A presença de João Bênnio no cenário da cultura goiana

O cinema é a arte ilusória da imagem em movimento; a vida plasmada na tela, numa sensação de imortalidade dos fatos, outrora vividos. Desde o histórico dia 28 de dezembro de 1895, na velha Paris, em que os irmãos Lumière trouxeram a imagem gravada e apresentada, que a sétima arte tornou-se imortal no coração das pessoas.

E quantos filmes imortais e belos, ainda depois de dezenas de anos, avivam a imaginação, ternura e vibração em gerações e gerações que caminham o chão do mundo, na indagação da própria existência.

Na velha capital federal, Rio de Janeiro, a primeira exibição ocorreu em 08 de julho de 1896, sete meses apenas, após a exibição parisiense, numa evolução assombrosa para uma cidade nos confins do mundo, ainda perdida entre o existir e resistir, numa insipiente República de sete anos apenas.

De expectador das películas parisienses, dois anos depois, em 1898, já seriam encenados os primeiros filmes no Brasil, graças a dois irmãos italianos, Affonso e Pascoal Secretto, com cenas da baía de Guanabara, ainda bem simples; além de alguns números musicais de Teatro de Revista, como era comum na agitada vida carioca de então.

O século virou, com suas contradições e desacertos, lutas e dificuldades e, no fundo do sertão brasileiro, na velha Cidade de Goiás, na noite de 13 de maio de 1909, foi realizada a primeira exibição cinematográfica, no Theatro São Joaquim, no Beco da Lapa, sob o comando da “Empresa Recreio Goyano”, que projetou “comédias, dramáticas e fantásticas”, como dizia o cartaz colocado no saguão do teatro.

Até mesmo no afamado jornal “Lavoura e Comércio”, então famoso na cidade de Uberaba, espécie de capital cultural do sertão do oeste, dedicou grande parte de sua publicação a destacar o progresso da Cidade de Goiás em efetivar o cinema como uma das inovações culturais da época.

Nessas notícias, evocava-se a alegria, contentamento e júbilo da população goiana, pela inovação, pois nesse fundo de sertão esquecido, adormecido à sombra da Serra Dourada, altaneira e bela, guardiã e sentinela avançada da velha cidade, apenas 14 anos depois de Paris, então capital cultural do mundo, já tinha sua exibição de películas mudas!

Era um fato espantoso! Domingos Gomes de Almeida, goiano de raro vigor e destemor econômico, fora o pioneiro dessa empreitada perigosa em terras de Goiás. Sua empresa pioneira funcionou de forma ininterrupta, de 1909 a 1934, mas em diferentes locais.

No dia da exibição, até mesmo as altas autoridades vilaboenses e de outras cidades, estiveram presentes ao evento maravilhoso. No beco, ainda sem a Cruz do Anhanguera, falaram em nome das autoridades presentes, o grande e estimado professor Francisco Ferreira dos Santos Azevedo, que, naquele ano, já preparava seu “Annuário histórico, geográphico e descriptivo do Estado de Goyaz”, que sairia no ano seguinte, 1910. Também, outros cidadãos marcaram presença ao ilustre momento, como destacaram os pesquisadores Pedro Viggiano e Claro de Godoy.

Portanto, na década de 1910, o “Cinematógrapho de Goyaz”, velha capital, firmou-se entre o público em geral como forma de entretenimento e lazer dos goianos. Eram filmes curtos, e 10 a 20 minutos, mudos, com várias passagens com problemas, pois os equipamentos eram rudimentares para seu tempo. Mas, assim mesmo, foram exibidos “As Proezas de Dom Quixote”, “Santos Dumont”, “O Enforcado” e “Chegada e Partida de Trens de Ferro”. Todos de fundo histórico e cívico em grande maioria.

Em 1917, o cinema saiu das dependências do Theatro São Joaquim e passou a funcionar no Largo do Chafariz, em prédio próprio e adequado, com grande sucesso, como narraram historiadores e memorialistas Rosarita Fleury, Octo Marques e Maximiano da Mata Teixeira.

A grande melhoria, também, ocorreu com a sonorização das películas, com a Banda de Música do Exército; mais tarde, uma orquestra própria passou a sonorizar os filmes. O escritor Maximiano da Mata Teixeira em seu livro Outras histórias de Goiás relata que, muitas pessoas iam ao cinema muito mais para ver as apresentações das orquestras do que pela própria exibição das películas, que eram muito ruins e, de tempos em tempos, a cena era parada para que o funcionário molhasse o pano branco de cretone ou morim, senão pegava fogo…

Em 1914 foi fundado na Cidade de Goiás o “Cine Luzo Brasileiro”, de propriedade de Joaquim Guedes de Amorim, português de destaque na velha capital do Estado. Para ele, foi criada a primeira orquestra para sonorização dos filmes, que eram mudos; uma inovação interessante, que trazia mais brilho ao espetáculo.

O arranjo da orquestra desse precioso cinema coube a Maria Angélica da Costa Brandão (Nhanhá do Couto), maestrina admirável, que trouxe ao cinema, um espetáculo a parte, com a exibição de belíssimos concertos como as óperas “Tosca”, “O Guarany”, “Alvorada do Schiavo”, de Carlos Gomes; “Si j’etais roi”, de Adam; “Poeta e camponês”, “Cavalaria Ligeira” de Supper, grandes valsas como “Pomome”; a belíssima “Norma”, de Bellini; cuja “Casta Diva”, com belíssima voz, era Maria Henriqueta Pèclat, então professora da Escola de Aprendizes e Artífices, da Cidade de Goiás.

As duas maestrinas do cinema mudo em Goiás. Maria Angélica da Costa Brandão (Nhanhá do Coutro), no Cine Luzo Brasileiro e Edméa de Camargo, no Cine Ideal, ambos na Cidade de Goiás | Acervo de Bento Fleury

Essa programação aparecia nos jornais da época e movimentava a população em torno da escolha das músicas, dos filmes e dos espetáculos. Era o “frisson”, como se dizia, ao gastar-se um francês nas animadas “soirées”.

