Redes sociais são usadas para exploração sexual e tráfico de pessoas em Goiás

A corrida contra o tempo para repatriar Luckas Viana, de 31 anos, e Phelipe de Moura Ferreira, de 26 anos, que foram traficados para Myanmar, na Ásia, acenderam o alerta sobre o tráfico humano – terceira atividade ilícita mais lucrativa do mundo, perdendo apenas para o tráfico de drogas e o contrabando.

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Os jovens foram aliciados com promessas de empregos para trabalhar na Tailândia, mas acabaram sendo levados por criminosos ao país vizinho. Na última semana, três brasileiros foram resgatados depois de serem capturados e aprisionados por uma máfia de golpes cibernéticos no Sudeste Asiático – mesmo grupo que mantém Lukcas e Phelipe em cárcere.

O Jornal Opção vasculhou por quase um mês redes sociais, principais ferramentas de captação de vítimas por parte de criminosos, conforme a Interpol – a Polícia Internacional, onde encontrou anúncios atrativos de emprego para o Vietnã e para a China, também na Ásia. Um dos posts procurava por “mulheres brancas, com seios grandes e com mais de 95 centimentos de altura”.

“É para servir cerveja aos clientes em um parque cinco estrelas. O anúncio já está especificando que o salário (900 dólares) é livre de comissão. Vai viver melhor do que ganhando dois salários mínimos aqui no Brasil”, afirmou um dos autores da publicação em conversa com o repórter, que se passou por uma mulher, de 24 anos, interessada na vaga. 

O mesmo anúncio foi feito por cinco pessoas distintas em seis diferentes grupos coletivos do Facebook, conforme apurado pela reportagem. As vagas oferecem vantagens como moradia para duas pessoas e a viagem internacional do Brasil aos países asiáticos.  

A empregada ainda teria direito a seguro saúde, três refeições ao dia e visto de trabalho durante seis meses (tempo do contrato, que pode ser renovado uma vez pelo mesmo período). Tudo é bancado de graça pela empresa, segundo o anunciante. A jornada de trabalho é de oito horas por dia, com uma folga durante a semana. 

Ao ser questionado sobre os padrões para a vaga (de mulheres com corpo avantajado), o anunciante afirma que é algo estabelecido pelos supostos contratantes. Porém, ao receber imagens enviadas pela reportagem de uma mulher magra, totalmente fora do procurado, ele conta que “não tem problema”.

O homem ainda afirma que há uma vaga de emprego para ir à China, que estaria disponível para o dia 29 de novembro. Ele exige apenas que o passaporte esteja em dia e orienta o repórter a não se aventurar na Turquia ou em países africanos, como o Egito que, segundo ele, “são complicados”. 

“Você só precisa tirar mais fotos mostrando o rosto, fotos mais profissionais. [Na viagem] você não paga nada, a única coisa que você paga é 25 dólares lá no aeroporto. Tem que levar o comprovante e o parque devolve o dinheiro. Já mandei mais de 58 artistas pra lá, que trabalharam comigo e hoje estão na Tanzânia, Etiópia, México, Argentina, Colômbia e Cuba”, afirmou. 

Tráfico de pessoas em Goiás

Além dos paulistas Lukcas e Philipe, o tráfico de pessoas também fez vítimas goianas. Na lista amarela de pessoas desaparecidas da Interpol consta o nome da pequena Juliana Pereira de Morais, de 8 anos.

A criança, que nasceu em Goiânia e que também possui nacionalidade paraguaia, desapareceu em 13/04/2017, quando tinha apenas 1 ano de idade, na cidade de San Ignácio de Loiola, no Paraguai. A Interpol acredita que ela tenha passado pela Argentina e pelo próprio Paraguai depois de sumir.

“Minha filha entrou dentro de um carro e depois nunca mais a vi. Acredito que eu vou recuperá-la de volta, vou trazer ela de volta para casa. Nunca perdi a esperança”, explicou ao Jornal Opção o pedreiro Vanderlei Borges, pai de Juliana.

O homem acredita que a filha tenha sido vendida pela ex-esposa, que supostamente foi aliciada por um grupo de mulheres. Vanderlei conta que perdeu contato com a mulher depois do desaparecimento da criança. O caso é investigado pela Polícia Federal (PF). 

“Eu acredito que não esteja na mão da mãe. Acho que ela desfez da criança, que vendeu para alguém da Argentina. Estou de mãos atadas, enquanto espero ajuda do poder público nos últimos oito anos”, reforçou. 

