A EBC precisa ser independente

Por Hélio Doyle*

Fui diretor-presidente da EBC (Empresa Brasil de Comunicação) de 16 de fevereiro a 18 de outubro de 2023. Enquanto aguardava os trâmites formais para assumir a presidência, em janeiro, fui assessor da presidente interina, que assumiu com a demissão dos gestores bolsonaristas. Nesses 9 meses, aprendi muito sobre a EBC e sobre a comunicação pública, tema que sempre me interessou, mas que só havia sido meu objeto de estudo no mestrado em comunicação na Universidade de Brasília, em aulas, debates e artigos.

Aprendi muito na vivência na EBC, no contato com seus funcionários, com ou sem funções comissionadas, na complexa gestão diária da empresa e como integrante do Conselho de Administração.

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Implantei na EBC um mecanismo inédito para ouvir os trabalhadores e informá-los sobre minha visão e meus planos: a cada 3 meses, 2% deles eram sorteados para uma conversa com o presidente, na qual cada um tinha 5 minutos para falar antes de minhas respostas e do debate. Nenhum dos sorteados poderia ter função de comando. Mensalmente, me reunia com a comissão dos empregados, eleita por eles. Assim, conhecia a visão de quem estava na linha de frente e, muitas vezes, distantes das pressões dos chefes.

Aprendi também em visitas que fiz a empresas de comunicação pública da Argentina e de Portugal, com as quais assinamos acordos de cooperação, e à TV pública da África do Sul, com a qual tínhamos iniciado conversas para um acordo. Evoluí muito ao participar do Seminário de Mídia dos Brics, em Johanesburgo, e da reunião anual, em Praga, da PBI (Public Broadcasting International), com a participação de emissoras públicas de quase 30 países. Em ambas, pude falar sobre a retomada da EBC depois de 6 anos de governos hostis à empresa.

Os problemas estruturais e conjunturais que constatei na EBC, o contato direto com dirigentes da comunicação pública de diversos países e as visitas às empresas estrangeiras, conhecendo inclusive seus programas e instalações, me animaram a buscar soluções para a comunicação pública brasileira e ocupei uma parte de meu pouco tempo livre atualizando leituras sobre o tema.

Com 6 meses na presidência, já tinha consolidado o que era, desde as primeiras semanas na empresa, uma forte suspeita: a EBC não faz, e sem mudanças estruturais não fará, comunicação pública. Não cumpre, assim, sua missão fundamental. Há, nos veículos da EBC, elementos de comunicação pública e há a intenção de alguns dirigentes e funcionários de fazê-la, mas não há comunicação pública em seu sentido pleno.

Se há realmente a intenção de fazer comunicação pública na EBC e no Brasil, é preciso mudar muita coisa. A EBC pode continuar funcionando no atual modelo, se preferirem, mas não estará cumprindo sua missão fundamental e – o que é duro de admitir– estará usando mal os poucos recursos públicos de que dispõe.

Infelizmente minha gestão foi interrompida por um incidente de menor importância, que com o tempo entendi ter sido apenas o pretexto usado para me afastar da empresa, por razões que hoje tenho mais claras e me parecem óbvias para quem acompanha o que acontece na EBC.

Duas semanas antes de eu repostar no X (ex-Twitter) o post que foi o pretexto para a demissão, duas comissionadas da empresa indicadas por critérios políticos, uma delas íntima da família do ministro que me demitiu, já diziam a algumas pessoas que eu não passaria de 30 de outubro.

Poucos dias antes da demissão, eu tinha anunciado aos diretores e superintendentes que pretendia, em novembro ou início de dezembro, fazer uma imersão de 2 dias para discutirmos amplamente a empresa e pensarmos em seu futuro. E tinha anunciado também que neste ano pretendia realizar um seminário, com a presença de personalidades nacionais e internacionais, para discutirmos a comunicação pública no Brasil.

Apesar de não ter mais vínculo com a EBC e não trabalhar na comunicação pública, entendi que não deveria arquivar o que aprendi nos 9 meses, mas expor publicamente minhas reflexões sobre a empresa e seu objeto. Até porque vejo entidades e pessoas, dentro e fora da empresa, falando muito em comunicação pública, mas sem atacar as questões fundamentais que a impedem e muitas vezes com uma visão excessivamente corporativista e utilitária da EBC.

Clique aqui e confira o texto na íntegra.

*Jornalista

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