Assim caminha a humanidade

Por Aldo Paes Barreto

O falecimento do ex-presidente norte-americano Jimmy Carter deixa profunda lacuna no quadro dos grandes estadistas que o mundo conheceu. Humanista, pacifista, Carter foi permanente construtor da paz e arquiteto da amizade entre os povos.

Em 1972, quando era governador do seu Estado, a Georgia, Carter visitou Pernambuco. A viagem, sentimental, consolidava a amizade da esposa dele com uma conterrânea, residente no Recife. A sra. Rosalynn havia sido colega de Janete Steiner, esposa do empresário Camilo Steiner, diretor da Votorantim.  Ele era engenheiro, formado nos Estados Unidos, e fora colega de faculdade do patrão, José Ermírio de Moraes. Aquele era um reencontro de amigos e de antigos colegas de faculdade.

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Confraternizados, eles incentivaram o programa de intercâmbio ‘Partners of the Americas”, criado para ampliar os laços entre os dois Estados, Pernambuco e a Geórgia. Deu certo. O programa promoveu o intercâmbio entre cerca de 3 mil jovens dos dois países.

Acompanhei profissionalmente a visita do casal Carter, durante a recepção no Palácio das Princesas. Eu era e assessor de Imprensa do governador Eraldo Gueiros. Encontro simples e rápido: nem Carter falava português; nem Gueiros falava inglês. Já o vice-governador, Barreto Guimarães, fazia se entender em qualquer idioma: tinha imensa presença de espírito, maior carisma e era bom orador.

Os norte-americanos fizeram que entenderam.

Depois da solenidade, Jimmy Carter seguiu o roteiro protocolar e a sra. Rosalyn conheceu áreas mais pobres da cidade. Ficou comovida. À noite, jantou com a amiga Janete Steiner, à beira-mar, em Piedade. A casa pertencia ao industrial José Ermírio de Moraes, onde os Steiner moraram enquanto estiveram no Recife.

Naquela época, após a revolução cubana, em 1959, a América Latina passava a ser fonte de preocupação dos norte-americanos e o Nordeste do Brasil entrou nesse mapa. A região vivia as mesmas desventuras. Carter veio conferir. Anos depois, já eleito presidente dos Estados Unidos, voltou ao Brasil e contrariou com suas posições pacifistas o general Geisel, ditador de plantão. Era o ano de 1978.

No ano anterior, a primeira-dama Rosalynn Carter havia voltado ao Brasil, rever sua amiga pernambucana. Nesse meio tempo, dois religiosos americanos foram presos no Recife. A sra. Rosalynn resolveu se encontrar com defensores dos direitos humanos e ouviu as denúncias de torturas sofridas pelos dois missionários: o padre católico Lourenço Rosebaugh e o missionário evangelista Thomas Capuano. Eles foram presos e espancado, era março de 1974. A acusação: catavam comida e dividiam com os miseráveis.

Ao presidente Geisel, Carter disse o que este não queria nem estava acostumado a ouvir. Foi um duro embate entre o presidente Jimmy Carter e a ditadura militar, registrou a História. Ali, ficou marcado o pior momento das relações diplomáticas entre Brasil e Estados Unidos.

Enquanto isso, a sra, Rosalynn revia a amiga Janete no Recife.  Ficou hospedada na casa de Piedade, comeu peixe frito, tomou suco de pitanga, deliciou-se com bolo Souza Leão. À tarde, esteve na Creche Tio Zé, na UR-10, no Ibura. Mas, o que rendeu mesmo foi o inédito protesto americano contra o espancamento dos padres. O Governo Geisel não gostou. Os padres não tiveram renovado o visto de permanência e voltaram aos Estados Unidos.

Rosalynn Carter morreu ano passado, o Comitê Pernambuco Georgia definhou, o padre Lourenço seguiu seu destino e poucos anos depois seria assassinado, na Guatemala. Estava ao lado de um grupo de famintos. A senhora pernambucana, moradora do lado pobre da cidade que prometera batizar o filho com o nome de Jimmy Carter, cumpriu. O filho é hoje técnico de futebol e treina o Porto de Caruaru.

O Brasil continua o mesmo. O dólar sobe, e a fome teima em persistir e, apesar dos candidatos a presidir o País, o Brasil resiste. Feliz 2100.

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