Fábio Altman lança livro sobre Waldemar Zumbano, o “construtor” do boxeador Éder Jofre

Sabe-se, de Hollywood a Bollywood, que o cinema é uma subarte. Não no sentido de ser ruim, e sim de ser uma arte derivativa, que, para se colocar de pé, precisa de outras artes, como a literatura. Agora, e isto não é uma heresia, o boxe é uma arte, a verdadeira sétima arte.

O boxe, como sabiam Éder Jofre, Marvin “Marvelous” Hagler e Muhammad Ali, não é mera arte da troca de sopapos. Na verdade, os grandes boxeadores são “escultores de corpos”. Nas lutas, vão lapidando, digamos assim, os adversários. E todo boxeador de primeira linha, como os três citados, é um bailarino.

George Foreman no chão: nocauteado por Muhammad Ali | Foto: Reprodução

No boxe, nem sempre vence o mais forte. Por vezes, ganha o mais inteligente — o mais artístico, por assim dizer.

Em 1974, no Zaire, Muhammad Ali derrotou George Foreman — em termos físicos, muito mais forte — porque sua inteligência, uma inteligência rápida e sagaz, dotou seus punhos de uma força descomunal. O ex-Cassius Clay também “lutava” com a boca. Quer dizer, falava tanto de seus adversários, com o objetivo de “desmoralizá-los”, antes das lutas, que, quando chegava ao ringue, já era quase vencedor.

Nocautear George Foreman, a fortaleza americana, não era para qualquer um. Mas o Picasso do boxe, às vezes atacando como uma abelha, às vezes socando com um rinoceronte, levou o adversário à lona. O que provocou sua retirada, não apenas do ringue africano, e sim do boxe, ao menos por um bom tempo.

Por que o boxe atraiu o interesse de tantos escritores, como Jack London, Ezra Pound, Hemingway, Norman Mailer (autor de “A Luta”, sobre a batalha do Zaire) e, sim, Joyce Carol Oates (autora de um pequeno mas ótimo livro sobre boxe, editado nos Estados Unidos e em Portugal)?

Fábio Altman: redator-chefe da revista “Veja” | Foto: Beatriz Velloso/Veja

Porque escritores sabem que o boxe não é show de pancadaria — ao contrário do MMA. O boxe é arte, de uma finura ímpar.

A revista “Veja” conta com uma equipe de excelentes repórteres — investigativos ou não. Mas o grande repórter é Fábio Altman. No expediente, aparece como redator-chefe. Mas redator-chefe é, acima de tudo, um cargo. Na verdade, só há uma profissão no jornalismo: a de repórter.

Pois Fábio Altman é o mais brilhante dos repórteres da “Veja”. Por que publica reportagens “explosivas”, dessas de derrubar governos e arrancar pica-pau do toco? Não.

Como repórter, apura bem. Porém, valioso mesmo é que escreve muito bem, equilibrando-se na “corda” do repórter competente e do escritor que, de alguma maneira, é.

(Por sinal, Roberto Pompeu de Toledo faz falta à redação da “Veja”. É outro repórter notável, agora, com 78 anos, mais dedicado aos livros. Quem não gostaria de ler perfis dos três “oitentas” Gilberto Gil, Caetano Veloso e Chico Buarque escritos por Pompeu de Toledo e Ruy Castro? É hora de Maurício Lima convocá-los.)

As reportagens de Fábio Altman, de tão boas e prazenteiras, são quase “contos”, beirando, pois, à arte. Por isso, é o repórter-escritor adequado para escrever uma história do boxe no Brasil. Não, claro, a história toda — o que deveria fazer, adiante. Mas parte dela.

O comunista que fundou a nobreza do boxe no Brasil

Agora, para minha surpresa, Fábio Altman lança o livro “O Príncipe do Boxe” (Seja Breve, 88 páginas), biografia de Waldemar Zumbano, o Neno, tio do campeoníssimo Éder Jofre, o Galo de Ouro.

Poetas são juízes da língua e das palavras, sabe-se. Por isso, o poeta Paulo Bomfim concedeu um “título” de nobreza a Waldemar Zumbano, ou seja, o de “príncipe do boxe”. E assim ficou.

Li sobre o lançamento de “O Príncipe do Boxe” numa resenha de Felipe Branco Cruz, da revista “Veja” e, desde já, entrou para minha lista penelopiana de leituras, furando a fila.

Fábio Altman conta que, ao procurar Éder Jofre para uma conversa, percebeu que o boxeador, sofrendo lapsos de memória, parecia, de alguma maneira, “ausente”. Tanto que, confrontado com fotografias de suas lutas, quase não se lembrava delas.

