Ataque à democracia e à pluralidade? Especialistas comentam mudanças anunciadas pela Meta

Após as mudanças nas diretrizes da Meta, empresa que controla o Facebook e o Instagram, alguns aspectos da identidade de gênero e orientação sexual podem ser tratados como “doenças mentais”. A medida anunciada por Mark Zuckerberg, fundador do Facebook, gerou repercussão em todo o mundo e levantou mobilização de entidades representativas da comunidade LGBTQIA+. 

A partir da última terça-feira, 7, publicações que associam “doenças mentais” à identidade de gênero ou orientação sexual passaram a ser permitidas de acordo com a nova diretriz. As regras valem para redes sociais como Instagram, Facebook e Threads. Elon Musk, proprietário do X (antigo Twitter) elogiou a medida, chamando-a de “genial”. 

No anúncio feito por Zuckerberg, o fundador e CEO da empresa de tecnologia afirma que as mudanças vão “eliminar várias restrições em tópicos como imigração e gênero” e que a checagem de fatos gerou mais inverdades do que as combateu, principalmente nos Estados Unidos. O anúncio é visto como aceno ao presidente eleito Donald Trump. 

A nova versão das diretrizes da Meta serão válidas para todos os países onde a companhia opera, mas serão aplicadas primeiro nos Estados Unidos.   

Entenda

A Meta, empresa responsável por Facebook, Instagram e Threads, anunciou o fim do seu programa de checagem de fatos nos Estados Unidos. O programa, implementado há oito anos para combater a desinformação, será substituído por um sistema de “Notas da Comunidade”, semelhante ao modelo usado pelo X (antigo Twitter), de Elon Musk.

O CEO da Meta, Mark Zuckerberg, explicou a decisão afirmando que o sistema atual de checagem apresenta “muitos erros e censura excessiva”. Ele declarou: “É hora de voltar às nossas raízes sobre a liberdade de expressão”.

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No Brasil, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, demonstrou preocupação com a decisão, apontando riscos em um cenário global marcado por tensões ideológicas. Zuckerberg, por sua vez, criticou os sistemas judiciais de países latino-americanos e “censura” na Europa e China.

Com o fim do programa de checagem, os usuários terão papel mais ativo na identificação de conteúdos duvidosos. O sistema Notas da Comunidade permitirá adicionar comentários e correções às postagens.

No campo Jurídico 

Nos últimos anos, casos judiciais envolvendo big techs tomaram grande repercussão, como foi o episódio de bloqueio do X (antigo Twitter) por descumprimento de medidas impostas pela Justiça brasileira. As novas diretrizes anunciadas por Zuckerberg para a Meta reacendem a disputa política e ideológica acerca dos limites da liberdade de expressão no ambiente digital.  

Em entrevista ao Jornal Opção, o advogado especialista em direito digital, Caio Moura, explica que, apesar das mudanças nas diretrizes da Meta, a empresa ainda é obrigada a obedecer determinações da Justiça brasileira no que se refere à atuação das redes digitais no país. Ou seja, por mais que o filtro que funciona de forma automática seja interrompido e as diretrizes sejam flexibilizadas por parte dos algoritmos, a empresa ainda precisa respeitar as determinações da Justiça local. 

Caio Moura l Foto: Arquivo pessoal.

Caso a plataforma não identifique o conteúdo em questão como violação de suas políticas e realize o bloqueio por si só (como em casos de pornografia ou pedofilia, por exemplo), é preciso acionar judicialmente a empresa responsável. “Regra geral, a gente tem que notificar judicialmente, ou seja, se tem uma decisão judicial mandando, aí eles [responsáveis pela gestão das redes] têm que retirar, antes de ter qualquer tipo de responsabilidade”, sintetizou o especialista. 

Apesar da relação com a Justiça local não mudar radicalmente, Caio acredita que a substituição da checagem automática pelas “Notas da Comunidade” e a flexibilização das diretrizes em alguns temas específicos podem ser algo perigoso, “porque abre margem para muita interpretação, e principalmente direcionamento de conteúdos”. 

Ao Jornal Opção, Claudio Dias, conselheiro seccional da OAB GO e Especialista em direito digital e assinaturas eletrônicas, afirma que: “Retirar esse mecanismo de verificação pode abrir espaço para a propagação de informações enganosas e falsas, afetando a percepção pública e a integridade do discurso democrático”. Dias é categórico ao afirmar que “a influência crescente das plataformas digitais, em especial sobre jovens e adolescentes, essas diretrizes podem moldar comportamentos e atitudes de milhões de usuários”.