Em 2024, houve um caso de tráfico de pessoas registrado por dia no Brasil. O Ministério dos Direitos Humanos catalogou, de 1° de janeiro a 7 de abril, 98 violações relacionadas ao tráfico humano no país. No decorrer de 2023, o ministério contabilizou 336 violações. Foi o último levantamento sobre o assunto divulgado por órgãos ligados ao governo federal. 

Exportação e importação de pessoas 

Atualmente, países europeus, como a Espanha, e asiáticos como a Tailândia, Laos, Cambodja e Myanmarsão os principais importadores de pessoas traficadas do mundo – especificamente mulheres para exploração sexual – de acordo com entrevista do chefe da Interpol no Brasil, Fábio Mertens, concedida ao Jornal Opção

Mertens diz ainda que uma prática comum é enviar vítimas à Europa e, em seguida, encaminhá-las para outras regiões do globo. Em setembro deste ano, a PF desarticulou uma quadrilha especializada em recrutar e enviar mulheres à Europa, onde eram escravizadas sexualmente. Os mandados contra o grupo, que atuava na Croácia e Bélgica, foram cumpridos em Goiás, São Paulo, Paraná e Mato Grosso do Sul. 

“Temos países tradicionais tidos como destino de pessoas que tentam se aventurar, mudar de vida e, que, muitas vezes, acabam caindo em golpes de organizações criminosas responsáveis por esse contrabando e tráfico de pessoas. Os Estados Unidos, por muito tempo, tem sido destino para esse tipo de conduta, em razão do sonho de ter uma vida melhor em um país desenvolvido”, disse.  

As vítimas traficadas, sejam homens, mulheres ou até mesmo crianças, são sujeitas a trabalhos de escravidão e semi-escravião, sendo obrigadas a se prostituirem ou até mesmo a trabalhar aplicando golpes cibernéticos, como no caso de Luckas e Philipe. Há ainda casos em que criminosos realizam cirurgias forçadas de retirada de órgãos dos traficados e/ou contrabandeados, a fim de vender no mercado clandestino. 

Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), a cada ano, no mundo, são executados cerca de 22 mil transplantes de fígado, 66 mil transplantes de rim e 6 mil transplantes de coração. Cerca de 5% dos órgãos utilizados nessas intervenções provêm do mercado negro, com um volume de negócios estimado entre 600 milhões e 1,2 bilhão de dólares.

A fim de combater esse tipo de crime, a PF possui uma rede de atuação conjunta com outros países, que também conta com a atuação da Interpol. Atualmente, o país conta com “vários casos sendo investigados”, de acordo com Mertens. 

“Todas as organizações, principalmente as que se envolvem com esse tipo de crime, tem uma característica de serem formadas por membros de uma pluralidade de países. Haverá, com certeza, membros brasileiros, espanhóis, norte-americanos, mexicanos, asiáticos e assim por diante. O crime organizado está transnacionalizado”, concluiu.  

Orientações para o trabalho no exterior

A principal forma de exploração de brasileiras/os no exterior é a sexual, seguida pela exploração do trabalho. A exploração sexual se refere à obtenção de uma vantagem ou benefício econômico por meio do uso do corpo da pessoa como objeto sexual. Ou seja, situações como a prostituição forçada, servidão sexual e a produção de material pornográfico sem o consentimento da pessoa. Uma das propostas de trabalho muitas vezes relacionadas à exploração sexual é a de modelo, que seduz muitas garotas jovens e as levam a saírem do país, ainda que sem contrato e desconhecendo o idioma local ou inglês. Nesses casos, elas são aliciadas para trabalhar em casas noturnas e se prostituir.

  • Antes de aceitar o convite de trabalho, entrar em contato com agências brasileiras de grande porte para informar-se sobre a atuação da agência contratante no mercado da moda;
  • Estabelecer contato com outras modelos contratadas pela agência;
  • Entrar em contato com a Embaixada ou Consulado do país de destino para informar-se sobre as exigências para trabalhar e sair do Brasil com o visto apropriado e situação regularizada para o trabalho;
  • Se possível, solicitar orientação jurídica em relação ao contrato de trabalho. Manter com você uma das vias do contrato;
  • Assinar contrato com a agência estrangeira, além da agência intermediária, antes de sair do Brasil;
  • Se possível, contratar seguro de viagem que inclua passagem de retorno em casos de emergência.

A Organização Internacional para as Migrações (OIM) fez uma cartilha com maiores orientações. Veja abaixo.

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