Mujica parece ter maior aprovação em outros países do que no Uruguai

Descendente de bascos (lado paterno; a família é da cidade de “Mugica”) e italianos (lado materno; de Gênova), o uruguaio José Alberto Mujica Cordano, de 89 anos, é um político — nem tão “jubilado” quanto se imagina — admirável.

José Alberto é Pepe Mujica, que foi presidente da terra dos escritores Cristina Peri Possi (autora de um livro do boom da literatura latino-americana, “La Nave de los Locos”, mas ainda não traduzido no Brasil), Idea Vilariño, Horacio Quiroga, Mario Benedetti, Lalo Barrubia e Juan Carlos Onetti entre 2010 e 2015. É um dos políticos mais respeitados do mundo, sobretudo por causa de sua honestidade pessoal — é pobre, em comparação com seus pares globais — e de suas ações para reduzir a pobreza.

Mujica é o Lula da Silva (PT) do Uruguai, com a ressalva de que não se envolveu, ao que se sabe, em nenhum esquema de corrupção.

Com quase 90 anos, Mujica parece um velhinho alquebrado, meio corcunda. Mas não é bem assim. Empático, firme e lúcido, participa de maneira ativa da política do Uruguai. Na última eleição, ajudou Yamandú Orsi a ser eleito presidente, derrotando a direita (centro-direita, quiçá).

A pregação costumeira de Mujica é sobre os governos atuarem para acabar ou, ao menos, diminuir a pobreza no mundo. Percebo-o mais ou menos como o papa Francisco, o religioso que, na medida do possível, está atualizando a Igreja Católica. Talvez esteja iniciando um processo de “salvação” da instituição milenar. Não tem idade para finalizar a transformação do ciclo, mas deu início à modernização.

O líder uruguaio parece, mas não é romântico. É realista. Portanto, sabe o que se pode fazer. Costumo dizer que, para o governo repassar 1 bilhão de reais para os pobres, é preciso repassar antes — via BNDES, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal e, indiretamente, via Orçamento da União (com as obras) — 50 bilhões para os ricos. Se não o fizer, cai e, acrescente-se, não terá como amparar os pobres.

Não sou um moralista e me incluo entre aqueles que não demonizam os políticos tradicionais. Porque aqueles que o fazem são “pais”, indiretos, de salvadores da pátria como Jânio Quadros, Fernando Collor e Jair Bolsonaro. Ao destruir os realistas — às vezes, até corruptos —, gestam os populistas de direita que, quando podem, optam ou tentam optar pelos putschs.

Mujica e Yamandú Orsi: aliaram-se ao centro para derrotar a direita | Foto: Reprodução

A vida pede gradação, avaliação pela média, não pelos extremos (pelos extremos, devem ser avaliados Hitler, Stálin, Mao Tsé-tung, Mussolini). Políticos corruptos são piores do que políticos golpistas? Não. Então, contra os golpistas, estou a defender os corruptos? É o que parece. Mas não é bem assim. O que estou sugerindo é que, quando se derruba alicerces democráticos, em nome do combate à corrupção, às vezes serve-se àqueles que são experts em armar golpes civis-militares.

Havia corrupção nos governos de Getúlio Vargas, entre 1951 e 1954, e de João Goulart, entre 1961 e 1964? Havia. Excessiva? Não, nos limites do mundo real. Biógrafos como Lira Neto (de Vargas) e Jorge Ferreira (de Jango) sugerem que eram decentes.

Mujica faz discursos contundentes contra a corrupção e criticou os “malfeitos” dos governos do PT (“a esquerda brasileira errou, permaneceu estagnada no tempo”). Sua crítica não está errada. Mas o uruguaio da terra de Mario Levrero sabe que, apesar dos desvios — e avaliando pela média —, o presidente Lula da Silva é melhor, como político e governante, do que Jair Bolsonaro. Menos pior? Insisto: melhor. Porque, ao menos, não é golpista. É democrático. Nada tem de comunista. É tão socialdemocrata quanto Fernando Henrique Cardoso. Só o discurso é mais, digamos, arrojado.

