Aniversário da morte de Tancredo resgata o árduo processo de redemocratização

Os anos finais da vida de Tancredo Neves caminharam lado a lado com o processo que levou à redemocratização do Brasil. Conservador moderado e democrata, o mineiro venceu as primeiras eleições presidenciais, ainda indiretas, em 15 de janeiro de 1985, mas não conseguiu assumir: foi internado na véspera da posse e faleceu em 21 de abril, aos 75 anos. Ainda assim, se tornou um dos símbolos da redemocratização e da Nova República.

Tancredo já era um político com mais de 50 anos de experiência quando se candidatou. Nascido em 4 de março de 1910, em São João del Rei (MG), formou-se advogado e em 1935 venceu seu primeiro pleito, tornando-se vereador da cidade natal pelo Partido Progressista (PP) de então.

Anos depois, tendo ocupado outras posições, tornou-se deputado federal e, mais tarde, em 1951, foi ministro da Justiça de Getúlio Vargas. Dez anos mais tarde, se tornou o primeiro-ministro de João Goulart na breve e fatídica experiência parlamentarista imposta em 1961 e que durou até 1963, pouco antes do golpe militar.

Após os militares tomarem o poder em 1964, uma “democracia de fachada” foi instaurada em 1965 com o ato institucional que criou o bipartidarismo. O sistema permitia a existência de apenas duas legendas: a da situação, Arena, e a da oposição, MDB (Movimento Democrático Brasileiro) — que, no processo de abertura, passou a ser PMDB, retomando o nome original em 2017. Naquele momento, Tancredo resolveu se filiar ao MDB, reelegendo-se deputado em 1966 e 1970.

“Apesar de sua postura oposicionista, Tancredo condenava os setores do MDB que se negavam a dialogar com o governo, afirmando-se como liderança da ala moderada do partido e como interlocutor do regime na discussão do projeto de distensão ‘lenta, gradual e segura’ do presidente Ernesto Geisel”, lembra o CPDOC da Fundação Getúlio Vargas, sobre o período em que a ditadura começava seu ocaso.

Em meio à construção da reabertura, no final de 1983 o deputado Dante de Oliveira apresentou projeto de emenda constitucional que restabelecia as eleições diretas para presidente da República. Ali começava a ganhar corpo a derradeira e talvez mais importante fase da vida de Tancredo.

A proposta deu novo impulso à luta democrática e a campanha pelas Diretas Já tomou as ruas do país. Apesar da ampla mobilização, o plenário da Câmara dos Deputados rejeitou a emenda, por apenas 22 votos de diferença. Dessa forma, a eleição presidencial seguinte seria feita ainda de maneira indireta, pelos votos dos parlamentares, no chamado Colégio Eleitoral.

Tancredo e o PCdoB

Naqueles anos de efervescência política e pavimentação da via democrática, mesmo com todas as perdas sofridas e ainda na clandestinidade, os comunistas atuavam fortemente — fosse no PMDB, nos comícios, nas greves, nos movimentos estudantis, sindical, comunitário, contra a carestia ou onde mais fosse possível mobilizar o povo contra o regime militar.

“Menos de dois meses depois da derrota da emenda das diretas, em
junho, os governadores do PMDB lançaram o nome de Tancredo Neves à presidência. O PCdoB apoiou a iniciativa e logo se integrou na
campanha”, lembra o jornalista Pedro Oliveira, em biografia digital do histórico líder comunista, João Amazonas, que compõe o acervo da Câmara.

À frente do partido, Amazonas foi um dos principais defensores e articuladores da candidatura de Tancredo Neves para presidência da República, a ser decidida no Colégio Eleitoral em 15 de janeiro de 1985.

Inspirado por Amazonas, o PCdoB lançou o documento “Por que
os comunistas apoiam Tancredo”, no qual apontava: “Impunha-se à oposição indicar, sem mais demora, uma candidatura capaz de reunir o máximo de forças para derrotar, em qualquer circunstância, o esquema continuísta. (…) Recusar essa tomada de posição (…) é colocar-se à margem do processo político em desenvolvimento (…)”.

