Bom para o agro, ruim para o assalariado? Quem ganha e quem perde com alta do dólar


Disparada de moeda americana afeta de forma diferente os consumidores e os setores produtivos; quais setores que mais se beneficiam com a alta. O real é a moeda que mais perdeu para o dólar no mundo em 2024
Getty Images via BBC
Com queda de 2,32%, o dólar fechou em R$ 6,12 nesta quinta-feira (19/12) e interrompeu a sequência de cinco altas consecutivas.
A baixa foi influenciada pela atuação do BC (Banco Central). Durante a tarde, a moeda americana bateu recorde e chegou a R$ 6,30, mas o valor recuou após o BC ter feito dois novos leilões, de US$ 8 bilhões ao todo, para conter a alta da moeda americana.
No acumulado do ano, no entanto, a alta até esta quinta-feira é de 26,18%. No começo de janeiro, o dólar era cotado a R$ 4,85. Isso faz com que o real seja a moeda que mais perdeu para o dólar no mundo neste ano.
O aumento do dólar gera dois impactos principais: piora no poder de compra das famílias, devido à alta dos preços, e aumento nos custos para as empresas.
Mas este movimento afeta de forma diferente os consumidores e os setores produtivos, explicou à BBC News Brasil o economista Silvio Campos Neto, sócio da Tendências Consultoria.
“O impacto varia de acordo com o setor. Empresas com custos em reais e receitas em dólares são mais beneficiadas, como aquelas que utilizam mão de obra local e exportam produtos. No entanto, nenhum setor é 100% nessa configuração”, afirma.
Para os consumidores, o impacto vai além dos produtos importados, pois os preços de bens industrializados também sofrem com o aumento dos custos de insumos.
Já as empresas enfrentam pressões adicionais, tanto nos custos de produção quanto no pagamento de dívidas em moeda estrangeira. “Sem proteção cambial, muitas delas podem ver seus custos explodirem”, acrescenta.
Confira abaixo quais setores que mais se beneficiam com a alta da moeda americana — e quem são os mais impactados pela valorização do dólar.
Quem ganha: agronegócios, mineração, turismo interno
Setores com maior parte da receita atrelada ao dólar, como o agronegócio e a indústria extrativa, têm potencial para se beneficiar com a valorização da moeda americana, diz o economista.
Para grandes exportadores, existe sempre um ganha-e-perde simultâneo.
Por um lado, exportadores recebem mais dinheiro em reais ao venderem seus produtos no exterior em dólares — aumentando seu faturamento.
Mas esses mesmos produtores precisam também pagar algumas contas em dólares e essas ficam mais caras. No caso do agronegócio, produtores rurais importam muitas máquinas e fertilizantes.
“Isso cria um mecanismo de proteção natural (hedge), permitindo que o setor registre ganhos líquidos”, afirma Campos Neto.
Ou seja, a alta do dólar costuma ser vantajosa para a ampla maioria dos grandes exportadores rurais — porque o setor exporta bastante e importa pouco.
Além disso, os produtores rurais têm uma certa flexibilidade com o fluxo do caixa que é favorável.
O faturamento superior devido à alta do dólar é registrado imediatamente, já que os exportadores recebem os valores cada vez que sua carga é embarcada do porto para o exterior. Ou seja, cargas exportadas nesta quinta-feira já serão vendidas com o dólar alto — e o exportador verá esse dinheiro ingressando imediatamente.
Já no caso dos custos de importação mais caros — insumos como máquinas e fertilizantes — os produtores costumam ter estoques de alguns meses, e podem optar por não importar nada nos momentos de pico da cotação do dólar.
O benefício de exportar com dólar alto é imediato; o custo de precisar importar com dólar alto pode ser postergado.
“Muitas empresas do agronegócio possuem um estoque razoável de dois ou três meses de insumos”, afirma Henry Quaresma, que é CEO da Brasil Business Partners e membro do conselho de administração da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB).
O impacto maior nos custos só será sentido pelos exportadores de commodities, caso a alta do dólar seja por um tempo prolongado.
Mais beneficiados ainda do que o agronegócio, segundo Quaresma, são setores como mineração e celulose — em que o Brasil possui grandes empresas, como Vale, Klabin e Suzano.
Esses grandes exportadores possuem uma vantagem: eles exportam muito, mas importam poucos insumos. Ou seja: só sentem o lado positivo do dólar alto.
“Todo o insumo fica aqui no Brasil. Eles não precisam importar matéria-prima. Então todo o ganho [com o câmbio] é direto.”
Empresas internacionais com planos de adquirir operações no Brasil também podem ter um benefício se conseguirem fechar contratos nesse período.
O turismo interno brasileiro também se favorece com a alta do dólar. Pessoas que ainda estão comprando pacotes no exterior têm um incentivo para vir ao Brasil. E brasileiros que planejavam viagens ao exterior no verão podem mudar de ideia pelo câmbio alto.
