Acordo de cessar-fogo avança sob governo Netanyahu, mas desconfiança é generalizada

O gabinete de segurança de Israel aceitou o acordo de cessar-fogo com o Hamas, nesta sexta-feira (17), que deve entrar em vigor no domingo, de acordo com o gabinete do primeiro-ministro israelense. Depois deste grupo menor, o acordo precisa ser votado por todo o governo.

A guerra de Israel  em Gaza matou pelo menos 46.876 palestinos e feriu 110.642 desde 7 de outubro de 2023. Pelo menos 1.139 pessoas foram mortas em Israel durante os ataques liderados pelo Hamas naquele dia e mais de 200 foram feitas prisioneiras.

O cessar-fogo acordado por Israel e o grupo palestino Hamas trouxe algum otimismo de que a guerra de 15 meses de Israel em Gaza finalmente terminará e os prisioneiros israelenses e palestinos serão libertados. Mas ainda há incerteza por parte de analistas de que o acordo, anunciado na quarta-feira (15) e com início previsto para domingo, seguirá conforme o planejado.

Cessar-fogo ou continuidade estratégica?

Para Mourad, o acordo, dividido em três fases, representa um momento de pausa estratégica. A primeira fase, já em implementação, inclui a troca de prisioneiros e um monitoramento intensivo. No entanto, as etapas subsequentes permanecem indefinidas. Ele questiona o que ocorrerá após o período inicial de 42 dias: “Como será daqui para frente? A resistência palestina terá de adotar novas estratégias, e isso será determinado pela dinâmica no campo e pelas decisões políticas locais e internacionais”.

A divisão do acordo em três fases abre o potencial para que seus termos sejam violados ou para que as partes — particularmente Israel — recuem em seus termos. O acordo estipula que uma fase inicial de 42 dias — que prevê a entrega de alguns cativos e prisioneiros, uma retirada israelense de áreas povoadas e um aumento na ajuda — será seguida por fases adicionais nas quais mais trocas de prisioneiros acontecerão, bem como uma retirada israelense permanente de Gaza e um cessar-fogo sustentável.

A desconfiança em torno desta tramitação é generalizada, principalmente entre os palestinos e seus aliados. Teme-se que o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu, que resistiu a um cessar-fogo por meses e insistiu que o Hamas deve ser destruído, retome as hostilidades depois que os prisioneiros forem recuperados para supostamente “punir” o grupo palestino, reforçar a segurança de Israel e garantir sua própria sobrevivência política, ao mesmo tempo em que culpa o Hamas pelo fracasso do acordo.

Como exemplo, basta ver que o Hezbollah e Israel chegaram a um acordo de cessar-fogo em 26 de novembro para encerrar mais de 14 meses de combates desde o início da guerra de Israel em Gaza. No entanto, as autoridades libanesas relataram mais de 564 violações israelenses do cessar-fogo, incluindo a morte de 37 pessoas e ferimentos em outras 45. Um porta-voz da organização disse que pelo menos 116 pessoas foram mortas em ataques israelenses em Gaza desde o anúncio, em três dias.

Ameaça sobre a Cisjordânia

Emir Mouad, secretário-geral da Confederação Palestina Latino-americana e do Caribe (Coplac)

Em entrevista ao Portal Vermelho, Emir Mourad, secretário-geral da Confederação Palestina Latino-americana e do Caribe (Coplac), compartilhou análises sobre este recente acordo de cessar-fogo em Gaza e as consequências que ele pode trazer para a região.

Após o acordo de cessar-fogo em Gaza, o gabinete de Israel adicionou à lista de objetivos de guerra o aumento da segurança na Cisjordânia, informou a Autoridade de Radiodifusão Israelense. Esta notícia chega em meio à repressão da Autoridade Palestina contra grupos armados na cidade de Jenin e à crescente disposição do exército israelense de mobilizar poder aéreo contra cidades na Cisjordânia ocupada.

Mourad destacou que o acordo firmado não abrange a Cisjordânia, onde os intentos de anexação e a expansão de colônias israelenses seguem em curso, alimentando um cenário de tensões e resistências.

