O último abraço que não dei

Por Flávio Chaves*

Eu me lembro do dia em que nos vimos pela última vez. Lembro com uma nitidez que fere – o céu sem nuvens, o cheiro do café vindo da cozinha, um barulho qualquer de rádio ligado ao fundo. Lembro do teu rosto, cansado, mas ainda tentando me sorrir. E lembro, sobretudo, do silêncio tomado de interrogação: “Agora que faço eu da vida sem você?”.

Mal sabia eu que aquele dia se tornaria a cicatriz mais funda da minha vida. Eu te olhei, disse qualquer coisa simples, talvez “cuida de ti”. Ainda lembro do beijo rápido, mas com o peso da ternura dos que não querem se perder – e fui embora. A vida me levou como se tudo fosse continuar igual. Mas não continuou. Porque naquela manhã eu não te abracei. E não haveria outra chance.

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Desde então, tudo que existe dentro de mim caminha sem tua mão. E a vida – ah, essa vida – nunca mais aprendeu a seguir por nenhuma estrada. As calçadas ficaram maiores, os corredores da casa, mais vazios. O silêncio passou a fazer barulho. E por mais que eu me esforce, nada mais coube direito no peito depois daquele instante. Porque não foi um esquecimento. Foi a lembrança demais. Uma lembrança que pulsa como febre, como açoite, como música que insiste em tocar no mesmo acorde da ausência.

Se eu tivesse te abraçado, talvez tua ausência fosse menos árida. Talvez meu corpo lembrasse do teu calor por mais tempo. Mas não abracei. E o que ficou em mim foi o formato do teu corpo no espaço, vazio como uma moldura sem tela. Às vezes me pego com os braços suspensos no ar, como se o mundo fosse me devolver aquela chance – mas é só o vento. E o vento não acolhe. O vento não tem teu cheiro, tua pele, teu coração batendo perto do meu.

O cansaço dos que estão se despedindo. De ver olhos marejados indo embora, de mãos que não se repetem, de vozes que já não respondem mais. Há um cansaço que não é do corpo – é da alma exaurida do perder. É uma dor inexplicável que mora, silenciosa, no coração dos que estão perdidos, buscando um jeito de descobrir o caminho da volta, porque já não suportam essa trilha do nunca mais.

Hoje, o que me resta é te imaginar voltando, só por um instante, para eu enfim te apertar como nunca te apertei. Te dizer tudo o que o orgulho, o cansaço ou o cotidiano me impediram de dizer. Talvez você me olhasse com aquele olhar que sempre soube mais do que todos os meus gestos reunidos. E eu, sem dizer nada, te envolveria como quem segura o mundo. Porque, naquele último dia, você era o meu mundo – e eu deixei passar. Não por desamor. Mas por acreditar, tolo, que sempre haveria um próximo encontro.

Porque às vezes a dor da ausência não vem do que dissemos, mas do que deixamos passar despercebido – no gesto adiado, no olhar sem retorno, no toque que não demos. A vida corre, os dias se atropelam, e o que parecia rotina era, na verdade, um adeus disfarçado. E então percebemos tarde demais que o que se perdeu era tudo. E o que ficou, simplesmente não basta.

*Jornalista, poeta, escritor e membro da Academia Pernambucana de Letras

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