Longo caminho da reforma tributária e as expectativas para o Brasil

Por Rafael Dantas
Da Revista Algomais

O caminho da Reforma Tributária é longo mas as expectativas são promissoras. Décio Padilha, auditor fiscal da Secretaria da Fazenda de Pernambuco e ex-secretário de Administração e da Fazenda do Estado, avalia que “o Brasil será outro a partir de 2033. Ele vai dar um salto”. A projeção foi feita durante o projeto Pernambuco em Perspectiva –Estratégia de Longo Prazo, uma iniciativa da Revista Algomais e da Rede Gestão, com patrocínio do Banco do Nordeste e do Governo Federal. A expectativa positiva está contabilizada também em cifras: um avanço adicional do PIB entre 12%, em um cenário mais conservador, e 20%, no quadro mais otimista.

O percurso para a aprovação da Reforma Tributária foi narrado por Décio Padilha que, na época, era presidente do Comsefaz (Comitê Nacional de Secretários de Fazenda, Finanças, Receita ou Tributação dos Estados e do Distrito Federal). Havia décadas de espera por um novo regime que interrompesse o que se convencionou chamar de “manicômio tributário”, o complexo sistema que muda constantemente em cada município e estado do País.

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Aprovar a Reforma Tributária era um sonho que parecia improvável, após décadas de espera e em um período de intensa polarização. O receio de perda de arrecadação e de tantos outros fatores foi superado por uma intensa articulação do Comsefaz, junto aos governadores, tendo como um dos protagonistas o economista Bernard Appy, que é o atual Secretário Extraordinário da Reforma Tributária. O cuidado com a medida estava concentrado especialmente nas mudanças sobre o ICMS que é o imposto responsável por uma média de 86% de toda a arrecadação dos estados.

Com a aprovação, em 2023, da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) nº 132/2023, o Sistema Tributário Brasileiro iniciou uma das suas mudanças mais significativas, especialmente no que diz respeito à tributação sobre o consumo. A nova estrutura prevê a substituição de quatro tributos – o PIS (Programa de Integração Social), a Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) e o ISS (Imposto sobre Serviços) – por dois novos: a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), de competência federal, e o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), de competência estadual e municipal.

Segundo Décio Padilha, a reforma teve como pilares a simplificação e padronização do sistema, com o objetivo de tornar a cobrança de tributos mais clara e eficiente para contribuintes e também para os governos. “O atual manicômio tributário, com a mudança constante de normas que, até quem é especialista, às vezes não entende, leva as empresas brasileiras a gastarem 44 mil horas por ano para declarar e pagar tributos”.

Um dos pontos centrais da reforma é a adoção do princípio do destino que estabelece a cobrança de impostos no local de consumo e, não mais, na origem. Essa alteração contribui para o fim da guerra fiscal entre os estados, uma prática comum para a atração de empreendimentos. A proposta também busca garantir maior segurança jurídica para empresas e investidores, além de enfrentar a regressividade do sistema atual – que penaliza proporcionalmente mais os que ganham menos. O grande desafio da construção desse novo cenário foi promover as mudanças sem provocar aumento da carga tributária total.

Por que a economia deve melhorar com a reforma?

O estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) sobre os impactos redistributivos da Reforma Tributária, realizado pelos pesquisadores Sérgio Gobetti e Priscila Monteiro, indicou que os investimentos do País devem crescer entre 20,3% e 25%, nos próximos 20 anos. Além disso, o consumo das famílias, um dos grandes contribuintes para a composição do PIB, deve ser elevado entre 12,6% (na hipótese conservadora) até 24,2% (na mais otimista). Os dados apontam ainda um crescimento das exportações entre 11,7% e 17,4%. Setores relevantes da produção nacional, como a indústria e a construção, podem ter saltos, respectivamente, de até 25,7% e 24,3%.

A simplificação das regras e a padronização proporcionadas pela Reforma Tributária já trará uma dinâmica que reduzirá muito os custos e o contencioso jurídico. Mas não é apenas essa maior eficiência no pagamento dos tributos que promoverá o grande crescimento econômico esperado para os próximos anos. Na análise de Décio, essa organização do sistema vai oferecer segurança jurídica que muitos fundos de investimento estão esperando para aportar recursos no País.

“O que trava investimento é a complexidade do sistema tributário. Uma má alocação de tributo acaba com qualquer negócio. Um efeito será, por exemplo, uma empresa que dirá que vem ao Brasil e não ao México, que é um país emergente, porque aqui temos uma legislação e três alícotas”, afirmou Décio. Ele comparou esse horizonte futuro com o atual, de 5.500 legislações que mudam todo dia e afugentam os fundos estrangeiros pela dificuldade de acompanhar, interpretar e aplicar o pagamento dos tributos.

Além da atração desses investimentos para o Brasil, outras consequências positivas da Reforma Tributária decorrem da melhor distribuição de recursos entre os entes da federação e o cashback,a devolução do imposto para o bolso do cidadão. “No momento em que o tributo será só sobre o destino, os estados mais pobres entram num processo de desconcentração de renda. Muita gente miserável do Sertão vai começar a ter acesso a emprego e renda. Segundo, quando devolvo dinheiro é significativo. Distribuir 100% do tributo de um botijão de gás para uma pessoa pobre, 100% do tributo de água e esgoto, de telecomunicações e energia elétrica é muita coisa”, afirmou Décio.