Porém, quando o habilidoso Fábio Altman se apresentou como parente — neto de Waldemar Zumbano —, a fisionomia de Éder Jofre mudou, ganhando certa vivacidade. A memória do ex-lutador reavivou-se.

Éder Jofre: o maior boxeador da história do Brasil | Foto: Reprodução

Éder Jofre “tinha uma encefalopatia traumática crônica, causada pelas pancadas recebidas na cabeça”, assinala a “Veja”.

O livro de Fábio Altman é uma biografia da família dos Zumbano-Jofre — que, ao introduzir o boxe no país, criou uma nobreza da arte suave, ou relativamente suave.

Waldemar Zumbano era uma estrela do boxe e, ao mesmo tempo, da política.

Em 1930, o Rio Grande do Sul, com Getúlio Vargas, e Minas Gerais, com Antônio Carlos de Andrada, impediram a posse do presidente da República eleito, Júlio Prestes, e destituíram o presidente Washington Luís.

São Paulo reagiu firme contra o governo de Getúlio Vargas, que havia chegado ao poder pelas armas, e não pelo voto. Com armas nas mãos, os paulistas produziram o que ficou na história com o nome de Revolução Constitucionalista de 1932.

São Paulo perdeu a guerra — na qual lutou Waldemar Zumbano — e Getúlio Vargas, pré-ditador, saiu fortalecido.

Militante de esquerda, Waldemar Zumbano aderiu à Aliança Nacional Libertadora, uma frente de centro-esquerda contra o poder autoritário de Getúlio Vargas. O Partido Comunista Brasileiro (PCB) estava na comissão de frente da ANL, mas, do grupo, participavam também democratas não adeptos do comunismo.

Em 1937, com o golpe do Estado Novo, agora uma ditadura ferrenha, o governo de Getúlio Vargas começou a perseguir os adversários do regime. Entre eles estava Waldemar Zumbano, que teve de se esconder em várias cidades do interior de São Paulo.

Waldemar Zumbano e Éder Jofre: aristocratas da arte suave | Foto: Reprodução

Nas cidades interioranas, em ringues improvisados, Waldemar Zumbano lutava contra boxeadores locais. Adotou o codinome do boxeador austríaco Frank Eder (ou Éder).

Em 1936 (antes do Estado Novo, frise-se) nasceu um menino simpático, que mais tarde encantaria o mundo como se fosse uma espécie de Muhammad Ali mignon. Que nome conferir à criança? Os pais pensaram e se lembraram que Waldemar Zumbano usava o nome de Frank Eder. Ali, há 89 anos, nascia aquele que, anos depois, seria “nomeado” de Galo de Ouro — era Éder Jofre.

“Meu avô foi um pugilista comunista, ou comunista pugilista, dependendo da situação”, diz Fábio Altman.

Num regime autoritário, a ditadura de Getúlio Vargas começou em 1937 e só terminou em 1945 — a rigor, considero que a ditadura, ainda que mais leve, começou em 1930 (o Estado Novo foi, por assim dizer, o AI-5 do varguismo) —, Waldemar Zumbano foi preso várias vezes.

Na cadeia, deu aulas de boxe para, entre outros, o ensaísta, crítico de cinema e escritor Paulo Emílio Sales Gomes (que foi casado com a escritora Lygia Fagundes Telles).

Em 1964, com o golpe civil-militar que instaurou a ditadura, Waldemar Zumbano foi enquadrado no AI-1, no governo do general Castello Branco.

Entretanto, dada sua competência na arte suave, o designaram para a chefia da delegação olímpica de boxe que iria para Tóquio. Na hora agá, um militar — o perigo não era o general, mas o guarda da esquina, teria dito, no período do AI-5, o vice-presidente Pedro Aleixo — decidiu prendê-lo.

O presidente do Comitê Olímpico do Brasil, Sylvio de Magalhães Padilha, reagiu e o oficial decidiu liberar Waldemar Zumbano. “Ou o professor Zumbano viaja, ou o Brasil não irá para a Olimpíada.” O príncipe do boxe foi para a terra do Sol Nascente.

O “mestre” Waldemar Zumbano (morreu em 2004, aos 91 anos) contribuiu para a, digamos, “construção” do maior boxeador brasileiro de todos os tempos — Éder Jofre (morreu aos 86 anos, em 2022). Trata-se do Pelé do boxe. Merece, pois, o Éden que a biografia — e não hagiografia — escrita pelo grande Fábio Altman lhe confere.

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