Governo baseado nas pessoas, e não nas leis e instituições, flerta com a tirania

O filósofo francês Montesquieu (1689-1755), no seu antológico livro “O Espírito das Leis”, inspirou as democracias modernas, iniciando com a Constituição dos Estados Unidos.

Consciente do perigo da concentração do poder nas mãos do governo, ele inovou dividindo o poder entre três instituições independentes com funções definidas: o Executivo, o Legislativo e o Judiciário.

Montesquieu (Charles Louis de Secondat), certamente conhecedor dos males das monarquias, que concentravam o poder nas mãos de um rei, idealizou sabiamente desconcentrá-lo para que o governo da nação não se baseasse na vontade das pessoas, mas na força das leis.

A divisão do governo nas três instituições funciona na prática como “check and balance” (freio e equilíbrio) a ponderar as decisões e defender a sociedade de erros e arbitrariedades humanas.

O sistema funcionou muito bem nas sociedades de populações com disciplina e tradição de respeito às regras como a Inglaterra e as suas ex-colônias: Estados Unidos, Canadá, Austrália e Nova Zelândia.

Nesses e alguns outros países que adotaram o direito britânico, que respeita a ordem, a tradição, o cidadão sente-se mais seguro para organizar a sua vida e administrar o seu patrimônio. O risco de uma arbitrariedade do “rei” está afastado.

A divisão dos poderes, como organização, não impediu que muitos países, não fiéis à ordem e tradição, ainda que adotem na Constituição a divisão montesquieana, a desvirtuassem na prática.

O culto à personalidade, o salvador da pátria, é um atributo mais presente nas culturas menos racionais. Basta observar como reagem nestas as massas frente a líderes carismáticos.

Nessas, as reações aos acontecimentos têm repercussões épicas, como ba tragédia grega. A morte de um líder — político, artista ou esportista — causa emoção nacional. Entre tantos casos, vale lembrar, com o devido respeito, a tragédia com a morte do piloto de Fórmula 1 Ayrton Senna, do político Tancredo Neves e outros.

Em contrapartida, os abusos de autoridade de um dos poderes ou a omissão de um deles são aceitos com naturalidade. Poucos se escandalizam com um autoritarismo ou uma omissão de um dos poderes.

Conspurcar a Constituição, desrespeitando a divisão dos poderes, é uma das piores formas de corrupção. Corrompe o desejo do cidadão de ter um governo baseado nas leis, nas instituições e valida o indesejado governo dos homens.

Nada a estranhar a leniência em uma sociedade onde a corrupção é generalizada. Em que todos são desonestos até prova em contrário, ao invés de todos serem honestos até serem condenados, como acontece nos países anglo-saxônicos.

As consequências é perdermos uma das bases fundamentais da democracia — a confiança entre os cidadãos e entre o governo e eles. O que alimenta uma profusão de leis e regulamentos, que inibem o empreendedorismo, fazem da vida do cidadão um inferno e ensejam o totalitarismo.

O totalitarismo pode ser identificado nas sociedades onde coexistem estes três clássicos sintomas: um líder carismático cercado de culto pessoal, a identificação do governo com o Estado e a sua recusa de aceitar a legitimidade da oposição ou a discórdia. 

O cidadão não tem assegurado os direitos fundamentais: à vida, à liberdade e o direito à sua propriedade.

É essa corrupção do modelo — em que prevalece a força das leis acima da vontade dos homens — que é geradora dessa insegurança jurídica existente no Brasil. Aqui, como se sabe, até o passado é imprevisível.

A corrupção nacional não se limita às coisas e valores. Estamos entre as nações que corromperam o conceito montesquieano de divisão dos poderes para proteger o cidadão, com o “check and balance”, com o culto às personalidades.

Um governo baseado, não nas leis, não nas instituições, mas nas pessoas, flerta com a tirania. Um povo que venera os salvadores da pátria, merece muito, mas não os direitos à vida, à liberdade, ao patrimônio, enfim a escolha da sua maneira de ser feliz.

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