“Ainda Estou Aqui”: para além da lembrança, o resgate da memória serve como guia para ações presentes 

O sucesso nacional e internacional do filme “Ainda Estou Aqui” reacende o debate sobre a importância da manutenção da memória do regime da ditadura militar no Brasil. Para além da lembrança em si e do reconhecimento daqueles que construíram nosso presente, a preservação da história funciona como guia para as ações que estão por vir. A encenação das batalhas enfrentadas pela família Paiva trazem para nosso dia a dia questionamentos que podem mudar os rumos do futuro. 

Por exemplo, o Brasil viveu uma tentativa de golpe de estado em janeiro de 2023, e se discute hoje tanto a Lei de Anistia referente a esse período quanto uma nova voltada para os golpistas contemporâneos. Além disso, ainda existem casos em andamento na Justiça referentes aos desaparecimentos da época da ditadura militar no país, portanto, lembrar da luta dos Paiva se faz urgente não apenas pela memória, mas para garantir que erros passados não se repitam. 

Por mais recente que seja, já é possível ver a repercussão do filme dirigido por Walter Salles em nosso cotidiano. Jornais começaram a revisitar casos ligados à ditadura militar brasileira, cobrando resposta firme para os crimes cometidos. Não é raro ver manchetes inspiradas na obra estrelada por Fernanda Torres questionando as ações e desdobramentos da ditadura militar brasileira. 

“General acusado pela morte de Rubens Paiva recebe salário de R$ 35 mil”, questionou o Portal Metrópoles, em novembro de 2024. “Ainda Estou Aqui: Veja quem foram os deputados cassados junto a Rubens Paiva”, relembra a CNN Brasil. O lançamento do livro de Marcelo Rubens Paiva, em 2015, e o posterior lançamento do filme, ambos nomeados “Ainda Estou Aqui”, no ano passado, reforçam a memória da família Paiva e, ao mesmo tempo, puxam uma reação na atualidade. 

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino, inspirado na história do filme, chegou a questionar trechos da Lei de Anistia aprovada na década de 1980. Para o magistrado, a ocultação de cadáver é um crime que se perpetua para além dos limites temporais estabelecidos na lei que perdoou infrações com motivação política ocorridas no período ditatorial. Para além do antigo parlamentar Rubens Paiva, quantos outros casos não seriam abordados caso esse trecho da lei de fato seja revisto? 

Enquanto a Câmara tenta desde de 2011 colocar Rubens Paiva como Herói da Pátria, figuras políticas como o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) se sentem confortáveis o suficiente para homenagear, dentro dos prédios oficiais, generais investigados por tortura -inclusive de crianças- durante a ditadura.  

Memória 

Tanto Marcelo Rubens Paiva, filho do casal Paiva e autor do livro “Ainda Estou Aqui”, quanto a atriz Fernanda Torres, que interpretou Eunice no filme, reforçam publicamente a importância da manutenção da memória. 

Marcelo compartilhou, durante entrevista ao programa Roda Viva em 2024, parte do processo que levou à produção do livro que inspirou a obra cinematográfica. “São três momentos da minha vida que foram bastante importantes”, colocou Marcelo ao se referir ao assassinato de seu pai em janeiro de 1971, ao acidente que o deixou paraplégico, em 1979, e ao convite para escrever sobre sua história, que veio no início da década de 1980. Para ele, o evento que mais marcou foi a possibilidade de eternizar a memória do que havia acontecido com ele e sua família. 

Em entrevista ao American Film Institute (AFI), Torres lembra que o filho de Eunice, Marcelo, começou a escrever o livro após descobrir que sua mãe estava desenvolvendo o Alzheimer, enquanto, simultaneamente, o “Brasil estava perdendo a memória da ditadura”. Em seu discurso de aceitação do prêmio de melhor atriz em filme de drama do Globo de Ouro, Torres resume: “Esse é um filme que nos ajuda a pensar como sobreviver em tempos difíceis como esse”.

Vivendo um momento histórico de ascensão de regimes extremistas, com parte considerável da população flertando com atuação militar na política, com figuras de influência reverenciando o que há de pior na história desse país, se faz mais urgente do que nunca o resgate da memória. Nesse sentido, que surjam tantos outros como Marcelo, Fernanda e Walter, que desejam contar a vida de tantas Eunices e Rubens que lutaram por um Brasil mais justo e igualitário.  

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