Cesar Lattes, o físico que merecia um Nobel (e que todo pesquisador brasileiro conhece)

Por onde começar para explicar o quanto o físico paranaense Cesar Lattes (1924-2005) foi importante para a ciência do Brasil? A reputação internacional que alcançou na primeira metade do século 20 — e que se mantém até hoje, ano de seu centenário — fez dele o cientista brasileiro a chegar mais perto de um prêmio Nobel.

Ainda muito jovem, com apenas 23 anos, Lattes foi o codescobridor do méson pi (ou píon) e seu trabalho foi fundamental para o avanço da física atômica. Graças às suas experiências, foi possível aprimorar um novo método fotográfico para observação da trajetória da partícula subatômica.

Mas a honraria da Academia Real das Ciências da Suécia coube apenas ao físico inglês Cecil Powell (1903-1969), chefe do laboratório da Universidade de Bristol, na Inglaterra, onde trabalhava a equipe da qual o brasileiro fazia parte. Ele foi laureado com o Nobel de Física de 1950, três anos depois da primeira observação do méson pi.

Essas e outras muitas histórias que mostram como Lattes se firmou como um dos nomes mais interessantes e importantes da física mundial estão em Cesar Lattes — Uma Vida, de Marta Góes e Tato Coutinho.

Recém-lançado pela editora Record, o livro contou ainda com a colaboração na organização do jornalista Jorge Luis Colombo e da segunda das quatro filhas do biografado, Maria Cristina Lattes Vezzan.

Autora de várias peças de teatro, jornalista e escritora, Marta escreveu a quatro mãos a autobiografia de Fernanda Montenegro e foi indicada ao Prêmio Jabuti por Alfredo Mesquita — Um grã-fino na contramão. Tato teve longas passagens pelas editoras Abril e Trip, além da TV Cultura e é editor atualmente de biografias da editora Livros de Família.

Entre as fases de pesquisas e escrita do livro, foram 13 meses de trabalho — até setembro, quando se deu a última etapa dos ajustes apontados pela revisão técnica do historiador Heráclio Duarte Tavares.

Se o legado de Lattes para o mundo é o méson pi, para o Brasil, ele ultrapassa a subpartícula atômica. Ao longo de toda a vida, o físico empenhou seu prestígio para tentar desenvolver a ciência brasileira, como minunciosamente mostram Marta e Tato, em um trabalho impecável de pesquisa, feito no Brasil, Inglaterra e Itália.

Ele é reconhecido como o principal articulador para a institucionalização da pesquisa científica no país, com a criação do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Aliás, todo acadêmico, quando precisa organizar e apresentar sua vida profissional de modo oficial, deve fazer seu “Currículo Lattes”, um padrão nacional de registro da vida pregressa e atual dos cientistas brasileiros e do exterior, adotado pela maioria das instituições de fomento, universidades e institutos de pesquisa do país. Pois é, o nome da plataforma, lançada em 1999, é em homenagem ao paranaense.

“[Lattes] É um grande homem e um grande patriota. Conheço-o há longos anos, e as descobertas que fez e as que certamente fará futuramente o colocam em posição privilegiada no mundo da pesquisa nuclear. É um moço que honra o Brasil e está fazendo muito por sua pátria. Poderia estar trabalhando em qualquer país do mundo, mas, às muitas ofertas que recebeu, preferiu ficar em sua terra e treinar um grupo de cientistas, para que o Brasil, em futuro próximo, tenha as reservas humanas necessárias para seu progresso no campo da pesquisa nuclear.”

O elogio foi feito por ninguém menos do que Robert Oppenheimer (1904-1967), durante sua visita ao Brasil, em julho de 1953. O físico americano era o líder do Projeto Manhatan, que, nos anos 1940, criou a primeira bomba atômica.

“Deixa para lá”

Apesar de nunca ter esperado ou buscado o Nobel, Lattes, de certa maneira, se incomodava com o assunto, mostram os biógrafos. Em uma entrevista ao jornal da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em 2002, ele diz: “Deixa isso para lá. Esses prêmios grandiosos não ajudam a ciência”.

Para o brasileiro, quem deveria ter ganhado o prêmio era o físico italiano Giuseppe Occhialini (1903-1997). “Tanto na descoberta do méson pi, em 1946, como na sua criação artificial, em 1948, tive colaboração do Giuseppe Occhialini”, comenta.

Com 320 páginas, o livro custa R$ 109,90 (Foto: Editora Record)

Sua modéstia e as intermináveis obrigações do trabalho institucional e científico, porém, o impediam de desperdiçar o tempo de lucidez com o assunto.

Seu projeto era fazer do Brasil um novo polo para a física. E ele foi incansável nessa missão, mesmo obrigado a enfrentar enormes desafios pessoais e profissionais.

Portador do transtorno bipolar, viveu décadas entre episódios de mania e depressão. Em uma época em que os tratamentos eram precários e agressivos e a doença costumava ser ainda mais estigmatizada do que hoje, Lattes foi diversas vezes internado.

Enquanto isso, tentava vencer os desafios impostos pela burocracia e pela falta de visão das diversas esferas de governo e do legislativo para o investimento na ciência. Não foi menos diferente na captação de recursos junto a financiadores privados.

E tiveram outros tantos problemas. Em meados dos anos 1950, por exemplo, o próprio Lattes denunciou à imprensa os desvios de recursos no CBPF e a falta de interesse da burocracia estatal em investigar e punir os responsáveis pelos desmandos.

Além da carreira do físico, ao longo de 320 páginas, a biografia recém-lançada conta a história de vida desse filho dos imigrantes italianos Giuseppe e Carolina — a infância em Curitiba e os estudos em São Paulo e em Bristol.

Salvo pela Panair

Uma das passagens conta aquela vez em que o físico foi salvo de um acidente de avião. No fim dos anos 1940, tendo de ir da Inglaterra para o Brasil, de onde viajaria para a Bolívia, Lattes ouviu de um integrante da embaixada brasileira em Londres que os aviões britânicos vinham reformados da Segunda Segunda Guerra Mundial e serviam uma comida péssima, além de comissárias pouco simpáticas.

De última hora trocou a passagem por uma da brasileira Panair — aeronaves novas, aeromoças gentis e um serviço de bordo que oferecia até bifes de filé mignon. Pois bem, o avião britânico que o traria para o Rio de Janeiro teve de fazer um pouso forçado no Senegal. Quatro pessoas morreram.

Lattes adorava o Parque Nacional de Itatiaia, no Rio de Janeiro. Chegou a comprar uma casa na região, para onde ia com frequência com a esposa Martha, as filhas e os amigos.

A música e a literatura, especialmente Carlos Drummond de Andrade e Manuel Bandeira, faziam parte de sua rotina, assim como a companhia de seus cães, principalmente do perdigueiro Gaúcho.

Até o fim, Lattes se manteve ativo e relevante na pesquisa científica brasileira, nunca se deixou abater nem pela bipolaridade nem pelos entraves políticos e as complexidades da burocracia acadêmica. Morreu aos 80 anos, vítima de um câncer na bexiga e edema pulmonar.

Como escreve Milton Gleiser, físico, astrônomo, escritor e professor na Dartmouth College, Estados Unidos: “A vida de Lattes merece um mergulho profundo”.

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