Em 1919 foi fundado o terceiro cinema em Goiás, pela argúcia do imigrante austero, Geraldo Sarti, italiano de boa cepa, que, na Rua Moretty Fóggia, ou Rua Direita, criou o “Cinema Iris”, administrado por Carlos Lins. Nesse, havia uma bela orquestra, com músicos uniformizados, que sonorizavam as películas com grande efeito e maestria. Este durou até o ano de 1924.

Geraldo Sarti, pioneiro do Cine Iris, em 1919 e Edilberto Santana, com o Cine Ideal, na velha cidade | Acervo de Bento Fleury

Nesse ano em Santana das Antas, hoje Anápolis, já havia também o “Cine Bruno”, que exibia películas num barracão improvisado, de chão batido, para alegria dos anapolinos. Nesse mesmo lugar inaugurou-se em 1929 o “Cine Goianás”, de Maximiano Alves da Cunha, em belíssimo prédio, depois seguiram o “Cine Áurea” e o “Cine Imperial”, em que um dos proprietários foi Jonas Duarte, que, mais tarde, chegou ao cargo de governador de Goiás, conforme destacou a historiadora Haydèe Jayme Ferreira.

Nesse mesmo ano, o arguto artista e promotor cultural vilaboense, Edilberto Santana, criou o “Cine ideal”, que constava da “Orquestra Ideal”, cuja participação feminina foi de grande valia, com a admirável maestrina Edméa de Camargo, grande nome da música na Cidade de Goiás.

Eram belíssimos espetáculos musicais onde a alta sociedade da época, engalanada, assistia a verdadeiros concertos, que ampliavam o conteúdo das películas e das histórias daquele tempo. Essa época de grandeza cultural foi até 1928, quando os filmes passaram a ser sonorizados; uma inovação que agradou a todos, mas que chegou pouco a pouco na velha capital. As dificuldades eram muitas.

As orquestras foram sendo desfiguradas, e, em 1937, Wadjow da Rocha Lima, com o apoio de sua esposa Edina Caiado Fleury da Rocha Lima inaugurou na Cidade de Goiás o “Cine Progresso”, primeiro cinema falado do Estado de Goiás, que era uma inovação para a época. Acabaram-se as belas orquestras com seus músicos engalanados ao lado da tela.

Mas, em 03 de março de 1937, a capital fora mudada definitivamente para Goiânia e a velha cidade de Bartolomeu Bueno viveria dias de fracasso e depressão, com o esvaziamento da cidade e os anos cinzas do esquecimento e do marasmo. Tudo se acabou quanto a esses empreendimentos notáveis.

Antes mesmo do “Cine Progresso”, da velha capital, já fora inaugurado em Campinas, cidade limítrofe com a nova capital, hoje bairro, o “Cine Teatro Campinas”, criado em 13 de junho de 1936, nome sugerido, via concurso, por Antonio Leão Teixeira. Já na nova capital, Goiânia, a primeira sala de cinema foi aberta em 1939, com o nome de “Cine Popular”, na Rua 24, abaixo da Avenida Anhanguera, perto da Rua 04. Mais tarde, passou a denominar-se “Cine Santa Maria”, criado pelo grande empreendedor, o português Alípio Mendes Ferreira.

Em crônicas da época, do Jornal “Goiânia”, de 1939, de Wilson Pierunccetti, anunciara que uma grande confusão se fez no Lyceu de Goiânia (ou Colégio Estadual, como se chamou depois), porque os alunos burlaram a vigilância do bedel e fugiram ali para perto, para verem se, de fato, a notícia do cinema era verdadeira. Cabularam a aula de Geografia do austero professor Alcide Celso Ramos Jubé para verem com os próprios olhos se não era mentira a história de cinema na nova cidade. A euforia tomou conta de todos os professores não tiveram mais sossego.

E o “Cine Santa Maria”, hoje com outra finalidade, foi o pioneiro em tantas fitas emocionantes que os jovens e adultos da nova cidade, ampliavam seus sonhos e divagações num período de muitas dificuldades e saudades, numa terra nova onde tudo começava.

Alípio Mendes Ferreira e o pioneirismo em Goiânia, há quase 80 anos, com o Cine Santa Maria (1939) | Acervo de Bento Fleury

Em 12 de junho de 1942, ano do Batismo Cultural de Goiânia, foi fundado o Cine Teatro Goiânia, na Avenida Tocantins, em belíssimo prédio art-dèco. O primeiro filme foi “Divino Tormento, uma superprodução da Metro Goldwin-Mayer, com os famosos artistas Nelson Eddy e Jeanette Mac Donald. Era um luxo como modernos aparelhos cinematográficos e muito glamour para aquele tempo dos anos dourados.

Houve grande ascensão do cinema nos anos de 1930, 1940 e 1950. O declínio foi marcado com o surgimento da televisão e o empobrecimento da população nas décadas seguintes, a partir dos anos de 1960. A situação piorou com o videocassete nos anos 1970, depois os vídeos cassetes, DVDs e hoje a Netflix, coloca cada vez mais o filme na solidão das casas. Mesmo a criação do Instituto Nacional de Cinema, a Embrafilme e o Concine, não foi melhorada a situação.

Houve generalizado fechamento de salas de cinema em Goiânia, a maioria transformada em Igrejas Evangélicas, supermercados, lojas e comércio em geral. Foram fechados os Cine Regina (Vila Nova); Cine Fátima (Setor dos Funcionários); Cine Helena (Campinas); Cine Rio (Centro); Cine Avenida (Campinas); Cine Eldorado (Campinas); Cine Frida (Centro), Cine Presidente (Centro); Cine Casablanca (Centro); Cine Royal (Setor Pedro Ludovico); Cine Astor (Centro), além de outros. Hoje, estão recuados nos shoppings.

Em algumas cidades interioranas também os cinemas permaneceram enquanto puderam. O Cine Pireneus, de Pirenópolis; o Cine Real, de Catalão, de grande sucesso; Cine Municipal, de Silvânia; o Cine Esmeralda, de Corumbá de Goiás, hoje belo teatro; o Cine Bagdá, de Rio Verde; o Cine Mário Mello, de Aparecida de Goiânia. Assim, aconteceu em Caldas Novas, Morrinhos, Inhumas e tantas e tantas outras cidades.

