Frei Caneca: 200 anos do “outro mártir” da independência do Brasil

Em 13 de janeiro de 1825, diante do Forte das Cinco Pontas, em Recife, o frade carmelita, jornalista e militante político Joaquim da Silva Rabelo, mais conhecido como Frei Caneca, foi fuzilado. Condenado por uma comissão militar com plenos poderes, autorizada pelo imperador Dom Pedro I, o religioso foi sentenciado por sedição e rebelião contra o regime imperial. Hoje, 200 anos após seu martírio, sua luta pela autonomia regional e pela liberdade permanece como um dos momentos mais marcantes da história brasileira.

Frade, intelectual e líder político, Frei Caneca foi executado, após ser condenado por sua participação na Confederação do Equador, um dos movimentos mais significativos da luta contra o autoritarismo do primeiro reinado.

Nascido em 1779, no Recife, Joaquim da Silva Rabelo abraçou a vida religiosa e se destacou como Frei Joaquim do Amor Divino Rabelo. No entanto, foi como Frei Caneca que entrou para a história, incorporado ao panteão dos heróis nacionais. Sua trajetória foi marcada pela defesa de ideias republicanas e pela luta contra o absolutismo de Dom Pedro I, que centralizava o poder e sufocava as aspirações autonomistas das províncias.

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Um revolucionário completo

A Execução de Frei Caneca, em obra de Murillo La Greca, de 1924

Nascido em uma família humilde, Frei Caneca ingressou na ordem dos carmelitas em busca de educação. Sua erudição o levou a se tornar professor de retórica, geometria e filosofia. Como jornalista, durante o breve período de liberdade da imprensa no Brasil, fundou o jornal Typhis Pernambucano, veículo usado para divulgar ideias republicanas e criticar o autoritarismo do império. O periódico circulou entre 1823 e 1824, ferramenta essencial para disseminar ideias republicanas e mobilizar a população. Suas publicações não apenas informavam, mas também incentivavam a resistência contra o autoritarismo.

Frei Caneca foi uma das lideranças centrais da Revolução Pernambucana de 1817 e da Confederação do Equador, movimentos que almejavam maior autonomia para as províncias brasileiras. Em um contexto de grande insatisfação com a centralização do poder no Rio de Janeiro, Frei Caneca advogava por um modelo de governo republicano e federalista, inspirado nos ideais da Revolução Francesa e no modelo dos Estados Unidos.

Ele destacou-se por combinar teoria e prática. Era um pensador que escreveu textos de grande profundidade política e filosófica, mas também um militante ativo, que empunhou armas em defesa de suas convicções. Sua primeira grande participação foi na Revolução Pernambucana de 1817, que buscava instaurar uma república independente em Pernambuco. Após a derrota, foi preso e encarcerado na Bahia por quatro anos.

Com sua libertação em 1821, voltou à militância e desempenhou papel central na Confederação do Equador, movimento de 1824 que contestava o centralismo autoritário imposto pela Constituição outorgada de 1823. O levante tinha como objetivo criar uma república que unisse as províncias do Nordeste e Norte, incluindo Pernambuco, Ceará e Paraíba, sob uma constituição democrática e popular.

A Confederação do Equador, proclamada em julho de 1824, foi a culminação dessa visão, buscando unir várias províncias do Nordeste em um projeto de nação autônoma. No entanto, o movimento foi duramente reprimido pelo governo imperial, que empregou tropas financiadas pela Inglaterra para sufocar a revolta.

A prisão e o julgamento

Após a derrota da Confederação, Frei Caneca foi capturado e submetido a um julgamento sumário pela comissão militar presidida por Francisco de Lima e Silva. Em 20 de dezembro de 1824, foi condenado à morte, em um tribunal que ele próprio chamou de “assassino” em escritos na prisão. A pena inicialmente prevista era o enforcamento.

No entanto, a execução do frade se tornou um episódio emblemático de sua força moral e da rejeição popular à injustiça. O carrasco oficial recusou-se a enforcá-lo, seguido pelos substitutos convocados entre os presos. Por fim, as autoridades recorreram a um pelotão de fuzilamento. Frei Caneca, então com 46 anos, enfrentou a morte com coragem, tornando-se símbolo de resistência e dignidade.

Esse desfecho violento e apressado refletiu a urgência do governo imperial em suprimir lideranças revolucionárias.

A combinação de religiosidade e militância marcou sua trajetória. Apesar de ter sido despojado de suas vestes sacerdotais e excomungado antes da execução, Frei Caneca não deixou de usar sua voz em prol dos ideais de liberdade e justiça social e nem deixou de ser visto como um enviado de Deus pelas pessoas mais simples.

Um herói nacional em construção

Historiadores como Marcus de Carvalho destacam que Frei Caneca tornou-se um “Tiradentes do Nordeste”, com sua imagem idealizada como símbolo de resistência. Seu legado foi recuperado principalmente na segunda metade do século XIX, durante movimentos de afirmação política em Pernambuco.

Frei Caneca é lembrado por sua postura desafiadora e por suas contribuições concretas à luta pela liberdade e justiça social. Enquanto Tiradentes foi transformado em mártir religioso, Frei Caneca se consolidou como um líder cívico e político, defendendo uma visão de república baseada na igualdade, liberdade e educação universal.

Diferentemente de Tiradentes, cujo legado foi amplamente celebrado no Sudeste, Frei Caneca enfrentou o esquecimento em parte devido à marginalização histórica do Nordeste no cenário político e econômico do Brasil. Contudo, sua memória resiste como inspiração para aqueles que buscam justiça e autonomia.

O martírio na história brasileira

A repressão à Confederação do Equador foi uma das mais severas do período imperial, refletindo o temor de movimentos separatistas. A execução de Frei Caneca, assim como a de outros confederados, simbolizou a intolerância do regime imperial frente às demandas por descentralização e maior participação popular.

Hoje, Frei Caneca é lembrado como um dos grandes nomes da luta pela independência e pelos ideais republicanos no Brasil. Seu exemplo inspira reflexões sobre o papel da resistência e da liberdade em tempos de opressão.

A memória de Frei Caneca, perpetuada em obras artísticas e reedições de seus textos, permanece viva, destacando sua contribuição única para a história e a formação do Brasil como nação.

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