“O que está acontecendo na Cisjordânia é parte de um projeto sionista de longo prazo que remonta a 1948. Esse processo de limpeza étnica continua até hoje. Os acordos com Israel têm historicamente se mostrado pouco confiáveis, como vimos em Oslo, em 1993. É necessário cautela ao avaliar os impactos e as verdadeiras intenções por trás desses tratados”, afirmou Mourad.

O aumento das colônias e o deslocamento de comunidades palestinas são frequentemente descritos como parte de um processo de “limpeza étnica” que, segundo alguns estudiosos, perpetua o projeto sionista de dominação territorial. O acordo de Oslo de 1993, que prometia uma solução de dois Estados, é um exemplo emblemático de como compromissos firmados muitas vezes não se traduzem em avanços concretos.

A perspectiva histórica e os objetivos políticos de Israel

De acordo com Mourad, o recente cessar-fogo é mais uma etapa em uma guerra prolongada e multifacetada. Ele ressaltou que a destruição da resistência palestina e a expulsão dos moradores do norte de Gaza são objetivos claros de Israel. No entanto, tais metas não foram plenamente alcançadas, o que indica que a situação na região está longe de uma solução definitiva.

O secretário-geral da Coplac também apontou para as turbulências políticas em Israel, onde o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu enfrenta desafios para manter sua coalizão governamental. “O receio do Netanyahu é que o governo caia com um voto de desconfiança no parlamento. Mas ele parece ter costurado um apoio interno para seguir com o acordo”, comentou Mourad.

“O cessar-fogo atual é apenas uma batalha, não a guerra final. Essa ilusão de pacificação ignora que o acordo não é de paz, mas de cessação temporária de hostilidades. A resistência palestina está se reestruturando e novas estratégias serão adotadas conforme a realidade evoluir”, explicou Mourad.

Impactos humanitários e a necessidade de reconstrução

Embora Mourad tenha expressado desconfiança em relação aos termos do acordo, ele reconheceu a importância do cessar-fogo para aliviar a crise humanitária. O povo palestino enfrenta desafios extremos, como a necessidade urgente de reconstrução da infraestrutura de saúde e a reintegração de comunidades deslocadas.

“Este acordo temporário oferece um respiro para as pessoas, permitindo-lhes reconstruir suas vidas. Mas como será daqui a 42 dias, quando o cessar-fogo terminar? A pressão internacional precisa continuar para garantir condições mínimas de sobrevivência e dignidade ao povo palestino”, enfatizou.

O papel dos Estados Unidos e a dinâmica política internacional

Ele destacou que tanto o governo Biden quanto o ex-presidente Donald Trump tinham interesse em mediar o acordo, mas por razões distintas. Biden busca atenuar o impacto das críticas internacionais ao genocídio palestino e deixar um legado positivo ao final de seu mandato. Já Trump, em uma abordagem mais pragmática, enxerga o Oriente Médio como um palco para negócios e reforço de alianças estratégicas com potências petrolíferas.

Ele afirmou que o governo Biden busca transformar o cessar-fogo em uma vitória política, especialmente diante da pressão de aliados e do público interno. No entanto, a continuidade de políticas como o financiamento militar a Israel impede que esse intento se efetive. Durante os 15 meses de escalada que resultaram em milhares de mortes, Washington foi amplamente criticado por seu apoio irrestrito às ações israelenses.

“Esse genocídio que vitimou mais de 50 mil pessoas teve o aval norte-americano. Agora, Biden tenta maquiar os acontecimentos e se apresentar como mediador. Por outro lado, Donald Trump também explora a situação para fins eleitorais, priorizando alianças no Oriente Médio e com países petrolíferos”, analisou Mourad.

Expectativas e incertezas

Ao concluir, Mourad sublinhou a fragilidade dos acordos firmados e os desafios que ainda precisam ser enfrentados. Segundo ele, o futuro da Palestina e da região dependerá de como a resistência palestina, a comunidade internacional e os governos envolvidos lidarem com as próximas fases deste complexo tabuleiro geopolítico.

“Vamos acompanhar os novos lances desse jogo. A resistência palestina está viva e vai continuar lutando por seus direitos”, declarou Mourad, destacando a importância da mobilização global em apoio à causa palestina.

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