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Concordo com Greta Thunberg, o mundo precisa de muito mais jovens mulheres raivosas, como ela disse ao rebater as provocações de Donald Trump, depois que o barco em que viajava com mais 11 ativistas, entre eles o brasileiro Thiago Ávila, foi interceptado ilegalmente por Israel em águas internacionais.
A sueca de 22 anos era a tripulante mais famosa do Madleen, a embarcação que buscava furar o bloqueio de Israel e entregar ajuda humanitária em Gaza, impedida pelo governo de Netanyahu. A missão faz parte das iniciativas da Freedom Flotilla, uma coalizão civil internacional pela autonomia palestina, que há menos de um mês teve outro de seus barcos bombardeado por um drone em Malta.
Greta se notabilizou por cobrar, ainda adolescente, uma atitude responsável da elite que governa o mundo diante da emergência climática. Ao contrário de líderes políticos como Trump, a garota amadureceu: mais recentemente sofisticou sua militância, incluindo a desigualdade na equação da crise climática.
Em outubro do ano passado, durante protestos em Milão para deter o genocídio palestino, Greta disse: “Se você como ativista pelo clima ainda não luta pela Palestina Livre, pelo fim do colonialismo e da opressão no mundo todo, então você não pode se dizer um ativista climático. Você não pode dizer que luta pela justiça climática se ignora o sofrimento de todos os povos colonizados e marginalizados, se não sai de sua zona de conforto para exigir o fim desse sofrimento como uma questão humanitária básica”.
Menos conhecido e uma grata surpresa para muitos brasileiros, comovidos com sua solidariedade e coragem, é o militante Thiago Ávila, preso em Israel depois da interceptação do barco – e o único a ser colocado em uma solitária, segundo sua advogada. Quatro militantes, entre eles Greta, foram deportados e os outros sete foram detidos, mas em celas padrão.
Segundo sua esposa, a psicóloga Lara de Souza, entrevistada pela Agência Pública, Thiago está sendo punido por ser um dos coordenadores da coalizão, o único que estava a bordo. A previsão era de que todos os detidos fossem deportados até quinta-feira – espero de coração que Thiago já esteja em segurança no Brasil nesta sexta-feira que você me lê.
Thiago é um ativista político e ambiental que aliou uma trajetória internacional em defesa dos direitos humanos, à promoção de mutirões agroecológicos em comunidades vulneráveis e à luta por moradia e justiça social no Brasil. Em 2021, foi preso duas vezes por resistir a despejos, segundo o UOL, um dos raros veículos de imprensa a apresentar um perfil, ainda que curto, do ativista.
Idealista, o ativista de 38 anos que nasceu em Brasília, criou o Movimento Bem Viver, inspirado na filosofia dos indígenas andinos, que prega uma vida em harmonia com a natureza e sem exploração. Defensor da justiça climática, do poder popular e da autogestão, concorreu duas vezes em mandatos coletivos pelo Psol no Distrito Federal. Durante a pandemia, Thiago também organizou um Mutirão do Bem Viver que arrecadou 450 mil reais para comprar alimentos de pequenos agricultores, distribuídos em cestas agroecológicas para 101 comunidades. Parece alguém perigoso ou fútil para você?
O governo de Israel chamou o barco da Freedom Flotilla de “selfie yacht” e ironizou a quantidade de suprimentos trazidos pelos ativistas com o objetivo de desqualificar a missão humanitária. Fez isso para encobrir seus crimes e ofuscar a repercussão desse evento profundamente simbólico – afinal, Israel conhece como ninguém o poder da propaganda.
Tanto é que não demorou a espalhar na imprensa simpatizante – incluindo grandes veículos brasileiros – que Thiago seria quase um terrorista por ter estado uma vez em um evento pró-Palestina no Irã e comparecido junto com dezenas de milhares de pessoas ao funeral de Hassan Nasrallah, líder do Hezbollah, e de outros ativistas mortos durante os bombardeios ilegais de Israel no Líbano.
Imagine se Benjamin Netanyahu e seus aliados, a começar pelo presidente Donald Trump e seus apoiadores, fossem classificados pela imprensa como genocidas por compactuarem com a destruição de Gaza e o assassinato de 55 mil palestinos, mais da metade mulheres e crianças, promovidos nos últimos 18 meses por Israel. Só imagine.
Greta, Thiago e outros ativistas que colocam seus corpos na mira dos militares israelenses para despertar a nossa consciência mereciam um tratamento melhor da imprensa que se diz defensora da democracia e dos direitos humanitários. Até o momento, ficamos sabendo mais sobre as críticas aos ativistas do que sobre sua luta.
Não é assim que o jornalismo vai contribuir para criar um mundo melhor.