Congresso e familiares de pacientes reclamam de MP de Lula com menos auxílios para vítimas da Zika


Lula vetou projeto aprovado no Congresso que previa benefícios a familiares das vítimas, e apresentou uma medida provisória mantendo apenas a indenização. Decisão gerou incômodo no Legislativo. O Congresso Nacional e familiares de pacientes alegam terem sido surpreendidos pela publicação da pela Medida Provisória (MP) que autorizou o governo federal a pagar uma indenização de R$ 60 mil para famílias de bebês que tiveram deficiência causada pela infecção pelo vírus da zika.
O incômodo ocorre porque o texto, publicado na quinta-feira (9), apresenta uma versão desidratada de um projeto de lei semelhante, aprovado pelo Legislativo no ano passado, que acabou inteiramente vetado pelo presidente Lula, em 17 de dezembro.
O texto do Congresso previa uma lista de benefícios como pensão vitalícia, prorrogação da licença-maternidade e isenção no imposto de renda; enquanto a medida provisória aprovada pelo Executivo garante apenas a indenização (veja detalhes mais abaixo).
Zika: governo vai pagar R$ 60 mil por deficiência causada por vírus
Nesta semana, o governo apresentou as justificativas do veto. Diante dos argumentos, a autora da proposta, senadora Mara Gabrilli (PSD-SP), classificou a decisão do presidente Lula como “absolutamente inconcebível”.
Ela também disse que vai atuar na tentativa de derrubar o veto e garantir os benefícios previstos pelo Congresso aos beneficiários.
“Esse veto é um tapa na cara de milhares de mães, pais e cuidadores que lutam todos os dias para oferecer o mínimo de conforto e qualidade de vida a crianças e adolescentes com microcefalia e outras deficiências graves. […] É uma gritante demonstração de insensibilidade do governo diante do sofrimento das milhares de famílias afetadas pelo vírus Zika”, afirmou Gabrilli.
O deputado federal e relator da proposta na Câmara dos Deputados, Lula da Fonte (PP-PE), disse que viu a decisão presidencial com “perplexidade”, uma vez que o texto foi aprovado de forma unânime pelo Congresso Nacional.
“Encarei com muita perplexidade essa questão do veto integral por parte do presidente da República, pois esse projeto foi discutido amplamente por muitos deputados e senadores e a maior prova disso é que foi aprovado integralmente pela unanimidade das duas casas legislativas”, afirmou da Fonte.
🔎A manifestação do presidente pode ser alterada pelo Congresso. Isso porque o Legislativo tem o direito de reavaliar a decisão, em uma sessão com deputados e senadores. Se houver maioria para a derrubada do veto, a proposta volta a valer conforme foi aprovada anteriormente e a objeção da presidência perde a validade.
Argumentos do governo
Na justificativa do veto, publicada apenas na quinta-feira (9), o Planalto justifica que a proposta aprovada contraria o “interesse público”.
Segundo o texto, os ministérios envolvidos — Fazenda, Planejamento e Orçamento, Desenvolvimento e Assistência Social, Previdência Social e Direitos Humanos, bem como a Advocacia-Geral da União (AGU) — concordam com a decisão.
“Em que pese a boa intenção do legislador, a proposição legislativa contraria o interesse público, pois cria despesa obrigatória de caráter continuado e benefício tributário e amplia benefício da seguridade social, sem a devida estimativa de impacto orçamentário e financeiro”, justifica o documento.
A senadora Gabrilli contradiz a resposta do governo e afirma que, durante a tramitação do texto no Senado, na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), os parlamentares enviaram estudos de impacto orçamentário da proposta para o Ministério da Fazenda, mas nunca tiveram retorno.
“O governo foi convidado a contribuir, negociar e ajustar a proposta, e todas as sugestões apresentadas foram integralmente acolhidas. Câmara e Senado votaram essa matéria em plenário por três vezes, sem nenhum voto contrário. Esse gesto mostra a incapacidade do governo de dialogar e de se comprometer com as demandas humanitárias mais urgentes”, afirmou a senadora.
