Com menor oferta e preços recordes, indústria processa menos cacau e vê ano de incertezas

O ano de 2024 foi de desafios para a indústria processadora do cacau no Brasil. De um lado, a cotação recorde da amêndoa na bolsa de Nova York, puxada pela quebra da safra africana e a menor oferta de matéria-prima no mercado, fez os preços subirem 165% no acumulado do ano e passarem de US$ 4.238 a tonelada para US$ 11.040.

De outro, a safra brasileira, ainda insuficiente para atender à demanda doméstica, patinou e também ficou abaixo do esperado. Como consequência, o volume de amêndoas de cacau recebido pela indústria caiu 18,5% e fechou 2024 em 179.431 toneladas ante 220.303 toneladas em 2023.

Os dados foram compilados pela consultoria SindiDados e divulgados pela Associação Nacional das Indústrias Processadoras de Cacau (AIPC) com exclusividade para o AgFeed. Juntas, as três associadas da AIPC – Barry Callebaut, Cargill e OFI – respondem por 95% do volume total de amêndoas recebido no Brasil.

Entre os fatores que contribuíram para a redução da produção brasileira estão as oscilações climáticas, com períodos de seca prolongada nas regiões produtoras – especialmente na Bahia, que também enfrentou o avanço de pragas como a podridão parda e a vassoura-de-bruxa, que no passado já dizimou as plantações de cacau no estado.

Isso fez com que o volume de cacau baiano recebido pelas indústrias caísse 21,8% de 136.165 toneladas para 106.481 toneladas. No Pará, outro grande produtor de cacau, a produção caiu de 74.504 toneladas para 65.654 toneladas, queda de 11,9%.

“O cacau é uma planta que acaba sendo muito impactada pelas oscilações climáticas e hoje vivemos momentos de extremos climáticos que tornam esse processo de recuperação das lavouras ainda mais complexo” explica ao AgFeed a presidente-executiva da AIPC, Anna Paula Losi.

A executiva explica ainda que como as indústrias processadoras possuíam estoques de passagem um pouco melhores, devido ao bom volume de amêndoas recebido em 2023, o volume importado para compensar a falta de cacau no mercado foi menor em 2024.

Assim, as indústrias importaram 25.501 toneladas de amêndoas em 2024, redução de 40% em relação às 43.106 toneladas importadas em 2023. “Fechamos 2023 com um bom estoque, o que fez com que a necessidade de importação em 2024 fosse menor”, explica.

No entanto, para 2025, com os baixos estoques, as pressões sobre as indústrias processadoras devem ser maiores. “Tivemos uma redução importante na produção, o que impactará diretamente na necessidade de importação em 2025”.

Diante do cenário de preços recordes no mercado internacional, muitas das indústrias chocolateiras colocaram o pé no freio e passaram a diminuir o ritmo de compra, de olho nas oscilações do mercado e em busca de equilibrar melhor os custos.

“Vimos uma retração na demanda no mercado, com as empresas buscando alternativas aos derivados do cacau, mas ainda assim essa queda não foi no mesmo ritmo da produção, o que pressionou os preços internacionais”, avalia Rafael Machado Borges, analista de inteligência de mercado da StoneX.

Por isso, no acumulado do ano, a moagem de cacau no Brasil também foi menor, chegando a 229.334 toneladas, queda de 9,53% em relação a 2023, quando a moagem ficou em 253.507 toneladas.

“Nos últimos dois trimestres tivemos uma queda relevante na moagem de cacau no Brasil, sinalizando uma queda na demanda dos derivados, o que possivelmente é reflexo dos aumentos dos custos de produção, em razão das altas expressivas do preço da matéria-prima no último ano”, pondera Anna Paula, da AIPC.

A perspectiva é de que o cenário de incertezas continue no mercado internacional, com reflexos no mercado brasileiro.

Em setembro passado, a Ghana Cocoa Board, instituição controlada pelo governo e que fixa os preços do cacau naquele mercado, afirmou que o país perdeu um terço de sua produção de cacau na temporada 2023/2024, o equivalente a 160 mil toneladas de amêndoas.

O País é o segundo maior produtor de cacau do mundo, atrás da Costa do Marfim, e vem sofrendo não só com as variações climáticas e falta de investimentos, mas também com operações de mineração ilegais. Segundo os portais de notícias africanos, alguns produtores estão vendendo ou arrendando suas áreas para a operação de exploração mineral.