Claudio Dias l Foto: Arquivo pessoal.

Em seu pronunciamento oficial, Zuckerberg reforçou seu compromisso com o combate à disseminação de conteúdos que julgar impróprios, como por exemplo a exploração sexual infantil, crime organizado e pornografia. Por sua vez, Caio acredita que para fazer valer um controle que preze simultaneamente pela liberdade de expressão e defesa dos direitos fundamentais dos internautas é preciso transparência absoluta por parte dos provedores e um acompanhamento por parte do poder público.

O especialista coloca a Europa como exemplo. O Digital Service Act, vigente desde 2023, exige relatórios regulares e públicos das atividades dessas empresas. “Tanto o Estado quanto a sociedade podem simplesmente pegar aquele relatório de transparência e entender o que está acontecendo”, explicou o advogado. 

Apesar de estarem legalmente autorizadas a mudar o formato da interação entre os internautas, as empresas responsáveis pela gestão desses ambientes digitais precisam respeitar alguns princípios como a autodeterminação informativa e a proteção de dados pessoais, por exemplo. 

“Nenhum direito fundamental tem que se sobrepor ao outro. Não é porque existe a liberdade de expressão que eu tenho o direito de fazer conteúdos discriminatórios”, exemplificou. 

Nesse sentido, Caio explica que um meio termo entre a regulação completa por parte do Estado e a liberdade irrestrita e não supervisionada de empresas como a Meta é o caminho para criar um espaço digital plural e respeitoso. Por se tratar de um tema relativamente novo, o diálogo aberto entre os poderes oficiais e as bigtechs é essencial para pavimentação desse caminho. “A gente tem que achar um caminho do meio”, resumiu. 

Por sua vez, Dias também destaca o fim da Checagem de Fatos e a flexibilização em tópicos como gênero como principais pontos das mudanças anunciadas por Zuckerberg. Para ele, essas mudanças “podem certamente aumentar o risco de desinformação e disseminação de discurso de ódio”, nesse sentido, os usuários devem, mais do que nunca, se ater às fontes confiáveis e usar as configurações das redes digitais e ferramentas para barrar conteúdos indesejados no cotidiano digital dos internautas.  

Na Comunicação 

Ao Jornal Opção, Raniê Solarevisky, professor universitário e doutor em Comunicação e Culturas Contemporâneas, critica não apenas a retirada do trabalho de checagem mas também a forma como isso foi feito pelo CEO da Meta. “O Mark Zuckerberg fez questão de dizer que as checagem estavam sendo enviesadas”, afirma Raniê, que classifica como “muito escandalosa a forma que o Zuckerberg coloca a remoção das checagens e a verificação dos conteúdos”. 

Para o professor, a criação e das “Notas da Comunidade” é uma tentativa de resgatar o “princípio da internet nascente, de uma internet dos usuários feita, construída, gerenciada por usuários”, como acontece na Wikipédia. Entretanto, o doutor em comunicação defende o trabalho das agências de checagem, feito por profissionais preparados, em detrimento das “Notas da Comunidade”, que abrem espaço para pessoas comuns, sem comprometimento ético profissional, classificarem os conteúdos. 

A preocupação de Raniê, olhando para o caso de Elon Musk no X (antigo Twitter), é que essa ferramenta sirva para “validar narrativas que são sabidamente falsas”.

Sobre o respaldo dessas decisões nas disputas judiciais, Raniê reforça o que foi dito por Caio e Claudio. “Se há uma lei no país que diz como a empresa deve operar dentro daquele ramo, ela tem que ser respeitada, ponto”, afirma. Para ele, garantir o cumprimento da legislação local por parte das empresas estrangeiras se trata de uma questão de “soberania nacional”.

Analisando todo o contexto de disputa política e ideológica que gira em torno da “liberdade de expressão” no Brasil e no mundo, e também as novidades que surgem no campo da Inteligência Artificial junto das novas diretrizes da Meta, Raniê coloca: “É necessário, mais do que nunca, uma regulação clara, rigorosa e que consiga ser aplicada de fato”. 

Com a flexibilização por parte das bigtechs com relação à veracidade do conteúdo que circula nesses espaços digitais, um movimento natural dos governos para garantir um ambiente virtual mais seguro e uma democracia mais responsável, segundo o especialista, seria uma regulação específica para os conteúdos digitais. Raniê exemplifica com a PEC das Fake News, que “está parada há meses” no parlamento do Brasil e que pode ser contraponto à flexibilização imposta pelas companhias privadas do exterior.

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