Um filme que fala de corações partidos (e revela o jovem João Pedro Mariano)

O que define um lar ou uma família funcional? “Baby”, novo filme de Marcelo Caetano, que estreia dia 9 de janeiro nos cinemas, desconstrói ideias estigmatizadas de família ao acompanhar a trajetória de Wellington (João Pedro Mariano), um jovem à deriva nas ruas de São Paulo após deixar um centro de detenção para jovens.

Logo ao sair da prisão, ele descobre que seus pais “fugiram” dele. Prestes a completar 18 anos, Wellington tenta se manter vivo enquanto busca pela família que o abandonou. Durante uma visita a um cinema pornô, conhece Ronaldo (Ricardo Teodoro), um garoto de programa que lhe ensina a navegar por um mundo hostil e imprevisível.

O relacionamento entre os dois evolui para uma paixão turbulenta, marcada por exploração e proteção, ciúme e cumplicidade. Baby é repleto de personagens complexos que desafiam o espectador a decidir se deve apoiá-los ou condená-los, refletindo a ambiguidade das relações humanas.

O filme de Marcelo Caetano teve sua estreia mundial na 63ª Semaine de la Critique, em Cannes, no dia 23 de maio de 2024. No Festival de Cinema do Rio de 2024, destacou-se como um dos mais premiados, conquistando os troféus de Melhor Longa-Metragem de Ficção, Melhor Direção de Arte, Prêmio Especial do Júri e Melhor Ator para João Pedro Mariano, estreante no cinema. O longa passou por mais de 40 festivais e acumula 16 prêmios.

Para o jovem ator João Pedro Mariano, de 21 anos, que até então se dedicava exclusivamente ao teatro, o cinema parecia um horizonte distante. Durante sua formação na Escola de Teatro, João viu um post de Marcelo Caetano anunciando testes para Baby. João já gostava muito de Corpo Elétrico, filme anterior do diretor, e decidiu se inscrever. “Por que não?”, pensou. Com o material de divulgação recém-finalizado, enviou sua candidatura. Caetano recebeu quase duas mil inscrições para o papel.

“João demonstrou desde o início uma dedicação impressionante. Ele é cinéfilo e não teve receio de compartilhar suas dificuldades e fragilidades”, diz Caetano ao NeoFeed. “A química entre ele e Ricardo Teodoro foi determinante para a escolha. Ambos mostraram uma generosidade incrível durante todo o processo.”

O caminho para a construção da personagem foi longo. Assim que leu o roteiro e soube que a história girava em torno de um jovem recém-saído da Fundação Casa, João Pedro percebeu que precisaria evitar estereótipos de “fragilidade” e “vitimização”. Para ele, a própria personagem não se via dessa forma.

Laboratório na Cracolândia

Antes de conseguir o papel, João morava com uma tia em São Bernardo do Campo, região metropolitana de São Paulo, enfrentando quatro horas diárias de transporte coletivo entre sua casa e a capital paulista, onde estudava. Assim que foi escolhido, a produção alugou um apartamento para ele perto da Praça Princesa Isabel, um dos pontos de dispersão da Cracolândia. Para o ator, aquele local virou um verdadeiro laboratório.

“Eu saía de casa às 11 horas da noite e conversava com as pessoas que moravam nas ruas. Em São Paulo, essas pessoas são invisíveis. Ninguém as vê como indivíduos pensantes. Mas tem gente ali com histórias fortíssimas. Nem todo mundo está na rua porque quer. Eu conversei com muitos ‘Babies’, pessoas com histórias semelhantes à da minha personagem”, conta João Pedro ao NeoFeed.

A trama de “Baby” retrata a história de um jovem que deixa um centro de detenção juvenil e, sem apoio dos pais, vaga pelas ruas de São Paulo

A visita a um cinema no centro de São Paulo muda a vida do personagem principal de “Baby”

Estreia mundial de “Baby” foi na 63ª Semaine de la Critique, em Cannes, em maio de 2024 (Foto: Julia Hervouin/Divulgação)

O diretor Marcelo Caetano exibe o Prêmio Abraço de melhor filme no Festival de Biarritz, na França

Depois, conseguiu visitar a Fundação Casa e entender melhor o perfil e o cotidiano dos jovens que cumprem pena dentro do sistema socioeducativo. “Lá, essas pessoas têm de seguir muitas regras. Assim que chegam, raspam o cabelo deles. Eles perdem a identidade dentro daquele sistema”, explica. Compreender essa rigidez foi fundamental para construir o que João chama de primeira fase da personagem, que retrata um jovem muito racional, frio e duro, até mesmo em seus gestos.

