Após Assad, Síria quer mudança, mas espólio de armas aumenta risco de conflito 

Após 54 anos, a Síria, finalmente, está livre da família Assad. A guerra civil que começou em 2011, durante a chamada “primavera árabe”, durou 13 longos anos, e neste período o ditador Bashar al Assad matou mais de 500 mil pessoas, usou armas químicas, destruiu Aleppo, a segunda maior cidade da Síria, teve o país invadido pelo Estado Islâmico e, por pouco, não foi derrubado pelos rebeldes. Até que encontrou na Rússia de Vladimir Putin, o apoio bélico que precisava para manter-se no poder. 

Putin queria uma saída portuária no Mediterrâneo e Assad tinha o que ele queria: o Porto de Latakia. O estuário fica na região leste do país e tem o mesmo nome. Latakia é dominada pelos alauítas, grupo-étnico religioso que representa 15% do povo sírio, tem no total cerca de 3 milhões de pessoas. Até o dia 8 de dezembro de 2024, eram os alauítas que dominavam as estruturas de  poder no país. 

A família Assad pertence a esse grupo étnico, que se considera xiita. Vem daí a ligação político-religiosa de Assad com o Irã e o Hezbollah. Assim como a Rússia, o ditador sempre contou com o apoio dos aiatolás e do grupo terrorista libanês, o que garantiu que ele continuasse no poder.  No entanto, Israel colocou o Hezbollah de joelhos e matou todos os seus líderes na guerra contra o grupo xiita libanês, o que enfraqueceu Assad. 

Sem o Hezbollah no front, os rebeldes, com o apoio da Turquia, emergiram com força total contra Bashar. Uma ofensiva espetacular, que durou apenas 11 dias, foi capaz de desarticular o Exército Sírio rapidamente e levar à rendição e queda do regime. Sob a liderança do Hayat Tahrir al-Sham ou HTS (um grupo com raízes na Al Qaeda), outras facções rebeldes, a Turquia e as Forças Democráticas da Síria (com apoio dos Estados Unidos) se uniram para alcançar o que parecia impossível: derrubar o Ditador Bashar al Assad. 

Presidente deposto da Síria, Bashar Al-Assad | Foto: Reprodução

O colapso do regime sírio e suas forças militares, além de enfraquecer o Irã e o Hezbollah, significa também que todo poder bélico do ditador — quartéis, bases militares e depósitos de armamentos abandonados — está à disposição dos grupos que tomaram o poder. O fator é um perigo iminente para qualquer país que luta contra o terrorismo, mas principalmente para Israel, que faz fronteira com a Síria. O cenário representa uma ameaça real à existência do estado judeu, que temia essa possibilidade com a queda do ditador.

Quando caem os regimes ditatoriais como o de Saddam Hussein, no Iraque e Muammar Gaddafi na Libia, os armamentos são o grande espólio a ser disputado. No caso da Síria, há também equipamentos russos e iranianos à disposição, que vão desde navios, tanques de guerra, veículos blindados, aviões, helicópteros, sistemas de defesa antimíssil, equipamentos de alta tecnologia como radares além dos depósitos de armas químicas e mais o que houver. 

A possibilidade de uma guerra geral na Síria, de todos contra todos, poderá vir à tona em breve. A História já mostrou que boa parte desses armamentos tem alvo certo: Israel. Outro grande interessado nesse espólio é o Hezbollah. O grupo vê nesses depósitos a possibilidade do rearmamento imediato, e, com o apoio do Irã, poderia pagar milhões de dólares a grupos rebeldes radicais dispostos negociar. 

O colapso do regime sírio representa o fim do corredor livre para a transferência de armamentos iranianos para o Líbano, por isso, tanto o grupo terrorista como o Irã estão em busca de qualquer oportunidade para reabastecer seus depósitos de armas. Uma chance como essa não pode ser desperdiçada — no Oriente Médio, quando o assunto é defesa, não há tempo à perder. Israel entrou no jogo assim que Assad se foi, e numa sequência de ataques preventivos, vem bombardeando a Síria com ataque aéreos contra todo espólio bélico do ditador. Navios, portos, aeroportos civis e militares, depósitos de armas, tudo, absolutamente tudo que poderia ser usado por grupos terroristas contra o país, tornou-se alvo potencial das Forças de Israel. 

O exercito israelense também capturou o lado sírio do Monte Hermon, a montanha mais alta do país, com 2.814 metros de altitude. O local está a quarenta quilômetros de Damasco, a capital síria. No passado, os radares israelenses sofriam um ponto cego significativo no Hermon. O Irã, ciente dessa falha, infiltrava drones explosivos pelo Monte para atacar Israel. A partir de agora, com o domínio total do Hermon, os radares israelenses poderão ver longe e os ataques iranianos e do Hezbollah ficarão mais complicados. 

A queda de Bashar al Assad marca o eco final da primavera árabe, mas o futuro ainda é incerto para a Síria e seu povo. Por enquanto, apesar das disputas entre grupos rebeldes, os sírios ainda saboreiam a queda da família de déspotas sanguinários mesmo com a  fuga do ditador para a Rússia. Assad e seu pai deixaram o  país em ruinas após cinco décadas de terror. Milhões de sírios estão, neste momento, voltando para casa depois de mais de uma década vivendo em tendas como refugiados. Ninguém sabe como será a vida sem Bashar, o que se sabe é que sua ausência traz ares de oportunidade para o pais, e isso em si já é uma grande virada. 

O recomeço passa pela reconstrução de um país arrasado. Para que isso dê certo, a Síria terá de fazer novas alianças no cenário internacional, se distanciando da Rússia, Irã e grupos radicais. Ahmad al-Shaara (Abu Mohammed al Julani), o líder do HTS, está ciente do peso do cargo que já assumiu e da esperança de um povo que o colocou ali. O novo líder Sírio já fala como Chefe de Estado. Em seu primeiro discurso ele deixou claro que não vai impor a lei islâmica à Síria e muito menos estabelecer uma autocracia. 

Al Julani preservou as estruturas governamentais, indicou um novo Primeiro-Ministro interino, com data de entrada e saída no cargo, garantiu os direitos das minorias e preservou as instituições estatais. Ele ainda se posicionou contra as restrições aos direitos das mulheres e afirmou que é tempo de reconciliação nacional, iniciando uma série de conversas com as nações árabes. Al Julani pediu que as embaixadas em Damasco sejam todas reabertas e ainda surpreendeu ao acenar para uma conciliação do seu país com Israel. 

Toda essa movimentação faz parte de um esforço do agora ex-líder rebelde para estabelecer uma nova imagem e deixar pra trás a o jihadismo. Nesse contexto, nos últimos anos, al Julani recusou-se a formar alianças com Estado Islamico e renunciou á todas as conexões com a Al Qaeda, mudando até mesmo seu nome original. Durante as batalhas contra Bashar al Assad, al Shaara demonstrou humanismo enfatizando que os civis tinham que ser protegidos e não expostos aos conflitos. 

O novo líder sírio, em recente entrevista, procurou reforçar a imagem de um político moderado e pragmático, sinalizando para o mundo uma virada de 180 graus do seu país em direção ao Ocidente e às nações sunitas moderadas. A missão de Al Julani será longa e lenta, e deverá demorar anos até que tenha êxito. São inúmeros obstáculos pela frente. No entanto, ao enfraquecer os xiitas e buscar estabilidade regional para reconstruir o país, Al Julani acerta logo de saída e já demonstra que não vai medir esforços para trazer à tona uma nova Síria.

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