal e Espanha destacaram, em carta aberta a Zuckerberg, o óbvio: “A possibilidade de dizer por que algo não é verdadeiro também é liberdade de expressão”. A própria declaração do bilionário faltava com a verdade aos usuários de suas redes. O dono do Instagram e Facebook omitiu, por exemplo, que checadores não têm, e nunca tiveram, o poder de decidir o que acontece com os conteúdos considerados falsos ou enganosos.

Donald Trump e Mark Zuckerberg | Foto: Joiyce N. Boghosian/Casa Branca

Ou seja: Mark Zuckerberg acusou de “censura” o simples fato de profissionais do jornalismo apontarem que esta ou aquela informação não é verdadeira. Sem tirá-la do ar, sem barrá-la. Só por dizer ao internauta: “Esta informação é mentirosa, e aqui estão as provas. Agora você sabe disso e pode escolher o que fazer”.

Não só as informações falsas ganharam carta branca na nova era Zuckerberg. A empresa do bilionário também passou a permitir publicações que associam “doenças mentais” a identidade de gênero ou orientação sexual. A alteração é parte das novas Diretrizes da Comunidade da empresa, o documento que define o tipo de conteúdo que é proibido nas plataformas do grupo como o Instagram, o Facebook e o Threads. Nem é preciso dizer, é claro, que a mudança foi mais uma porta aberta para o discurso de ódio já existente na internet e fora dela, agradando diretamente os chamados homofóbicos – que, conforme apontado em estudos, nada mais são do que aqueles que ainda entram em conflito com sua própria (homo)sexualidade e a reprimem, e a partir disso passam a se comportar de forma agressiva em relação a outros homossexuais.

As mulheres, por óbvio, não ficaram a salvo da “metralhadora giratória” da nova era da Meta. Não bastassem os dados da CCDH revelados no ano passado quanto à complacência de Mark Zuckerberg sobre ataques a mulheres nas redes, que envolviam desde xingamentos misóginos a ameaças de estupro, o bilionário deixou claro qual seria a nova ideologia da empresa ao declarar a “necessidade de mais energia masculina nas empresas de tecnologia”.

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Nem mesmo o advogado de Zuckerberg, Mark Lemley, conseguiu aguentar a cólera que se abateu sobre a Meta e seu dono. “Demiti a Meta como cliente. Embora eu ache que eles estão do lado certo na disputa de direitos autorais sobre IA generativa, na qual os representei, e espero que vençam, não posso, de boa consciência, continuar a ser o advogado deles”, escreveu Lemley em seu perfil no Bluesky, logo após o dono da Meta mudar as diretrizes de checagem no Instagram, Facebook e Threads.

Em sua ânsia de agradar Trump e a claque reacionária, Mark Zuckerberg não mede esforços em promover, em suas redes sociais, um apagão nas ferramentas de combate à intolerância – seja ele a mulheres e homossexuais ou à luta contra informações falsas na internet. Se esquece o bilionário que, para exercer suas atividades em um país, uma plataforma virtual, seja ela qual for, deve se submeter à legislação vigente, sendo passível de penalizações como qualquer outra empresa em caso de descumprimento das normas.

Ficou marcada para esta semana, na quarta-feira, 22, uma audiência pública convocada pela Advocacia-Geral da União (AGU) para discutir as mudanças implementadas nas redes sociais pela Meta. A audiência deve marcar o início de uma movimentação para mandar um recado claro a Mark Zuckerberg: o Brasil tem leis contra a discriminação – seja ela por raça, credo, etnia ou orientação sexual -, já não tolera afrontas ao seu Poder Judiciário e nem vê com bons olhos o incentivo à disseminação de fake news.

A expectativa é que representantes da Meta e de outras empresas ligadas às mudanças anunciadas participem da reunião. Representantes dos ministérios da Justiça e Segurança Pública, dos Direitos Humanos e da Secretaria de Comunicação Social devem ser ouvidos na ocasião.

Elon Musk, ao ter seu X desativado temporariamente no Brasil no ano passado após sofrer da ilusão de que poderia passar por cima das leis brasileiras, entendeu isso. Que Mark Zuckerberg também adquira essa imposta sensatez, e perceba que o caos criminoso implementado em suas redes não se sobreporá à legislação feita para combatê-lo.

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