O documento continua dizendo: “Não há incompatibilidade em escolher um candidato da oposição e pleitear, ao mesmo tempo, eleições diretas. Tampouco se pode rejeitar de modo absoluto, na presente situação, a disputa no Colégio Eleitoral imposto pelo governo, se isto se fizer indispensável para obter vitória e para concorrer para a sua extinção”.

O jornalista Pedro Oliveira lembra, ainda, que “esse apoio, no entanto, não significava qualquer ilusão em relação ao candidato, que, do ponto de vista social, representava setores consideráveis das classes dominantes”.

Nesse sentido, se Tancredo sair vitorioso — continuava o documento citado pelo jornalista —, “não enfrentará a solução dos problemas de fundo da sociedade brasileira (…). O único compromisso é o do candidato com a nação de estabelecer a ordem democrática e adotar uma política de salva-guardas do interesse do povo. A posição dos comunistas visa somar esforços para pôr fim ao tenebroso regime arbitrário, conquistar a liberdade e a Assembleia Constituinte livre e soberana”.

Sabendo do desafio que seria vencer no Colégio Eleitoral — considerando a votação da Emenda Dante de Oliveira —, Tancredo “costurou uma aliança política capaz de acomodar diferentes forças que o apoiavam”, destacam as historiadoras Lilia M. Schwarcz e Heloisa M. Starling no livro “Brasil, uma biografia”. Faziam parte desse conjunto partidos como o PMDB, PDT, PTB e PCdoB, além de dissidentes do PDS, entre outros.

O candidato, seguem as historiadoras, “deu ao seu programa um tom de mudança de governo e não de ruptura do sistema político, mas manteve os três pontos considerados essenciais pela oposição para concretizar o projeto de redemocratização do país: eleições diretas em todos os níveis, convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte e promulgação de uma nova Constituição”.

A chapa do PMDB, Tancredo Neves-José Sarney, foi eleita por 480 votos, contra 180 da situacionista, formada por Paulo Maluf e Flávio Marcílio, ambos do PDS.

A morte de Tancredo

Apesar de ter sido eleito presidente, Tancredo não conseguiu tomar posse: sentindo fortes dores abdominais, foi internado na véspera da cerimônia, em 14 de março de 1985.

Na época, foi dito que ele sofrera complicações decorrentes de uma diverticulite. Mais tarde, soube-se que ele teve um leiomioma benigno, um tumor no intestino.

Incrédulo, o Brasil acompanhava cotidianamente a agonia do presidente eleito. Até que, após sete cirurgias e 39 dias de internação, veio a notícia que os brasileiros não queriam receber.

No dia 21 de abril de 1985, em rede nacional, o porta-voz, Antônio Britto, leu o seguinte comunicado: “Lamento informar que o excelentíssimo senhor presidente da República, Tancredo de Almeida Neves, faleceu esta noite, no Instituto do Coração [InCor], às 10 horas e 23 minutos [22h23]”.

Ao G1, José Sarney, que assumiu em seu lugar, destacou que “a morte de Tancredo foi o centro dos acontecimentos que levaram, naquele instante, o Brasil à maior comoção da sua história”.

Além do aspecto dramático e humano envolvendo o sofrimento do presidente, aquela notícia era mais um “anticlímax” — o primeiro fora a rejeição da emenda Dante de Oliveira — para a retomada da democracia, conquistada a tão duras penas.

Ainda assim, finalmente um civil assumiria a Presidência pela primeira vez em mais de duas décadas. Fernando Limongi e Leonardo Weller, no livro “Democracia Negociada: Política Partidária no Brasil da Nova República”, lembram que “a eleição da chapa Tancredo-Sarney selava o final da ditadura”.

Mas, ao mesmo tempo, os autores chamam atenção para a contradição deste fato: “a ditadura acabou por meio de um processo que envolvia apoiadores do regime, como Sarney, e cujas regras haviam sido estabelecidas pelos próprios ditadores, a começar pela votação indireta no Colégio Eleitoral. Entretanto, deve-se destacar que a disputa presidencial de 1985 foi, sim, um passo fundamental rumo à democracia. Para além da vitória de Tancredo, que sempre militara na oposição à ditadura, aquela eleição presidencial foi a primeira desde 1930 sem candidatos egressos das Forças Armadas (…)”.

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