Borges, da StoneX, explica que o problema na produção da África não é apenas climático, mas também estrutural. Segundo ele, por décadas os preços do cacau oscilaram entre US$ 2 mil e US$ 3 mil por tonelada.

“Esse nível de preço, somado à estrutura de comercialização e pagamento para os produtores nesses países acabou gerando um subinvestimento crônico no oeste africano”.

Fontes do setor ouvidas pelo AgFeed avaliam que a recuperação da produção de cacau na África não deve acontecer tão cedo, podendo levar até cinco anos para que haja uma retomada. Isso porque a produção na África já vinha sofrendo perdas por conta de plantas muito velhas, necessidade de renovação e investimentos, cenário que se agravou com a seca e causou perdas de áreas inteiras.

Análise feita pela StoneX sobre o cenário global aponta ainda que a causa da escalada dos preços e menor oferta de cacau no mercado não se deve exclusivamente ao cenário de 2024.

“Essa movimentação reflete um contexto mais amplo de desequilíbrios sucessivos na oferta global. O fim da safra 2023/2024 (out-set) confirmou o terceiro déficit mundial consecutivo, acumulando 758 mil toneladas de saldo negativo desde 2021/2022”, diz o documento.

Ao mesmo tempo, a demanda global por cacau não recuou na mesma proporção, mesmo com os preços recordes. Segundo análise da StoneX, esse cenário reforça as preocupações sobre a disponibilidade do produto para a safra 2024/2025.

“Dados recentes de moagem na Europa e na América do Norte não indicam um recuo expressivo no curto prazo, mesmo com preços historicamente elevados. A demanda mais resiliente, em última análise, aponta para a possibilidade da continuidade do descompasso entre oferta e demanda globais”, diz o relatório.

Anna Paula explica que diante desse cenário, o mercado está voltando as atenções para a produção de cacau na América do Sul, mais especificamente no Brasil e Equador. Por ser um fruto nativo da região Amazônica, além de gerar renda para os produtores, o cacau tem alto potencial de uso para a recuperação de áreas degradadas.

No Brasil, apesar dos desafios relacionados às oscilações climáticas e manejo de pragas e doenças, o setor tem recebido uma série de investimentos do setor público e privado.

Em 2023, a Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac) lançou, em parceria com setor privado e outros representantes do setor, o projeto Inova Cacau cuja meta é alcançar 400 mil toneladas de amêndoas de cacau produzidas até 2030.

O volume seria o suficiente para atender à demanda doméstica pelo produto, que gira em torno de 360 mil toneladas e ainda exportar o excedente para atender outros mercados. Para isso, além das novas áreas, seria preciso dobrar a produtividade das lavouras já estabelecidas, passando da média de 300 quilos por hectare para 600 quilos por hectare.

“Temos um ciclo positivo no Brasil com produtores cada vez mais interessados em produzir cacau e com potencial de crescimento na produção para os próximos anos”, avalia Anna Paula

Para isso, além do cultivo no Pará e na Bahia, tradicionais regiões produtoras, existem projetos para o cultivo de cacau em áreas não convencionais, como no Centro-Oeste, Minas Gerais e também em Tocantins, conforme texto publicado pelo AgFeed.

No estado de São Paulo, o Programa Cacau SP vem promovendo a formação de produtores para o cultivo de cacau no noroeste do estado. Iniciado em 2014 em fase experimental, o projeto teve início com o cultivo de cacau consorciado à seringueira.

Desenvolvido em parceria com a Secretaria de Agricultura e Abastecimento do estado, da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA) – e o Ministério da Agricultura e Pecuária, por meio da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac), o projeto tem apoio da fundação Cargill.

O Grupo Schmidt Agrícola, tradicional produtor de grãos no Centro-Oeste, também iniciou investimentos no cultivo de cacau em parceria com a Cargill. A iniciativa prevê investimentos de US$ 5 milhões de cada um dos parceiros para o cultivo de 400 hectares de cacau em Riachão das Neves (BA).

A Algar Farming, também em parceria com a Cargill, está investindo no plantio de cacau no Pará. Ao todo serão 2.550 hectares cultivados na fazenda Pacajá, onde a empresa mantém outros 142 mil hectares preservados de floresta nativa.

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