Rui Martins
De repente, surgiu nas redes sociais e na mídia a onda dos bebês reborn ou bebês renascidos, provocando irritação entre as pessoas preocupadas com a real situação dos recém-nascidos filhos de mães pobres, mal alimentadas e com pouco leite para alimentá-los. Mesmo porque tais bebês, designados de maneira sofisticada em inglês, não passam de bonecas hiperrealistas em silicone reproduzindo de maneira real e perfeita um verdadeiro bebê.
Um sofisticado trabalho manual, cujo preço pode chegar a 10 mil reais, permitindo a quem o possui mimetizar a vivência com um verdadeiro bebê, sem exigir os mesmos cuidados de uma mãe. Mas a mamadeira, as fraldas, a chupeta imitam as necessidades vitais de um ser vivo, porque a boneca é inerte e só vive na imaginação, como acontece com as bonecas das meninas até a adolescência.
Então, por que esses bebês de silicone passaram a ocupar espaço na mídia e nas redes sociais, gerando interpretações diversas sobre o comportamento das mulheres que ninam, passeiam e vão fazer compras no supermercado com seu bebê factício?
Tanto homens como mulheres podem ter uma ligação afetiva com certos objetos que lhes são caros e dos quais não se separam. Podem ser também animais, seres vivos, como cães, gatos, transformados em bichos de estimação e que se integram na própria família, sendo tratados com o cuidado e mesmo amor destinado a pessoas. Existem também homens, cujas amantes são de plástico inflável.
Esses bebês não são novidade, não foram fabricados só agora, já existem há anos nos Estados Unidos e mesmo na Europa. Na verdade, destinam-se a crianças e adolescentes como brinquedos mais sofisticados ou a mulheres que perderam seus bebês, numa fase de superação da falta e tristeza decorrentes, mas por um curto período.
Existe algum interesse comercial com o lançamento do bebê reborn como moda a ser curtida por mulheres ou casais sem filhos desejosos de viver a maternidade? Parece haver, pelo menos em streaming, o filme “Uma Família Feliz”, um filme de suspense e realismo envolvendo bebês reborn.
Seja o que for, modismo ou onda lançada por publicidade discreta, já surgiram muitas explicações sobre a receptividade de certas pessoas. Percorremos diversas delas e uma que nos impressionou foi a do professor Paulo Ghiraldelli, focando a questão de maneira filosófica e política.
Para ele, se reportando ao passado, os homens se encantavam na revolução industrial com as máquinas que se moviam sozinhas e o próprio Adam Smith ficava impressionado com a fábrica de alfinetes. Nessa era vitoriana, reforçava-se a ideia de que o homem pode dar vida às coisas e não só Deus.
É a época do romance “Frankenstein”, o monstro feito com pedaços de cadáver e que ganha vida própria. É a época do fetiche, as máquinas dão vida às coisas e as coisas parecem ganhar vida. Ghiraldelli cita Marx e o Capital para lembrar que as mercadorias ganham vida enquanto aquele que deu vida às mercadorias, o homem, se torna objeto delas.
A seguir, a imagem se torna mais importante que a mercadoria e o virtual mais importante que o real. E entramos assim no simulacro que é a produção de imagens que lembram o real sem serem o real. É o caso dos bebês reborn que são mais perfeitos que os bebês reais.
Daniel Gontijo se preocupou também com explicações religiosas espíritas e evangélicas. Não faltam explicações irônicas e críticas do Eduardo Bueno, os links abaixo permitem uma boa interpretação dos bebês reborn. Existem relatos reais de mãe que leva seu boneco reborn ao SUS, para saber se tem febre, e um processo judicial, por um casal em separação, para partilha de rendimentos de um bebê reborn no instagram com milhares de seguidores. Existem imagens de um pastor chutando um boneco reborn e o comentário de que a “mãe” levando seu “bebê” em consulta ao SUS deveria ter sido internada. E o alerta do pregador John Meslar de que maus espíritos podem tomar posse do corpo do bebê reborn. Fica livre a escolha de qual a melhor explicação.
Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu “Dinheiro Sujo da Corrupção”, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, “A Rebelião Romântica da Jovem Guarda”, em 1966. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.
Os bebês reborn
Paulo Ghiraldelli
Henry Bugalho
Instituto Conhecimento Liberta
Sequeira
Daniel Gontijo
Eduardo Bueno
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