Numa tentativa de reversão desse cenário desolador, foram criados em Goiás os festivais de cinema, cujo primeiro foi em 13 de setembro de 1966, no Teatro Goiânia. Com grande movimentação, ficou apenas na primeira edição pelo intrincado momento político de então. Só 34 anos depois surgiria um novo festival de Cinema como “Goiânia mostra curtas” no ano 2000. Em 2005, surgiu o Fest-cine de Goiânia. Em 1999 surgiu o “Fica” na Cidade de Goiás, que se consolidou no gênero em todo o país.

Muitas lutas, nesses anos foram consolidadas, com fluxos e refluxos, na tentativa de consolidar o gênero no Estado; o que não é fácil em meio a tantas dificuldades de toda ordem que permeiam qualquer iniciativa cultural nesse país.

Os pioneiros do cinema ou de apresentações do gênero na cidade de Trindade foram os Padres Redentoristas, com seus filmes de cunho religioso. Sebastião Aranha foi o primeiro a exibir filmes “Profanos” em Trindade, trazidos em viagens cansativas, em lombos de burros, no seu dom artístico mambembe, mas sempre atuante.

Os artistas famosos desse tempo foram Nita Naldi, Francesca Bertine, Clara Bow, Tom Mix, Tyrone Powell e Gustavo Sereno, que foram o encanto dos matutos romeiros, espantados com o inusitado acontecimento.

A primeira experiência cinematográfica de Trindade foi com o cinema mudo de Chico Garça (Francisco Gonçalves), que tinha também um circo de cavalinhos no Beco dos Aflitos e foi pioneiro nesse gênero. Suas fitas eram muito velhas e arrebentavam a cada hora, motivo de graça para a meninada de Trindade dos anos 1920.

Em Trindade, segundo relatos dos jornais da época, nos anos 1930 existia o “Cine Pai Eterno” da Firma Vaz & Cia, com exibição regular de filmes famosos, que eram o deleite dos moradores da cidade; além da Sorveteria Linde, também sucesso de publico do pós-cinema, onde se deliciavam com os “gelados”, pois nesse tempo, nem em sonho alguém em Trindade possua uma geladeira!

Outro pioneiro do gênero foi José Henrique da Rocha (Zé Feio), que foi administrador do “Cine Cometa” na Rua do Comercio, que foi encanto para muita gente, sendo seu negocio, no velho casarão apelidado de “Cine do Zé-Feio” que marcou época em Trindade pelos filmes que apresentava, inclusive em vez primeira, o lendário “… E o vento levou”.

No ano de 1955, o conhecido fazendeiro João Alves de Carvalho e sua esposa Eva Edna Alves adquiriram as antigas residências de Alfredinho Taxista (um dos pioneiros do Carro de Praça de Trindade) e a Pensão da Dona Nega e, no local dessas, construíram o prédio que seria doravante, destinado a abrigar o novo cinema, que se denominaria “Cine Teatro Mara” em homenagem à primogênita do casal.

O “Cine Teatro Mara” foi solenemente inaugurado em 21 de Abril de 1956 com a exibição do filme “A Viúva Alegre”, da Metro. De inicio, o cinema constava de sessões semanais e cinco sessões dominicais, completamente lotadas. Depois de um tempo desativado, foi adquirido pela AFIPE e hoje é a maior sala de cinema do Centro Oeste brasileiro.

O antigo Cine Teatro Mara e o hoje admirável Cine Afipe. Missões em dois tempos, agora com o Primeiro Festival de Cinema de Trindade | Acervo de Bento Fleury

Cineastas em Goiás

Na década de 1950, Jamil Merjane tornou-se o precursor do cinema goiano, ao trabalhar com a produção de cinejornais. De forma muito precária, ele operou a produtora “Karajá filmes”, que foi responsável pelo cinejornal O planalto na tela.

Curta experiência pela total falta de oportunidades durou pouco, mas serviu de incentivo para outros como Euclides Nery, ex-câmera man da TV Anhanguera, partiu para a produção de comerciais, no ano de 1968. Depois de um ano no mercado, associou-se a José Petrillo e fundou a “Makro Filmes”, que então passou a realizar desde 1969 a maioria dos comerciais feitos no Estado.

Como um prolongamento do trabalho a empresa iniciou a produção de longas metragens. O primeiro foi O leão do norte, de Carlos Del Pino, rodado em Pirenópolis no ano de 1973, numa produção difícil e cara para a época. Seguiu-se A lenda de Ubirajara, produção do ano de 1974. Desfeita a sociedade, José Petrillo depois de certo tempo, já no Rio de Janeiro, produziu Cavalhadas de Pirenópolis, em 1978, com o qual ganhou o Candango de ouro.

Depois em 1979, Carlos Del Pino produziu Santa Dica do Sertão, em 1989, depois República dos anjos, que teve como cenário a cidade de Pirenópolis, na narrativa da vida de Benedita Cipriano, a messiânica goiana dos anos de 1920.

Na década de 1970 despontou Antonio Eustáquio (Taquinho), que com Ronan Carvalho e João Bênnio na “Take Filmes” produziu Caminhos dos gerais, que conta a vida de Bernardo Élis e Semana Santa de Goiás, de Carlos Fernando de Magalhães. Já na década de 1980, Taquinho produz Antonio Poteiro, o profeta do barro e das cores, com onze minutos.

Nessa mesma década, um grupo de jovens cinéfilos criou o “Cine Clube Antonio das Mortes”, composto por Lisandro Nogueira, Lourival Belém, Bené de Castro, Pedro Augusto, Divino José, Divino Inácio, Eudaldo Guimarães.

PX Silveira e Rosa Berardo seguiram e continuam a seguir a tradição do cinema em Goiás, com importantes documentários que propiciaram o desenvolvimento da área nas décadas seguintes.  Rosa Berardo lançou “André louco” em 1990, com base na obra de Bernardo Élis e PX Silveira lançou importantes documentários como Iza Brasil e Pedro Fundamental e 12’da eternidade, que fizeram muito sucesso.