O ator também ficou comovido ao perceber que, assim como sua personagem, muitos daqueles jovens estavam abandonados pela família. Um momento marcante foi uma visita em um dia de confraternização pelo encerramento do curso de panificação.

“Eram 12 garotos finalizando a formação, mas só havia a mãe de um deles lá dentro. O menino que estava com a mãe tentava abraçar todos, mas ficava uma situação meio difícil”, lembra. “Aí eu pensei: Baby é totalmente isso, esse menino que está na busca pela mãe.”

João Pedro também fez uma pesquisa em saunas de São Paulo, locais conhecidos por servirem de ponto de encontro e de prostituição na cidade. Durante essa investigação, o ator procurava se livrar de qualquer preconceito que pudesse ter sobre esse universo. “Eu queria entender os códigos desses lugares e dessas pessoas. Como eles se comportam dentro e fora desses ambientes?”, explica.

Para completar a composição de sua personagem, João Pedro fez aulas de dança Vogue no Vale do Anhangabaú, onde muitas pessoas ligadas ao movimento se reúnem para ensaiar coreografias. “Baby é uma personagem que vive no Centro. Então, foi muita pesquisa sobre esses universos para desvendar essas camadas”, conclui.

O ator ainda assistiu a uma lista de 32 filmes recomendados pelo diretor Marcelo Caetano, entre eles “Pixote: A Lei do Mais Fraco” (de Hector Babenco, 1981), “Amarelo Manga” (de Cláudio Assis, 2002) e “Happy Together” (de Wong Kar-wai, 1997).

Além disso, escolheu um perfume que, para ele, tivesse o cheiro da personagem. “Eu e Baby somos muito diferentes”, afirma. “Acho que tive a graça de conseguir me distanciar de mim mesmo para viver esse personagem, e assim entregar o que entregamos e ver o filme sendo reconhecido.”

Fora o Festival do Rio 2024, João Pedro também foi premiado por sua atuação no Mix Brasil 2024 e no Fest Aruanda 2024.

De Minas Gerais para o cinema

A vida de João Pedro, no entanto, é bem diferente da do personagem que estreou no cinema. Natural de Guaxupé, Minas Gerais, ele foi uma criança inquieta. Tão agitada que sua mãe, Fabiana, buscou ajuda de um psiquiatra, que sugeriu uma solução inusitada: inscrevê-lo no teatro.

A ideia, inicialmente, era apenas canalizar a energia de um menino de 10 anos. Mas o que começou como uma atividade extracurricular logo se transformou em paixão. Uma peça levou a outra, depois mais uma, até que, em determinado momento, João estava envolvido em cinco produções simultaneamente.

“Eu lembro exatamente da primeira vez que entrei em um teatro para subir no palco. Minhas pernas tremiam tanto que pensei: ‘Cara, quero fazer isso para o resto da vida’”, recorda o ator.

Filho de uma empregada doméstica e um funileiro, João Pedro cresceu em uma família modesta, com poucas oportunidades para sonhar. Determinado a trilhar seu caminho no teatro, mudou-se para São Paulo logo após concluir o ensino médio, para estudar na Escola de Teatro. “Sou o primeiro da minha família a sair de casa para estudar e buscar um sonho”, reflete.

Sua mãe, porém, nunca deixou de sonhar junto com ele. Para apoiar o filho, Fabiana fez promessas e orações, transformando o desejo dele em uma missão compartilhada. “Eu me sinto uma pessoa muito privilegiada em relação à família, porque sempre tive um apoio muito grande, principalmente da minha mãe”, afirma. “Ela sempre segurou a minha mão e falou: ‘Cara, se é isso que você quer, vamos correr atrás e vai dar certo.’”

Enquanto pleiteava o papel de Baby, a mãe de João fez uma promessa para o ator cumprir. Caso fosse aprovado, ele precisaria levar um buquê de flores para Santa Rita de Cássia, de quem Fabiana é devota.

E não é por falta de reza nem de talento que a carreira de João está decolando. O ator está no elenco da série Tremembé, da cineasta Vera Egito, prevista para estrear no Prime Video. Ele interpretará o cabeleireiro Duda, que teve um relacionamento com Cristian Cravinhos (Kelner Macêdo) na cadeia.

“Eu espero que os prêmios que recebi por Baby me impulsionem para outros e abra novas oportunidades”, torce João Pedro. “E eu, como um cara gay do interior, acho que é bonito e representativo o que está acontecendo. Recebo mensagens de pessoas dizendo como é bonito ver alguém como eu conquistando esse espaço, como estou representando uma galera também. Acho isso muito forte.” E é só o começo.

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