Durante o evento, o auditor destacou que se a Reforma Tributária sobre o consumo tivesse sido aprovada há 15 anos, cada brasileiro hoje ganharia um adicional de renda mensal de R$ 460. O efeito redistributivo sobre a receita líquida, por exemplo, com as novas regras, beneficiará 172 dos 184 municípios pernambucanos, segundo o estudo do Ipea. Ou seja, 93% das cidades do Estado terão receitas mais robustas até o fim do prazo para a implantação das mudanças. Entre as mais beneficiadas estariam Camaragibe e São Lourenço.

Um dos municípios que deve ter perda gradual de arrecadação é Ipojuca. Para os entes que devem ter perdas de arrecadação, há instrumentos compensatórios na transição para reduzir os impactos. Além disso, a expectativa do estudo é que o próprio crescimento econômico gerado pela reforma deverá atenuar a queda.

Como ficam os estados do Nordeste com o fim dos incentivos?

Uma das ferramentas que os estados do Nordeste tradicionalmente utilizam para garantir maior competitividade são os incentivos fiscais, que serão eliminados em 2033. Em substituição, porém, virão os Fundos de Compensação de Benefícios Fiscais, além do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional.

Os incentivos, que geravam a guerra fiscal entre os estados, ajudavam a compensar, por exemplo, o déficit de infraestrutura que o Nordeste tem em relação aos entes federativos mais industrializados, como São Paulo, Paraná e Santa Catarina. A ausência da Transnordestina, do Arco Metropolitano e, mesmo, da duplicação da BR-232 são alguns fatores que ilustram a dificuldade de atração de empreendimentos.

Até que o aumento futuro de arrecadação chegue e permita aos estados e municípios mais pobres realizarem investimentos que os tornem mais competitivos, Décio Padilha indicou dois caminhos que serão necessários nesse percurso. “O lado mais estrutural de combater a desigualdade regional da reforma foi muito diluído. Ela acontecerá em 49 anos, até 2077. Temos que trabalhar em dois eixos: controle fiscal, segurando o custeio, e utilizar as parcerias público-privadas para calibrar os investimentos. Mas os efeitos econômicos começaram a surtir efeitos da simplificação a partir de 2029 e muito forte em 2033”, destacou o auditor.

Quais os pontos de atenção para o futuro?

A reforma passou na votação do Congresso, mas há um conjunto de regulamentações ainda a ser aprovado que merece atenção. De todos, Décio Padilha destacou o Projeto de Lei Complementar 108. “Temos que colocar a lupa nele. Ele pode dar uma curva complicada. Ele regulamenta a distribuição de recursos dos estados, o contencioso administrativo e judicial e o aproveitamento do crédito. O PLP 108 é ainda o responsável por toda organização do Comitê Gestor.”

O Projeto de Lei Complementar (PLP) 108/2024, tem como objetivo justamente regulamentar aspectos centrais da Reforma Tributária aprovada, com foco na nova estrutura do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços). A proposta institui o Comitê Gestor do IBS (CGIBS), órgão responsável por coordenar a arrecadação e a distribuição da receita do imposto entre a União, estados e municípios. Além disso, o PLP define critérios para a partilha dos recursos arrecadados. Após passar pela Câmara Federal, o projeto está tramitando no Senado.

Décio Padilha ressaltou ao longo da palestra a importância do Fundo de Desenvolvimento Regional e do Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais para equilibrar o jogo entre as empresas do Sudeste e do restante do País, como as do Centro-Oeste e do Nordeste. Segundo o ex-secretário, é fundamental assegurar que esses fundos realmente sejam abastecidos com os bilhões prometidos, sob o risco de desequilíbrio federativo e concentração de investimentos nas regiões já mais favorecidas.

Embora a aprovação da Reforma Tributária represente um marco histórico e promissor para o Brasil, Décio Padilha ressalta que o sucesso de sua implantação dependerá da atenção contínua aos detalhes regulatórios e da efetiva operacionalização dos mecanismos de compensação regional. De acordo com o consultor Francisco Cunha, que realizou a palestra sobre a pesquisa que fomenta as discussões do Pernambuco em Perspectiva, o debate sobre a Reforma Tributária está relacionado à “gestão pública eficaz”, item considerado fundamental pelo projeto para alavancar um novo ciclo de desenvolvimento em Pernambuco. Essa agenda articula-se com outros pontos importantes, como o “empreendedorismo dinâmico” e a “ciência, tecnologia e inovação”.

O equilíbrio das contas públicas e a eficácia da gestão são alguns dos aspectos em destaque, por exemplo, do Ranking da Competitividade, elaborado pelo CLP – Centro de Liderança Pública. “Uma das evidências de que o modelo de desenvolvimento de Pernambuco se esgotou é o que o Estado ficou na 19ª colocação e o que mais perdeu posições relativas. Neste momento, estamos sob a demanda de avançar num amplo debate na sociedade que permita ajudar a formular um outro modelo sintonizado com os novos e exigentes desafios da atualidade”.

Para traçar esse novo horizonte para o Estado e construir os novos planos, programas e projetos, Francisco Cunha tem reforçado a necessidade de atuação conjunta entre a sociedade, o governo e a academia. O encontro teve a mediação do sócio da TGI, Fábio Menezes, e a participação do superintendente do Banco do Nordeste, Hugo Queiroz. Confira a cobertura completa do projeto e faça a inscrição para os próximos encontros no site pernambuco.algomais.com

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