Um fato interessante é que a goiana Lucíola de Amorim Vilela (1915-2017), nascida em Bela Vista de Goiás, foi a incentivadora do cinema nacional, na figura de seus netos Bruno e Fábio Barreto, com filmes de grande presença no Brasil e no mundo.

Lucíola de Amorim Vilela, uma vida mais que centenária a favor do cinema nacional. Acervo de Bento Fleury.

Lucíola de Amorim Vilela, nascida em Bela Vista de Goiás, era filha de Antenor de Amorim e Nayá Siqueira de Amorim. Moça bela e inteligente, bem nascida e criada, foi normalista no Colégio Santana da Cidade de Goiás.

Mais tarde, casou-se com um médico, Dr. Vilela e residiu em Araguari. Mudando-se para o Rio de Janeiro, deu vazão ao seu talento e ao lado do genro, Luiz Carlos Barreto, da filha, Luci Barreto e dos netos, Bruno Barreto e Fábio Barreto, foi pioneira do cinema brasileiro, com filmes de grande talento.  Ela viveu plenamente os 102 anos de idade!

Assim, nessas notas, um breve histórico da sétima arte nas terras do Anhanguera.

O Teatro em Goiás

As manifestações teatrais em Goiás tiveram início ainda na era dos setecentos na bela cidade de Trahyras, que hoje não mais existe. Ali era palco de grandes manifestações que o tempo sepultou para a eternidade.

Mais tarde, na Cidade de Goiás, no teatro São Joaquim; foram realizadas diversas atividades teatrais que enriqueceram o cenário cultural da antiga capital de Goiás. Mas, o teatro goiano somente terá verdadeiro impulso com a participação do trindadense Otavinho Arantes, que dedicou toda a sua vida às atividades ligadas ao Teatro.

Foi ele o fundador da AGT. Este artigo procura vislumbrar, sob o olhar geográfico, os diversos territórios do teatro em Goiás por mais de duzentos anos e como esses desdobramentos impulsionaram ou não o fazer artístico em nosso Estado.

Nas solidões geográficas do sertão de Goiás, abertas em campos, matas, cerrados, planaltos, estradas sertanejas soltas nas imensidões dos tempos de outrora se inserem as marcas de nossa gente, povo da roça e da lida, de lutas e de labutas.

Assim, nos mistérios do chão de Goyaz setecentista nasceu o opulento distrito de Trahyras, tido por “florescente e rico” na visão de muitos historiadores e viajantes. Ele estava, segundo as coordenadas geográficas, situado na latitude 14 graus e 15 minutos sul, em terreno baixo e junto ao rio Trahyras, que desaguava no Maranhão dez léguas depois. Seu relevo era marcado pelos montes da Bocaina ao sul, Serra de São José a nordeste, Serra das violas a noroeste, em rica região aurífera.

Trahyras ficava seis léguas ao nordeste do arraial de Água Quente e foi Cabeça de Julgado, fundado em 1735, da qual dependiam oito arraiais. Havia prosperidade, marcada pelo arrojado feitio de seus prédios e monumentos; as igrejas imponentes de Nossa Senhora da Conceição, Igreja do Senhor do Bonfim e Nossa Senhora do Rosário.

Na Notícia Geral da Capitania de Goyaz, organizada pelo admirável e saudoso Paulo Bertran, aparece uma descrição do distrito e seus limites: Pilar, Meya Ponte, Santa Luzia, Cavalcante, São Félix e Amaro Leite. Eram sertões e sertões de esquecimento e de trabalhosa administração.

Pelo distrito de Trahyras passavam grandes rios: Maranhão, Trahyras, Bagagem. Havia grande quantidade de ouro e as lavras eram administradas por homens ricos – em maioria portugueses – chegando à quantia de 1086 escravos em atividade no ano de 1783. Como Julgado, tinha os distritos de Água Quente, Cocal, São José do Tocantins, Santa Rita, Muquém, Amaro Leite e Piedade.

Local de terras férteis havia também riquezas de engenhos em grande quantidade e farta produção agrícola. O comércio do distrito era vivo e concorrido, com 21 tavernas e duas “lojas de cosméticos do Reino”, como aparece na Notícia Geral, de 1783.

Já no começo do século XIX a decadência foi se instalando pouco a pouco. Cunha Matos em sua Chorographia Histórica da Província de Goyaz já destaca que em 1823 havia no Arraial de Trahyras 15 ruas e 207 casas, quatro Companhias de Infantaria de pardos, pretos, milicianos e ordenanças, alguns sobrados elegantes e finamente ornamentados, com praça espaçosa, “magnífica” casa de Conselho. Havia a ponte de madeira sobre o rio Trahyras, grande e alta e muito bem construída, melhor inclusive do que as pontes da Capital, Cidade de Goyaz. Cunha Matos ainda elogiou as senhoras do distrito, que eram educadas e muitas sabiam ler e escrever.

Em 1849, o Padre Luiz Antonio da Silva e Souza descreveu o Arraial de Trahyras como grande e povoado, em boa situação, embora já com algumas casas em estado de abandono. Na descrição de A. J. Costa Brandão no Almanach da Província de Goyaz, de 1886 Trahyras aparece em grande decadência, tendo ainda um juiz de paz, um subdelegado e um escrivão. Segundo muitos estudiosos, a faina do ouro em Trahyras era tanta que, entre 1735 e 1800, por lá circularam cerca de quinze mil garimpeiros e faiscadores.

E o processo de ruína e destruição só acelerou no final do século XIX em virtude de rixas políticas entre as lideranças de São José do Tocantins (Niquelândia) e Trahyras, com o decréscimo do poder da segunda. Todos foram abandonando a velha e opulenta cidade em favor da nova, e as ruínas foram acelerando gradativamente.

