Inundação: a estratégia de Trump para desnortear mídia e oposição

A expressão “flooding the zone” (inundar a área) descreve uma estratégia deliberada de comunicação na qual uma enxurrada de anúncios e decretos é lançada de forma contínua, com o objetivo de saturar os canais de informação e deixar a oposição e a mídia atordoados. Essa tática, utilizada por Donald Trump desde sua posse, busca desorientar os críticos e criar um ambiente de confusão que dificulte a análise e a resposta coordenada dos adversários.

Jair Bolsonaro também aplicou esta estratégia da extrema-direita, causando efeito semelhante no Brasil. Todas as pautas, emendas, medidas provisórias ou decretos, assim como declarações públicas, eram sensacionalistas e polêmicas. Uma blitz-krieg de bombardeios informacionais que desorienta a reação e, portanto, a resistência social.

Afirmações misóginas, homofóbicas, racistas, obscenas ou escatológicas, frequentemente engajavam as redes sociais, a mídia e a esquerda, enquanto seguia sem obstáculos uma agenda de reformas trabalhistas, previdenciárias, privatista, desmontando as instituições do Estado. Todas pautas dignas de um grande protesto nas ruas, todas passíveis de grandes debates na imprensa. Mas ninguém tinha tempo ou capacidade de articulação para tantos absurdos simultâneos.

A orquestra trumpiana

Desde seus primeiros dias no poder, Trump tem feito uso intensivo dessa estratégia. Em sua posse, ele assinou 26 ordens executivas, retirou os Estados Unidos do Acordo de Paris e da Organização Mundial da Saúde, eliminou subsídios para carros elétricos, entre outras ações polêmicas. Mais recentemente, o ex-presidente voltou a gerar manchetes com propostas aparentemente absurdas, como comprar a Groenlândia, construir um resort na Faixa de Gaza ou acabar com o direito à cidadania para filhos de imigrantes ilegais.

Cada anúncio, independentemente de sua viabilidade, serve para inundar a mídia com informações que, na prática, dificultam a construção de uma narrativa unificada e a identificação do que realmente importa na agenda política.

Steve Bannon e a velocidade das bombas

Um dos criadores do trumpismo, o estrategista político Steve Bannon, é o responsável por afinar essa tática. Ele foi também um articulados estratégico por trás da comunicação do governo Bolsonaro. Em entrevista à TV americana, Bannon disse:

“O partido de oposição é a mídia. Eles são burros e preguiçosos e só conseguem focar em uma coisa de cada vez. O que precisamos fazer é inundar o terreno. Todo dia nós jogamos três coisas diferentes neles. Eles vão morder uma e a gente vai fazer as nossas coisas. Esses caras nunca vão conseguir se recuperar. Mas temos que começar com a mesma velocidade com que uma bala sai do cano de uma arma.”

Essas palavras ilustram como a estratégia visa tirar o foco dos adversários, que ficam ocupados reagindo a uma nova polêmica enquanto Trump segue com sua agenda – muitas vezes, sem sequer ter o poder para resolver os problemas anunciados.

Exemplos da tática no dia a dia

Nas últimas 24 horas, a tática de “flooding the zone” foi novamente demonstrada:

  • Tarifas e decretos surpresa: Trump anunciou tarifas para o aço e decretos para liberar canudinhos de plástico, enquanto simultaneamente repetia que seria o dono da Faixa de Gaza.
  • Acusações e contradições: Em meio a tais anúncios, o ex-presidente afirmou ter conversado com o presidente russo Vladimir Putin, sem oferecer detalhes, confundindo ainda mais a opinião pública.
  • Distração político-administrativa: O presidente também assinou decretos para demitir militares de carreira e acabar com a fiscalização de empresas americanas, ações que, embora questionáveis, desviam a atenção dos críticos sobre as políticas mais substanciais do governo.

Consequências para a mídia e a oposição

A estratégia tem se mostrado eficaz em desestabilizar a oposição, que encontra dificuldade para concentrar esforços diante de uma avalanche de informações. Como resultado:

  • Mídia saturada: Portais de notícias e jornalistas se veem obrigados a cobrir não apenas um, mas todos os atos diários de Trump, o que dificulta a distinção entre ações relevantes e meras manobras de distração.
  • Dificuldade em construir narrativas: O excesso de declarações e decretos torna quase impossível que a oposição formule respostas consistentes e coordenadas, fazendo com que questões importantes fiquem ofuscadas pelo ruído das provocações constantes.

Impacto na política e na ordem global

Embora muitas das declarações de Trump – como a possibilidade de anexar territórios estrangeiros – sejam improváveis de se concretizarem, elas têm um efeito real ao confundir tanto a população quanto aliados e adversários internacionais. Esse ambiente de incerteza pode afetar a credibilidade dos Estados Unidos e minar alianças estratégicas, enquanto a política interna sofre com a dispersão do debate e a erosão dos mecanismos de controle e transparência.

A tática de “flooding the zone” exemplifica o estilo de comunicação de Trump, que opta por inundar o debate público com uma série de anúncios bombásticos para manter sua base mobilizada e desviar a atenção dos problemas reais. Em um cenário onde cada dia traz uma nova polêmica, a dificuldade de diferenciar o que é relevante do que é mera fumaça compromete tanto a qualidade da informação quanto a capacidade da oposição e da mídia de exercer uma função crítica efetiva – um desafio que, nos próximos quatro anos, promete continuar a dominar o cenário político americano.

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