Aquelas que já tinham programado férias no Brasil são propensas a gastar mais dinheiro — já que a alta do dólar fornece um acréscimo substancial no orçamento de férias em reais dos turistas estrangeiros.
Quem perde: eletrônicos, remédios, carros elétricos
Turistas brasileiros no exterior estão entre os primeiros que sentirão o impacto da alta do dólar, já que seus gastos em cartão de crédito também são feitos com base na cotação do dólar do dia do fechamento da fatura.
“Quem está indo para Disney agora na alta temporada vai pagar mais”, afirma Quaresma.
Alguns setores importantes da economia sentirão impacto negativo da alta do dólar.
A venda de eletrônicos importados — como smartphones — deve cair substancialmente, com uma subida grande nos preços.
O mesmo acontece com o setor farmacêutico, que precisa importar remédios não produzidos nacionalmente. Mesmo a produção nacional tem muitos insumos importados.
Na indústria, a situação é mais diversa, diz o economista Silvio Campos Neto.
“Setores voltados ao mercado externo, como a indústria extrativa (minério de ferro e petróleo), tendem a ganhar. Já a indústria de transformação, voltada para o mercado interno, enfrenta mais dificuldades para repassar custos, devido à maior dependência de insumos importados.”
As montadoras de carros também devem sofrer, já que existe uma popularidade muito grande no momento de carros elétricos — muitos deles importados com preços altos.
Um grande perdedor: o consumidor
Quaresma diz que um dos grandes prejudicados com a alta do dólar é o consumidor brasileiro — que recebe seu salário em reais.
Muitos dos setores listados acima — como eletrônicos e farmacêutico — tendem a repassar a alta do dólar diretamente em seus preços para o consumidor.
O consumidor brasileiro também pagará mais por alimentos e combustíveis. O Brasil ainda é um grande importador de trigo — insumo do pão e macarrão. No caso da gasolina, o Brasil exporta petróleo, mas ainda precisa importar combustível. Materiais de limpeza também possuem muitos insumos importados.
“Algumas empresas reajustam os preços mesmo quando há estoque e não importam, porque elas nivelam o dólar do ano”, diz Quaresma.
A alta do dólar provoca aumento generalizado de preços e prejudica o combate à inflação — que tem sido uma das principais preocupações do governo e do mercado esse ano.
“Mas tudo isso depende do período que teremos de alta do dólar. Se a coisa vai se prolongando, passa uma semana, duas, e não vemos reversão da alta do dólar, a situação vai ficando mais crítica”, diz Quaresma.
Silvio Campos Neto concorda com o veredito. Segundo ele, o impacto sobre o consumidor é especialmente desafiador, já que a desvalorização do real encarece produtos importados e eleva os preços de bens industrializados nacionais que dependem de insumos estrangeiros.
O aumento de custos acaba sendo repassado, mesmo que parcialmente, ao consumidor final.
“Se olharmos para períodos de valorização do real, como em 2010 e 2011, o poder de compra das famílias aumentou consideravelmente. Hoje, vivemos o movimento inverso”, analisa o economista.
Com isso, um setor que pode ser impactado indiretamente é o de serviços. A perda de poder de compra das famílias afeta a demanda, comprometendo o crescimento recente do segmento.
“Nos últimos anos, o setor de serviços vinha apresentando um bom desempenho, mas a alta do dólar pode frear esse avanço”, alerta Campos Neto.
Incertezas para 2025
Existe hoje uma incerteza no mundo sobre qual seria o rumo do dólar em 2025 e em diante. O valor do real brasileiro dependerá em parte dessa tendência mundial.
O desejo do presidente eleito Donald Trump é que a moeda americana se desvalorize. Ele pretende travar uma guerra comercial que fortaleça a balança comercial americana.
Dentro dessa estratégia, um dólar mais fraco encarece o valor de produtos importados dentro dos Estados Unidos — dando a produtos americanos uma vantagem em relação aos estrangeiros.
No Brasil, o futuro do câmbio depende de diversos fatores e depende de ações do governo e da política fiscal. Medidas como o pacote fiscal aprovado pelo Congresso nesta quinta-feira (19/12) podem ajudar, mas Silvio Campos Neto afirma que a desconfiança dos mercados deve persistir.
“Os mercados têm reagido com pessimismo, refletindo a percepção de risco no Brasil. Um dólar forte no exterior, combinado com incertezas locais, mantém a moeda em um patamar elevado, entre R$ 6 e R$ 6,50”, diz.
Ou seja, uma queda significativa parece improvável a curto prazo, diz o economista, e ajustes de preços e custos serão inevitáveis, impactando setores de forma diferente — de acordo com suas receitas e despesas ao dólar.
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