Crise do Pix é um prenúncio para as eleições de 2026

Por David Nemer*
Para o Jornal O Globo

Um vídeo publicado pelo deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG), aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), alcançou mais de 120 milhões de visualizações em apenas 24 horas. No vídeo, Ferreira admite que o Pix não será taxado, mas insinua que essa possibilidade estaria nos planos futuros do governo Lula. “Não, o Pix não será taxado, mas não duvido que possa ser”, afirma.

O impacto desse tipo de desinformação é profundo. O Banco Central relatou a maior queda no número de transações desde a implementação do sistema, reflexo direto da desconfiança gerada na população. O episódio também evidencia como fake news criam um ambiente de descrédito em relação ao governo e às instituições democráticas.

Essa dinâmica é alimentada por algoritmos das plataformas digitais, que priorizam conteúdos de alta carga emocional negativa – frustração, medo e ansiedade. Histórias como as divulgadas por Ferreira e pelo deputado Osmar Terra (MDB-RS), que publicou um vídeo deepfake atribuindo declarações falsas ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, seguem exatamente essa lógica. Mesmo com notas de comunidade adicionadas ao post no X (antigo Twitter) para contextualizar a informação, o estrago já estava feito.

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O alcance e a velocidade de disseminação de fake news são alarmantes. Um estudo do MIT revelou que notícias falsas têm 70% mais chances de serem compartilhadas do que as verdadeiras e chegam ao público seis vezes mais rápido. Isso demonstra como é difícil para informações verificadas competirem em um ambiente digital onde não existe igualdade de condições.

A situação se agrava com a decisão de Mark Zuckerberg de encerrar parcerias com verificadores de fatos no Instagram e no Facebook, apostando em notas de comunidade semelhantes às do X. No entanto, estudos questionam a eficiência desse mecanismo, como evidenciado no caso da fake news promovida por Osmar Terra, em que as notas não foram o suficiente para contê-la.

Essa realidade é um prenúncio preocupante para as eleições de 2026. Atores antidemocráticos continuarão a se valer de desinformação para manipular a opinião pública, e as plataformas, movidas por seus modelos de negócios baseados em engajamento, seguem promovendo esse jogo sujo. A regulação das plataformas digitais é urgente, mas não suficiente. É fundamental ocupar outros espaços e agir de forma proativa para preservar os processos que sustentam a democracia.

O problema não é apenas a disseminação de fake news, mas também a permissividade que essas práticas encontram. A falta de responsabilização dos que espalham desinformações, somada à lógica das plataformas, cria um ambiente onde a democracia é constantemente minada. Em vez de lamentar a desconexão entre o centro democrático e a população, é hora de reconhecer as dinâmicas estruturais que favorecem a ascensão de narrativas antidemocráticas.

O que está em jogo é mais do que eleições justas em 2026. É a capacidade de a sociedade de discernir entre o real e o falso, de confiar em suas instituições e de sustentar os valores democráticos. O caso do Pix é apena um sinal de um desafio que precisará ser enfrentado com coragem e determinação agora. Afinal, o governo cedeu dessa vez, mas até que ponto está disposto a ceder? Existem princípios inegociáveis em uma democracia, especialmente quando o outro lado age sustentado por mentiras.

*Antropólogo da tecnologia e professor da Universidade da Virginia, EUA

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