O governo de Lula da Silva é melhor do que sua comunicação. O problema é Paulo Pimenta e a solução é o marqueteiro Sidônio Palmeira? Em parte, sim. Mas o problema maior é que o presidente, sempre um grande comunicador, não está comunicando bem. Parece não ter entendido o “novo” mundo, tão prenhe do “velho”, que grita — fala verdades e , também, falsidades — nas redes sociais e blogs.

Lula da Silva acerta, por vezes. Mas Janja, sua mulher, desfaz o acerto, como se fosse uma primeira-ministra de um Parlamentarismo inexistente. Rui Costa também opera mal, assim como Alexandre Padilha (que é estranhável, pois tem mais experiência que o político baiano).

É hora de retomar o texto sobre o Lula da Silva da nação de Ida Vitale.

Governo de Mujica atualizou o Uruguai

Tupamaro, na cruenta ditadura uruguaia, Mujica ficou 14 anos preso. Saiu em 1985, quando caiu o regime autoritário. É casado com a ex-tupamara Lucia Topolansky.

Como governante, Mujica adotou uma pauta aberta, quer dizer, moderna. Possibilitou casamentos entre pessoas do mesmo sexo e criou legislação para permitir que casais homossexuais adotassem crianças.

O governo de Mujica descriminalizou o aborto e legalizou o uso da maconha (não vi pessoas fumando maconha nas ruas, exceto dois jovens, em Colônia). A Igreja Católica criticou-o pela pauta libertária (liberais brasileiros, que são tudo, menos liberais, rejeitam tais pautas).

Sob Mujica, o desemprego caiu de 13% para 7%. Não é pouca coisa.

Estive em duas cidades do Uruguai, Montevidéu e Colônia del Sacramento (mistura de Pirenópolis com a Cidade de Goiás), em dezembro. São bordejadas pelo Rio de la Plata (gaivotas e um pássaro preto pousam em suas pedras). Nas suas margens, nas amuradas, as pessoas sentam-se contemplativas. Muitas bebem mate. Outras pescam (peixes pequenos). Vários postam-se para ver o pôr do sol. Há os que nadam e deitam-se na praia em busca de algum bronzeado. Crianças brincam de futebol. Temperatura aprazível — entre 17 e 25 graus. Sempre com ventos agradáveis.

Circulei por alguns bairros de Montevidéu, eventualmente de ônibus para ver os usuários. Curiosamente, os motoristas, todos os que vi, trabalham de bermuda; não há cobradores nem catracas. A maioria das pessoas parece ter cartões e, quando não tem, paga com pesos, a moeda local (1 real vale, em média, 7 pesos). Paguei 7,88 reais pela passagem, mais do que em Goiânia). Andei muito a pé.

Se na Argentina há muitos pobres nas ruas e dormindo nas estações de metrô e em agências bancárias que têm caixas eletrônicos — em maio, quando estive em Buenos Aires, conversei com pessoas que saem do interior para esmolar na capital (um me disse: “Há turistas na capital e eles dão la plata”), no Uruguai há menos pessoas em situação de rua. Li, no “El País” local, que parte deles não é uruguaia — são imigrantes. Vi pessoas comendo sobras retiradas de lixeiras tanto nas ruas quanto no belo Parque Rodó.

Meu portunhol não é dos melhores (Candice Marques de Lima, minha companheira de odisseias, fala bem melhor, porque absorve, rapidamente, os sotaques, as malemolências da língua falada de cada cidade), mas é fácil a comunicação. Primeiro, porque os uruguaios, quando percebem que estão falando com turistas, conversam mais devagar. Segundo, muitos entendem português.