 Até mesmo a Casa de Câmara e Cadeia, que se equiparava com a de Vila Boa ruiu e há histórias de que foi incendiada com vários presos dentro; uma das muitas lendas e histórias que por ali correm ao gosto da imaginação, como a visita do Imperador Dom Pedro, o cacho de bananas de ouro doado ao mesmo por uma rica senhora da região e a instalação da capital do Império ali por um dia.

Mas, o que houve com Trahyras foi, na verdade, a incúria, o desapego, o desamor à história de uma comunidade, pela própria comunidade, tal qual o Ouro Fino. Como isso é possível? Destruir uma cidade em favor de outra? Com Santa Cruz de Goyaz e Pires do Rio, no século XX, também houve essa traição com a velha terra; o mesmo com São Sebastião de Aureliópolis e Cristianópolis. Cidade de Goiás e Goiânia também houve, pois muitos monumentos de Vila Boa foram depredados na época da mudança. Como pode haver isso? É preciso que o antigo morra para que nasça o novo? Como se esquece, assim, a terra em que pisaram os nossos antepassados?

Na Geografia dos sentimentos de raiz, há, em Goiás, dolorosas páginas de maldade e traição. Tudo insuflado por políticas perseguidoras, cada qual em seu tempo e com seus atores cruéis.

Tudo em Trahyras foi desmoronando, caindo, desmanchando com o descaso e o desafeto dos filhos do passado. Filhos ingratos, que viraram as costas à velha cidade-mãe, idosa e com marcas do tempo. Uma cidade que ruía, pedia socorro, e ninguém ouviu.

Monumentos, casas, lembranças, prédios foram desaparecendo no alto sertão. Igrejas com seus sinos calados, lembrando a ingratidão humana. A casa da fundição onde tanto ouro foi separado, caindo pouco a pouco, na miséria absoluta.

Ruína da igreja de Trahyras | Reprodução

Sobraram poucas coisas, pouquíssimas. Tudo se transformou numa grande ruína com escombros de paredes. Até mesmo o poético nome do peixe abundante na região Trahyras, com a grafia bela e antiga, também foi esmagado para surgir Tupiraçaba, sem nenhuma ligação com o prestígio de outrora. Paredes e mais paredes levantadas na pedra pelos escravos ainda resistem à chuva e ao sol, na sequência interminável dos dias.

Até mesmo a casa dos mortos ao lado da Igreja do Senhor do Bonfim é a marca do abandono, nem mesmo o túmulo do Conde de Sarzedas, que lá faleceu, conseguiu ficar para a história.

A Igreja do Rosário também tombou com o tempo e com o descuido, apesar de ter sido tombada pelo IPHAN em 1955 com as descrições feitas pelo então funcionário Carlos Drummond de Andrade: “Edifício religioso localizado no centro do antigo e próspero arraial de Traíras. Construção do período do ciclo do ouro em Goiás, esta igreja possuía obras de arte em seu interior (…). O arco do cruzeiro era decorado com motivos em interpretação barroca. Os altares laterais em talha, com colunas torsas e baldaquino, se assemelhavam aos retábulos de Minas, na época de d. João V”.

Trahyras, na linguagem de seu povo ficou “acabando de acabar”, sem a importância passada, sem o prestígio do ouro, sem os homens poderosos que a amparavam. Ao contrário, foi relegada a um ostracismo irremediável e seu povo escorraçado de todo e qualquer benefício futuro. Raízes transformadas em escombros. Um dos mais importantes capítulos da historia colonial goiana foi apagado pouco a pouco. Pertencente a Niquelândia, Trahyras foi esquecida e ultrajada, abandonada, suas igrejas ruindo, na tristeza do fim.

Poucos, muito poucos, se dedicaram a escrever sobre a região, destacando-se Paulo Bertran, Elianda Figueiredo Arantes e Silvaline Pinheiro, esta última, uma das mais ferrenhas defensoras do patrimônio de Trahyras, legado ao esquecimento e desrespeito dos políticos e do povo em geral.

Na Geografia de Goiás, a região de Trahyras representa o marco da luta pela ocupação do espaço tão distante do norte goiano, esquecido de uma maneira geral. Sua existência marcou de forma incisiva, a riqueza efêmera que pairou nesses sertões na febre do ouro e, ao mesmo tempo, a vertiginosa decadência que assolou o chão de Goiás, na descrença dos dias que sucederam o desaparecimento do vil metal.

Que no futuro saibamos o que foi Trahyras, não a Tupiraçaba esquecida, mas aquela terra amada, fervilhante e rica, de que tanto falaram nossos antepassados com os olhos cheios de um vivo amor, na comoção humana que nasce no sentimento de pertencimento a um chão de ternura!

 Outra casa de espetáculos teatrais, depois de Trahyras foi na Cidade de Goiás,  com o Teatro São Joaquim, inaugurado em 1° de julho de 1857 no Beco da Lapa em Goyaz, antiga Capital, propriedade do comerciante Manoel das Chagas Artiaga, adquirido em 1871 pelo presidente da província Antero Cícero de Assis e distribuído em 1928.

Maria Henriqueta Péclat, a grande atriz do Theatro São Joaquim da Cidade de Goiás | Acervo de Bento Fleury

Ali, eram representadas semanalmente operetas, dramas românticos, triolés, soirèes Lítero-Musicais, comédias e espetáculos com artistas de outras províncias, tendo refinado acompanhamento de orquestra, como eram comuns naquela época.

No bêco da Lapa, junto a ponte do carmo o Theatro São Joaquim | Acervo de Bento Fleury

Ali, naquele secular casarão, funcionou o primeiro cinema de Goiás, fundado em 1909 pelo Major Domingos Gomes D’Almeida, um dos mais velhos do mundo, pois foi inaugurado 14 anos após Louis Lumière, o inventor do cinema, ter feito a primeira exibição cinematográfica a 28 de dezembro de 1895, no “Salon Indian“ do Grand Café da Alameda Capuchinhos em Paris, que deslumbrou o público e foi o grande acontecimento no expirar do século XIX.

