A palavra do ano – mentes podres

Edemundo Dias de Oliveira Filho

]Brain rot foi eleita a palavra do ano pelo Oxford Dictionary em 2024. Em tradução literal, “cérebro podre”. Traduções livres remetem à ideia de decomposição ou de atrofia cerebral. Com efeito, a expressão sugere a “suposta deterioração do estado mental ou intelectual de uma pessoa, especialmente vista como resultado do consumo excessivo de material considerado superficial, trivial ou pouco desafiador (principalmente conteúdo online – imagens virtuais – recursos da inteligência artificial)”.

Com certeza, a carapuça parece servir como uma luva – ou seria como uma camisa de força? – ao colocar no divã o indivíduo pós-moderno. Falamos de indivíduo e não de sociedade de propósito, pois cada vez mais perde-se o senso de coletividade, criando o cenário perfeito para a proliferação de egos superinflados, comprometidos visceralmente consigo mesmos, com seus próprios prazeres e desejos, produzindo como efeito colateral uma autossabotagem do próprio cérebro, um aniquilamento das potencialidades comunitárias que nos constituem como seres sociais.

Inquestionavelmente, estamos imersos em uma era de hiperfutilidade instantânea. Milhões de informações e de desinformações frenéticas lotam os feeds dos aplicativos, gerando a falácia de que sabemos de tudo um pouco, desde cozinhar um ovo até as aberrações da práxis política ou os mistérios da ciência, da arte, seja na terra ou no céu.

Tudo isso, sob a égide de um saber desistoricizado e vazio do crivo científico, que desacredita dados, fatos e autoridades… E, ainda por cima, é beligerante, agressivo, presunçoso, cheio de si. A verdade é “a minha verdade” e nada mais vale ou importa. Assim, entramos de cabeça, literalmente, na era do emburrecimento global, da deterioração do pensamento e dos sentimentos humanos. Um mundo repleto de sinais confusos, sempre disposto a mudar com a velocidade de um “clique”.

O ser moderno não suporta o que dura. Esse ser tecnológico não atura textos com mais de 100 caracteres, ou vídeos maiores que 1 minuto. Que dirá aulas, sermões, livros, artigos ou provocações profundas, nas escolas ou nas igrejas, que não se adequem à comodidade do “pensar” fácil e rápido – fast food… tiktok…

Como qualquer outra doença desse nível, o apodrecimento da mente, diagnóstico identitário do homem pós-moderno, transcende e somatiza muitíssimas outras patologias do tempo presente: hipertensão, diabetes, transtornos de personalidade, ansiedade generalizada, síndrome do pânico, esquizofrenias multifacetadas, depressão, suicídios… Porém, o pior: é fatal para a nossa capacidade de amar, não só ao próximo, a si mesmo, de forma sadia, mas, especialmente, ao Pai, Criador do próprio homem.

Tal síndrome das “mentes podres”, também tem repercutido fortemente no mundo jurídico e nos tribunais, em todos os níveis e graus, as notícias de corrupção se tornaram corriqueiras e já não chocam e nem indignam ninguém. Nessa senda, é nítido o empobrecimento da justiça brasileira em todos os sentidos.

A virulência explode, notadamente, nas audiências forenses, nas telas coloridas e psicodélicas do mundo virtual: desde o exibicionismo exacerbado, discursos sem estofo cultural e de precário conhecimento jurídico; da litigância de má-fé até a falta de compostura das autoridades, advogados e jurisdicionados; desrespeito às mulheres e aos hipossuficientes; a vileza do engodo para conseguir êxitos injustos.

Com efeito, o senso de justiça é substituído pela pressão popular e pela sanha tresloucada do justiçamento. A falta de coragem dos julgadores, premidos pelas mídias sociais, compromete o juízo valorativo, ante a perversão do “clamor do populacho”. Decisões são assentadas sob a égide da preguiça mental, na base do fast food (prato feito), ao som do tiktok, ou do copia e cola, mas quem paga a conta são sempre os assessores ou os estagiários. Ora, pensar dar trabalho!

Parafraseando os profetas bíblicos do Velho Testamento: “… as suas mãos fazem diligentemente o mal, o rei exige condenação, o juiz aceita suborno, o grande fala dos maus desejos de sua alma, e, assim, todos eles juntamente urdem a trama [Miquéias 7: 3].

E o que dizer daqueles que se arvoram como paradigmas da classe dos advogados, de qual cepa foram formados? Por acaso, se esqueceram das lições dos nossos pontífices e patronos (Rui Barbosa, Sobral Pinto, Raymundo Faoro e tantos outros)? Hoje, ao invés de enfrentar os poderosos em nome de uma causa justa, preferem o agachamento moral, para se cumpliciarem aos “donos do poder”, dado a vileza do fisiologismo ou em face do pragmatismo material-patrimonial, pessoal ou cartorial?

Todavia, acima de tudo, com o apodrecimento da mente e sem o amor fraternal tudo estará perdido, pois a distopia que tal síndrome produz gera a falsa visão do amor, principalmente, do amor-próprio, no sentido amplo do termo. E o amor-próprio é justamente o que gera a esperança de, também, sermos reconhecidos e amados. E a recusa do amor alimenta a autoaversão doentia.

Por fim, o remédio para a mente podre é “amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo”. Amar ao próximo como amamos a nós mesmos significa, antes de tudo, vivermos como coevos de todos os que tenham aspiração pela verdadeira justiça, solidariedade, paz fraternal, alegria e pela beleza, onde serão reflorestados os desertos do mundo e curadas as podridões da alma.

Edemundo Dias de Oliveira Filho é advogado, pastor evangélico e mestre em Direito Público

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