Bebês contaminados pela zika poderiam manifestar autismo e esquizofrenia
Reprodução / TV Globo
Além disso, o Executivo ainda reclamou da proposta feita pelo Congresso de dispensa de reavaliação periódica dos beneficiários atingidos pela infecção do zika vírus.
Os parlamentares entendem que como a doença é permanente e irreversível, não haveria motivo para reavaliações do status de saúde dos beneficiários.
“Ao dispensar da reavaliação periódica os beneficiários do benefício de prestação continuada concedido em virtude de deficiência decorrente de síndrome congênita associada à infecção pelo vírus Zika, a proposição diverge da abordagem biopsicossocial da deficiência, contraria a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e cria tratamento não isonômico em relação às demais pessoas com deficiência”, diz o texto dos vetos.
A presidente da União Nacional que luta pelos direitos das crianças e famílias afetadas pelo Vírus Zika (Unizika), Luciana Arrais, rebateu a afirmação do Executivo. Ela pondera que, atualmente, outras deficiências não precisam passar por reavaliação, e que a microcefalia, decorrente do vírus zika, é grave e irreversível.
“Nossas crianças não têm previsibilidade de cura, são deficiências graves que não é hoje e daqui uma semana ela estará curada ou totalmente livre das comorbidades que apresenta. Se uma criança com autismo, que muita das vezes é uma deficiência oculta, não precisa ficar fazendo isso de forma periódica, porque uma criança como as nossas, com uma deficiência aparente, precisa fazer?”, afirmou Arrais.
A proposta do Congresso
No auge da epidemia de microcefalia causada pelo zika vírus, em 2015, a então deputada federal Mara Gabrilli (PSD-SP) apresentou uma proposta de direito a dano moral e concessão de pensão especial a todas pessoas afetadas pela doença.
O projeto aprovado pelo Congresso Nacional, previa:
Pagamento de indenização por dano moral de R$ 50 mil, sem incidência de Imposto de Renda sobre o valor;
Pensão especial vitalícia, mensal, à pessoa com deficiência permanente (atualmente em R$ 8.092,54), sem incidência de Imposto de Renda;
Abono anual da pensão especial;
Dispensa de reavaliação periódica para quem recebe o o Benefício de Prestação Continuada (BPC);
Prorrogação da licença-maternidade e do salário-maternidade por mais 60 dias;
Extensão da licença-paternidade para 20 dias.
A presidente do Unizika lembra, ainda, que foi um longo período de articulação da associação com deputados e senadores para encontrar o melhor texto para atender a população afetada pela doença. E que, durante todo esse tempo, o governo não os recebeu.
“Nossa maior revolta foi o governo, em si, nunca ter parado para nós escutar. Usamos a frase conhecida internacionalmente pelas pessoas com deficiência: ‘Nada sobre nós, sem nós!'”, afirmou Arrais.
“A gente fica muito triste porque esse projeto representava muito para todas as mães e para todas as famílias e a gente enxerga também essa medida provisória que foi publicada como insuficiente devido ao dano causado”, afirmou o deputado da Fonte.
A proposta levou quase 10 anos para começar a tramitar pelas comissões da Câmara dos Deputados, em 2023. No final daquele ano o texto foi aprovado e enviado para o Senado Federal, que aprovou a matéria em agosto de 2024, com alterações. Com isso, o texto retornou para a Câmara, que aprovou o texto final em dezembro.
A proposta do governo
Já a proposta do governo, apresentada na quinta-feira (9), prevê apenas a concessão da indenização de R$ 60 mil e não deixa claro se os beneficiários terão que pagar Imposto de Renda sobre o valor.
Medida Provisória autoriza governo a pagar R$ 60 mil por deficiência causada pelo vírus da zika
“Nós esperávamos, inclusive, que a indenização no valor de R$ 50 mil fosse vetada, mas que a pensão vitalícia fosse mantida. Esses R$ 60 mil não pagaria nem a a cirurgia de uma luxação lateral do quadril, que hoje chega a R$ 70 mil. Então, a ideia da pensão vitalícia é garantir uma qualidade de vida para essas crianças”, afirmou a presidente do Unizika.
A medida provisória também não prevê qualquer tipo de pensão mensal aos beneficiários ou concede qualquer extensão de prazos para pais e mães.
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