Otavinho Arantes – O teatro renasce com força em Goiás

Em Trindade, às 02:00 horas do dia 12 de janeiro de 1922 nascia Octávio Zaldinva Arantes, filho do Coronel Octávio Batista Arantes e de Maria Aurora Arantes, predestinado a ser o grande incentivador do teatro em Goiás, batalhador incansável pela sustentação de um ideal superior.

Foi registrado no dia 24 de janeiro de 1922, sendo testemunhas Francisco Furtado de Mendonça e João Manoel da Silva e oficial Mariano de Queiroz Monteiro. Fez os seus estudos iniciais no Grupo Escolar Senador Ramos Caiado de Trindade, tendo por colegas Walter Joaquim Ribeiro, Leodônio Marques, Izaura Silva (Nenzinha Braz), dentre outros.

Cedo integrou no “Grêmio Teatral” fundado pelo Padre Pelágio Sauter, que apresentava peças como “Cala a Boca Etelvina” e “Progresso Feminino” em critica ao crescente movimento feminista encetado no Rio de Janeiro por Berta Maria Júlia Lutz, pioneira das mulheres dos anos 20 e 30 e Mietta Santiago, primeira eleitora do País, no longínquo ano de 1927 e também em Goiás pelo movimento de Benedita Chaves Villa Real, primeira eleitora goiana, irmã da renomada educadora de Trindade dos anos 30, Nila Chaves Roriz de Almeida

A Agremiação Goiana de Teatro foi fundada por Otavinho Arantes em 01 de maio de 1946.

Otavinho Arantes (Trindade, 1922 Brasília 1991) Baluarte do teatro em Goiás, ilustre filho de Trindade conhecido nacionalmente. Acervo de Bento Fleury

Seu objetivo inicial era a difusão do teatro em Goiás com a construção de um teatro, e uma escola de arte dramática. Havia no currículo dessa Agremiação a leitura e encenações de peças, exposições, conferências e excursões.

Em 1959 a AGT foi considerada Entidade de Utilidade Pública e os seus objetivos foram em grande maioria alcançados.

A Agremiação Goiana de Teatro vem, desde sua fundação, cumprindo rigoroso programa pro-desenvolvimento do Teatro em Goiás. De 1963 a 1978, cumpriu excelente programação, já que na cidade não dispunha de outro Teatro.

Fundada por Otavinho Arantes, a AGT começou no Liceu, onde um grupo de alunos tentava ensaiar uma peça. Tratava – se de “Maria Cachucha” de Joracy Camargo. O movimento frustrou – se. Numa daquelas reuniões Otavinho apareceu já com uma peça copiada e fez a distribuição dos papeis. A peça era “O Príncipe Encantado” de Luiz Leandro. A peça foi ensaiada e encenada.

A seguir, Otavinho arregimentou novo elenco entre os alunos do Liceu e ensaiou “Pertinho do Céu”, peça de José Wanderley e Mário Lago.

A peça foi encenada no Cine – Teatro – Goiânia. Estava fundada a AGT. Dessa primeira peça da AGT participaram como interpretes: Paulo dos Reis, Luzia Coelho, Otavinho Arantes (também Diretor da peça), José Prates.

A AGT teve seus estatutos registrados em 1949.

Depois da primeira peça, a       AGT teve uma infinidade de peças encenadas; foram feitas as mais diferentes experiências; encenou – se os mais diferentes  gêneros; autores nacionais e estrangeiros foram representados.

Peças encenadas pela AGT: “Pertinho do Céu” de Mário Lago e José Wanderley; “O inimigo intimo” de Pacheco Filho; “Sinhá moça chorou” de Ernani Fornári; “Terra Natal” de Oduwaldo Viana; “Joaninha Buscapé” de Luiz Iglesias; “A Mulher do Padeiro” de Giono; “Carlota Joaquina” de R. Magalhães Junior; “A cigana me enganou” de Paulo Magalhães; “Antígona” de Sófocles; “O Pedido de Casamento” de Tchecov; “O Banquete” de Lúcia Benedetti; “Massacre” de Roblès; “Luz de Gás” de Patrick Hamilton; “Avatar” de Genolino Amado; “Lampião” de Raquel de Queiroz; “O Discípulo do Diabo” de Bernard Shaw; “O Idiota” de Dostoiewski, “Pigmalião” de Bernard Shaw, “Édipo Rei” de Sófocles”, “O homem e as armas” de Bernard Shaw, “A canção dentro do pão” de R. Magalhães Junior; “O auto da Compadecida” (1ª versão), “Eles não usam black – Tié” de Gianfrancesco Guarnieri; “Gringoire” de Banville; “O Pagador de Promessas” de Dias Gomes; “A Carteira” de Mirbeau; “Escurial” de Gelderode; “Macbeth” de Shakespeare; “Tempo de Amar” de Lena Ferreira Costa; “História do Zoológico” de Edward Albee; “Bodas de sangue” de Garcia Lorca; “Auto da Compadecida” (2ª versão), “A margem da vida” de Tenessee Williams e “Condenado ao Inferno” de Renné de Obaldia, entre outras.

O Teatro Inacabado nasceu do ideal de Otavinho Arantes de construir para Goiânia, uma Casa de Espetáculos que servisse para apresentação de peças e de local para sede da AGT – AGREMIAÇÃO GOIANA DE TEATRO, também, idealizada e fundada por Otavinho.

Tudo aconteceu precariamente, até que um dia, Zoroastro Artiaga, diretor do Museu Estadual, ao passar pela Praça Cívica, deparou com o grupo da AGT que ensaiava dentro de uma das fontes luminosas da Praça, que se encontrava desativada.

Zoroastro Artiaga preocupado com o que vira aproximou – se do grupo e foi logo dizendo: -“Vocês não podem continuar dessa maneira, sem local para suas reuniões. Vou acomodar vocês numa salinha que mantenho no Museu e que no momento, está desocupada”.

Era uma salinha estreita que se comprimia entre duas outras, no primeiro andar. Lá foi depositado todo o material de que dispunha a AGT e que já começava a se avolumar, até que um dia, Otavinho, numa de suas visitas diárias à “sede” deparou, a adentrar o Museu, com todo material amontoado no saguão de entrada.