O garçom Enrique, de do restaurante La Carola, que tem quadros com fotografias de João Goulart com John Kennedy e Juscelino Kubitschek, fala português e conhece alguns escritores brasileiros. (A carne no Uruguai é bem-feita, mas é servida quase sem sal. Enrique explica que se trata de uma política do governo para evitar e reduzir a hipertensão. Come-se muita batata.)

Se os argentinos são mais impacientes (os que apreciam conversar alegram-se ao saber que torço para o Boca Juniors), os uruguaios são simpáticos e cordiais. Conversam abertamente sobre políticos e livros.

Nas ruas, vi cartazes de Yamandú Orsi, recém-eleito presidente da República, ao lado de Mujica — que parece ser o vice. (Por sinal, os uruguaios falam bem do presidente Luis Lacalle Pou, porque é visto como competente e pela estabilidade econômica do país.) Lembrei-me de uma frase do diretor de cinema Emir Kusturica sobre Mujica: “O último herói da política”. O cineasta sérvio é autor do documentário “El Pepe — Uma Vida Suprema”.

Mujica não é nenhuma unanimidade no Uruguai

Pensei, de cara: todo mundo aprecia Mujica no Uruguai. É uma unanimidade. Ledo engano.

Na Librería Más Puro Verso, a mais famosa de Montevidéu, pedi uma escada ao livreiro (há livros em estantes muito altas e o acervo é fabuloso). Ao entregá-la, inquiriu se eu era brasileiro. Então, perguntei: “Como avalia Mujica?” A resposta me surpreendeu: “Pessoalmente, boa gente. Como presidente, não foi tão bem”.

“Como assim?!”, mostrei-me surpreso. “Os turistas e o mundo inteiro avaliam Mujica pela honestidade pessoal. De fato, é decente. Mas não é competente e, ainda que não estivesse envolvido, há registros de corrupção em seu governo”, disse-me me o uruguaio, instruído, por sinal. Leitor de Clarice Lispector e Andréa del Fuego.

Na Librería Puro Verso (acervo excepcional: Lautréamont, Mallarmé, e. e. Cummings, Keats, Guido Cavalcanti) — não tem mais a ver com Más Puro Verso —, um livreiro também não fala bem do governante Mujica. Não quis falar do homem.

Na charmosa Escamuzza Libros — o café-restaurante é bom —, com um acervo variado e de qualidade (de brasileiros, vi Ailton Krenak. Clarice Lispector, Luiz Rufatto, Andréa de Fuego, Ferreira Gullar), não percebi entusiasmo com Mujica, mas ninguém falou mal. (Livros estão caríssimos no Uruguai. Livreiros sugerem que, como muitos são publicados na Espanha, são avaliados em euro. Uma biografia do filósofo americano Emerson, escrita por Carlos Baker, me interessou, mas não tive coragem de pagar 513 reais; no Brasil, sairia no máximo por 200 reais, ou até um pouco menos.)

Num sebo-café, ouvi de um uruguaio mais ou menos o seguinte: “O Uruguai é um país estável. O atual presidente estabilizou a economia. Então, entendo que o sucessor, até para não se tornar impopular, não mudará as regras. Por sinal, Yamandú Orsi tem demostrado moderação”. Não quis dizer em quem votou.

Ouvi outras pessoas. Várias criticaram Mujica, porque “não” seria gestor. Mas admitem que é “honesto” e “boa gente”. Um artesão, que tem uma banca na rua, disse que votou no candidato de Mujica (ele vende souvenirs com a imagem do ex-presidente). “O líder uruguaio se preocupa com os pobres, como Lula da Silva”, disse. Numa ferragista — que vende escadas de madeira, o que não vejo no Brasil —, um vendedor me disse que o político “é inspirador”.

Os que defendem Mujica sempre falam a mesma coisa: se preocupa com os pobres e é honesto. O gerente da ferragista disse que Yamandú Orsi ganhou de Álvaro Delgado porque soube atrair muitos políticos e eleitores de centro. “Ganhou a moderação. Nenhum dos candidatos apresentou discurso radical e insensato”, disse.

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