No Brasil de hoje, instituições funcionam melhor do que as dos EUA

O professor Renato Janine Ribeiro, presidente da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) e professor titular da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, trouxe em sua última coluna sobre Ética e Política, na Rádio USP, uma análise comparativa entre os sistemas políticos do Brasil e dos Estados Unidos. Apesar de o modelo institucional brasileiro ser inspirado no norte-americano, Janine argumenta que, no momento, o Brasil apresenta maior estabilidade democrática e respeito às instituições do que os EUA.

Seu raciocínio parte do fato da legislação constitucional ter permitido que Donald Trump se candidatasse e ganhasse uma eleição presidencial, apesar de ser investigado em vários inquéritos graves e condenado em alguns. É previsto, inclusive, que ele possa se auto-anistiar das condenações agora que se tornou vitorioso. Ele ainda promete anistiar centenas de presos pela invasão, vandalismo e violência com mortes ocorrida no Capitólio em 6 de janeiro de 2021, numa série de atos golpistas estimulados por ele e seus aliados com objetivo de evitar a posse de Joe Biden.

“O sistema norte-americano, que historicamente serviu de modelo para muitos países, está passando por um teste crítico com Donald Trump, que vai ter tudo na mão. Ele controla seis dos nove ministros da Suprema Corte, um Congresso com maioria republicana, e ainda assim busca concentrar poder em suas mãos, desrespeitando as próprias instituições que deveriam limitar sua atuação. Isso inclui ações controversas e até suspeitas envolvendo relações com bilionários”, afirma Janine. Ele observa que a Europa é quase toda parlamentarista em contraste com o presidencialismo predominante nas Américas.

“Os nove ministros da Corte Suprema não têm o menor pudor em utilizar esse poder extraordinário como quiserem, inclusive tendo relações suspeitas com bilionários, etc. Mesmo dominando a Câmara e o Senado, mesmo assim Trump quer passar como um rodo em cima do Congresso e até está cogitando saltar por cima do Parlamento.” Janine aponta que o presidencialismo forte é uma herança da monarquia, um senado importante, herança da aristocracia, e uma câmara de deputados, herança da democracia.

O papel das instituições no Brasil

Contrastando com a realidade dos EUA, o Brasil, segundo o professor, conseguiu preservar uma separação funcional entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, para prevenir o absolutismo ou totalitarismo, mesmo diante de indicações políticas. “No Brasil, as nomeações para o Supremo Tribunal Federal também têm caráter político, como os dois indicados do Bolsonaro e alguns outros poucos, mas a independência dos ministros é notável. Alexandre de Moraes, indicado por Michel Temer, é um exemplo claro de como o Judiciário atua como guardião da democracia, mesmo quando há pressões políticas”, explica.

Janine também destaca a importância do equilíbrio entre os Poderes para conter abusos e garantir que o Estado não dependa exclusivamente do líder em exercício. Segundo sua análise, o equilíbrio é conservador para o bem e para o mal ao reduzir a velocidade das mudanças. “Embora figuras como Lula e Bolsonaro tenham forte apelo popular, nenhum deles conseguiu monopolizar o poder do Estado. As instituições brasileiras mantêm um papel moderador crucial”, pontua.

Janine diz que, dos ministros indicados pelo PT, praticamente nenhum se alinhou a esse partido em momento algum. “Nenhum dos presidentes se tornou, vamos dizer, a imagem pura do Estado brasileiro, porque sempre ficou claro que havia poderes institucionais que davam essa estabilidade ao Estado. E esse ponto é muito importante”.

Desafios e preocupações nos EUA

Nos Estados Unidos, a situação parece mais preocupante. Trump, caso reassuma a presidência, terá consolidado uma estrutura que o permite governar sem grandes restrições. “Ele tem aprendido com seus erros e removido figuras moderadas. Seu objetivo parece ser o de passar por cima do Congresso e das próprias instituições democráticas. A democracia americana está em risco de se tornar refém de um governante que ignora os freios e contrapesos”, alerta o professor.

Apesar de elogiar o sistema brasileiro, Janine também reconhece suas limitações, como a recente aprovação de projetos controversos no Congresso, incluindo a castração química. No entanto, ele acredita que medidas como essa serão barradas pelo STF, reforçando a importância de um Judiciário independente.

O valor das instituições

Ao finalizar sua análise, Janine reflete sobre o papel central das instituições: “Uma instituição serve para ela não depender inteiramente do indivíduo que está no poder, nós temos líderes fortes no Brasil […] agora, nenhum deles se tornou a imagem pura do Estado brasileiro, porque sempre ficou claro que havia poderes institucionais que davam essa estabilidade ao Estado, e esse ponto é muito importante”, diz Janine Ribeiro.

“É isso que sustenta uma democracia funcional. No Brasil, por mais que haja desafios, as instituições estão cumprindo seu papel de moderar e equilibrar o poder. Já nos EUA, o futuro é incerto e potencialmente perigoso”.

“Como será nos Estados Unidos com um governante que agora, num segundo mandato, tendo aprendido muita coisa, tendo se livrado dos poucos expoentes moderados do seu governo anterior, está disposto a destruir tudo, a fazer tudo que lhe der na telha, como Trump? A gente não sabe, mas antevê que pode ser perigoso”.

A comparação proposta por Renato Janine Ribeiro serve como um alerta para a importância de preservar e fortalecer as instituições democráticas, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, como pilares de estabilidade e garantia dos direitos humanos.

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