A nova diretora do Museu havia ordenado que fosse desocupada a sala e que todo material da AGT fosse posto “lá em baixo”. Chovia copiosamente naquele dia e Otavinho ficou sem saber o que fazer procurou, de imediato o Zoroastro que, mais uma vez, alojou a AGT, desta feita, numa sala em que já se alojava uma Entidade Estudantil, nas dependências do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás, naturalmente, com a aquiescência de Colemar Natal e Silva, outro grande amigo dos artistas.

Ali, permaneceu a AGT por alguns meses, até que, já dispondo de algum numerário, pôde alugar uma pequena sala na Avenida Anhanguera, nas proximidades do Cine – Teatro – Goiânia, onde Otavinho com seu Grupo realizava suas reuniões e seus ensaios, até que, na promoção de campanhas, e rifas, realizações de festas, encenações de peças, realizações de concursos, listas de contribuições, enfim, tudo que rendesse dinheiro, pôde Otavinho dar início às fundações da construção da tão almejada Casa de Espetáculos, que viria passaria à posse definitiva da AGREMIAÇÃO GOIANA DE TEATRO.

Aconteceu que no referido terreno havia uma invasão. Otavinho procurou o invasor e propôs – lhe uma solução amigável, dando – lhe, em troca, dois lotes de terra, que lhe fora oferecido pelo Departamento de Terras do Estado, para que o problema fosse resolvido. Foi necessário, então, que se produzissem uma Ação de Imissão de Posse que, quatro anos depois foi ganha pela Agremiação Goiana de Teatro.

Tão logo o invasor deixou o lote, Otavinho mandou limpar, imediatamente, o terreno e poucos dias após, começava – se os trabalhos de fundação do futuro Teatro.

Isso ocorre nos primeiros dias de 1960; já que o contrato para a construção da obra havia sido assinado em maio de 1959.

O terreno em que se sediaria o Teatro era alagadiço e foi necessário drená-lo para levar toda aquela água para o córrego capim puba, que corria próximo.

Nas fundações foram aplicadas 15 estacas de concreto e as demais de aroeira, já que não dispunha a AGT do numerário suficiente para o gasto total com o concreto.

Para o prosseguimento da obra, foram utilizados todos os meios como: rifas, festas, com rendas carreadas para a construção, encenações de peças, concursos, listas de contribuições.

E o teatro se foi erguendo e, a 2 de Fevereiro de 1963 foi encenada, ali, sua primeira peça: O Pagador de Promessas, de Dias Gomes, apesar do teatro nunca ter – se inaugurado, já que nem Pedra Fundamental tivera. A primeira peça era ali apresentada, sem nenhuma condição de conforto para os espectadores que, na estreia, se acomodaram em cadeiras que se distribuíram no salão, e sobre taboas acomodadas empilhadas de tijolos…

Tudo corria maravilhosamente com o teatro visitado pelos maiores elencos do país, até que um dia, por necessidade, foi providenciada a mudança  de seu telhado que era de alumínio, para telhas de amianto. E um operário, descuidando – se, deixou cair solda elétrica na ponta do pano de boca do palco do Teatro. Em poucos minutos a labareda subiu e tomou conta do Teatro que quase se destruiu totalmente.

Era o fim – pensou Otavinho.

Uma comissão de professores da Universidade Federal de Goiás procurou Otavinho para dar – lhe solidariedade e encorajá-lo à reconstruir o teatro.

Um carro oficial subia e descia a Rua 95 à procura do número 230: era o Governador Otávio Lage que, também, fora à residência de Otavinho Arantes para dar – lhe solidariedade e oferecer – lhe préstimos para a restauração do teatro: um empréstimo pela Caixa Econômica Estadual, que Otavinho não aceitou por não dispor de numerário para os próprios documentos que instruiria o processo, ou, uma ajuda de 50 mil cruzeiros, que levaria nove meses para ser recebida.

Otavinho optou, afinal, que não deu, de todo para a reconstrução, mas que, a ajuda providencial de um Mecenas, que acabou por fornecer os lambris com que foi forrado todo o auditório e seu teto, completou.

E, a 5 de julho de 1969 voltava o Teatro Inacabado a funcionar, ao reabrir com um excelente espetáculo que foi com peça “Condenado ao Inferno” de René de Obaldia, original, que Otavinho havia trazido de uma recente viagem que empreendera à Europa, traduzido pelo professor Alfredo de Faria Castro.

Daí, até a presente data, um dos únicos Teatros construídos por Amadores no País, o Teatro Inacabado funcionou regularmente. O autor do Projeto do Teatro Inacabado foi o arquiteto Walter Guerra.

Em 1991, com a morte de Otavinho Arantes, o grande mentor, o Teatro Inacabado virou abrigo de marginais e entrou em ruínas. Dois anos depois, um grupo de artistas goianos tentou reviver o velho teatro à luz de velas, em 06 de janeiro de 1993.

Hoje, Fundação Cultural Otavinho Arantes, o teatro no semi abandonado, já que, reformado, na realidade, nunca realizou ali grandes espetáculos. São mais de 70 anos da AGT. Onde ficou a sua imagem?

Todo esse sonho, com seus fluxos e refluxos se desmoronou com a morte de Otavinho Arantes em 1991. Nesses mais trinta anos de sua ausência o Inacabado ficou em ruínas, foi usado por moradores de rua, hoje foi reformado, mas nunca teve o mesmo brilho de seu idealizador, nos áureos tempos de uma Goiânia que nascia.

João Bênnio em atuação junto a Tônia Carrero | Reprodução

João Bênnio no cenário cultural goiano

João Bênnio foi um nome singular na cultura goiana, notadamente no teatro e no cinema. Foi ator, teatrólogo, escritor e cineasta, polígrafo e talentoso em todos os seus empreendimentos, com uma luta insana e incansável pela nossa cultura, com todas as suas lutas, decepções e enfrentamentos.

Mineiro da cidade de Mutum, onde nasceu em 11 de abril de 1927, em meados da década de 1950 estava em Goiânia, depois de viver em Belo Horizonte e Almenara e Pedra azul, em Minas Gerais. Ele era filho de Pedro Baptista e Maria Vieira de Paiva. Após incursionar por estados como Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo e Espírito Santo, em 17 de julho de 1955, Bênnio chegaria a Goiânia com a peça As mãos de Eurydice, de Pedro Bloch, com a estreia nos salões do Jockey Club de Goiânia.

João Bênnio foi casado em Minas Gerais com Maria Terezinha Franco, em 1948 e divorciou-se em 1953. Dessa união teve duas filhas, Maria Lúcia e Solange.

Com o sucesso alcançado em Goiânia, o ator jovem e idealista resolveu por ficar na capital de Goiás. Inicialmente formou um grupo de atores amadores, denominado “Bênnio e seus artistas”, com dezenas de encenação na cidade e pelo interior.

Com o apoio de Carmo Bernardes e Elder Rocha Lima, João Bênnio criou o “Teatro de emergência”, no governo de José Feliciano Ferreira, com viabilidade pelo secretário de viação e obras públicas, Geraldo de Pina, com localização na Rua 03, no centro. Esse teatro foi inaugurado oficialmente em meados de 1962 e com grande atividade até o golpe militar de 1964.

Simultaneamente, João Bênnio também atuava no rádio e na televisão. Interpretava, escrevia, dirigia novelas radiofônicas. Na recém-criada Televisão Anhanguera teve o programa “Eu show cobraico”, com um quadro de humor ao lado de Oscar Dias e Luis Rottoli. Mais tarde o programa se chamaria “Eu show Bênnio”.

Com a Revolução João Bênnio foi preso e logo após seguiu para o Rio de Janeiro. Deu ênfase ao cinema, que começara com uma produção própria “Bênnio Produções cinematográficas” foi O diabo mora no sangue, inteiramente rodado na Ilha do Bananal em 1967, com direção de Cecil Thiré. Nesse filme ele foi o protagonista e autor de diversas passagens da obra. Esse filme teve relativo sucesso e participou de mostras em 39 países.

Em 1968 participou do filme Tempos de violência, que protagonizou ao lado de Tônia Carrero. No ano seguinte, João Bênnio voltou a Goiás para dirigir e interpretar Simeão, o boêmio, baseado num conto do escritor Isócrates de Oliveira, rodado em Pirenópolis, que fazia uma grande sátira dos costumes arcaicos da velha política oligárquica das antigas siglas UDN e PSD. Esse filme fez grande sucesso e ficou 40 dias em cartaz no antigo Cine Capri em Goiânia e atraiu grande público.

No ano de 1970 fez seu último filme O azarento, um homem de sorte, filmado em Goiânia e em Piracanjuba, ao lado da grande atriz da época, Sandra Barsotti. Seu sonho foi filmar o conto A enxada, de Bernardo Élis; porém, a doença e as dificuldades impediram o término do trabalho, com tanto fôlego iniciado. Pouco antes de morrer manifestou o desejo de retornar a sua cidade natal em Minas Gerais e o fez na despedida dos lugares e das pessoas que muito amou.

No final da década de 1970, em Goiânia, João Bênnio mantinha um pequeno restaurante para sua sobrevivência, que era um ponto de encontro de artistas e intelectuais da época. Chegou a ter dois restaurantes, um no Jardim Novo Mundo (ao lado de um bosque) e outro no Setor Marista, onde servia feijoadas. Depois, no governo de Íris Rezende Machado exerceu a direção do Teatro Goiânia, na capital, onde vivenciou muitas polêmicas como o caso de renúncias de espetáculos por artistas famosos e também o “Projeto Pixinguinha”.

Na Literatura João Bênnio começou no Jornal Top News, de Paulo Ramos e depois passou para o Jornal Diário da Manhã.

Ele faleceu de câncer no Hospital São Francisco de Assis em Goiânia em 18 de junho de 1984. Foi velado no Teatro Goiânia. Depois de falecido recebeu várias homenagens como o “Cine clube João Bênnio”, além do documentário O pescador de cinema, de Ângelo Lima, que faz uma homenagem ao cineasta. Também foi inaugurada pelo artista Semi Gidrão, no Setor Marista, em Goiânia, a “Casa João Bênnio”, com grande sucesso na época, além de nome de rua na capital.

As crônicas de João Bênnio

As crônicas de João Bênnio, publicadas no Jornal Diário da Manhã com assiduidade e data certa versavam sobre fatos do cotidiano, com sátira e ironia diante da realidade da vida, notadamente das coisas simples e triviais do cotidiano.

Literárias, as crônicas na verdade contam histórias e muitas se dividem em vários capítulos que eram publicados em sequência no jornal, como uma novela, que o público acompanhava para saber sempre o final. Algumas são longas e possuem cerca de vinte capítulos, com transes dramáticos, ora cômicos.

Outras versam sobre a realidade de Goiânia, as misérias cotidianas da gente simples, pescarias, culinária e também sobre sexualidade e muito erotismo, marcas de sua profunda percepção do mundo e das coisas.

Algumas crônicas versam sobre sua atividade teatral, outras, sobre o cotidiano de pescarias no Rio Araguaia. Também relatam sobre personagens malandros em meio ao povo, como o folclore urbano de Goiânia. Fala de pequenos dramas amorosos da gente interiorana ou dos bairros afastados da capital. Homenageia amigos, companheiros de jornada e infortúnio; bem como tipo populares como Dr. Almeidinha, sua amiga Claudia, o Pedro dinheiro, o Constantino responsador, o Martin pescador, seu Marciano, Bariani Ortêncio, Zé Aurélio, o Coronel Calhau.

Em outras crônicas, em longas narrativas, traça pequenos acontecimentos do cotidiano, mas com a marca do seu talento inconteste. Também produziu crônicas de opinião sobre assuntos da política da época, os desajustes sociais, as perversões, a linguagem popular, a culinária, a flora medicinal, as atuações das empregadas domésticas e muitos outros assuntos que engrandecem a alma goiana nas suas especificidades.

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