A carta da Princesa Isabel para o Visconde de Santa Victória
Paço Imperial, 11 de agosto de 1889
Caro Senhor Visconde de Santa Victória
Fui informada por papai que me colocou a par da intenção e do envio dos fundos de seu Banco em forma de doação como indenização aos ex-escravos libertos em 13 de maio do ano passado, e o sigilo que o Senhor pediu ao presidente do gabinete para não provocar maior reação violenta dos escravocratas.
Deus nos proteja dos escravocratas e os militares saibam deste nosso negócio, pois seria o fim do atual governo e mesmo do Império e da Casa de Bragança no Brasil.
Nosso amigo Nabuco, além dos srs. Rebouças, Patrocínio e Dantas, poderem dar auxílio a partir do dia 20 de novembro quando as Câmaras se reunirem para o início do ano Legislativo. Com o apoio dos novos deputados e os amigos fiéis de papai no Senado será possível realizar as mudanças que sonho para o nosso Brasil.
Com os fundos doados pelo Senhor teremos oportunidade de colocar estes ex-escravos, agora livres, em terras suas próprias, trabalhando na agricultura e na pecuária e dela tirando seus próprios proventos, realizando uma grande e verdadeira reforma agrária a quem é de direito.
Fiquei mais sentida ao saber por papai que esta doação significou mais de 2/3 da venda dos seus bens, o que demonstra o amor do Senhor pelo nosso Brasil. Deus proteja o Senhor e toda sua família para sempre!
Foi comovente a queda do Banco Mauá em 1878 e forma honrada e proba, porém infeliz, que o senhor e seu tão estimado sócio, o grande e mui querido Visconde de Mauá aceitaram a derrocada, segundo papai tecida pelos maldosos ingleses de forma desonesta e absolutamente corrupta. A queda do Sr. Mauá significou uma grande derrota para o nosso Brasil.
Mas não fiquemos mais no passado, pois o futuro nos será promissor, se os republicanos e escravocratas nos permitirem sonhar e realizar mais um pouco. Pois as mudanças que tenho em mente, como o Senhor já sabe, vão além da liberação dos cativos e que seus sustentos sejam realizados de forma honrosa.
Quero agora me dedicar a libertar as mulheres dos grilhões do cativeiro doméstico, e isto será possível através do Sufrágio Feminino!
Se a mulher pode reinar também pode votar!
Agradeço vossa ajuda de todo coração e que Deus o abençoe!
Mando minhas saudações a Madame La Vicomtesse de Santa Vitória e toda a família.
Muito de coração
Isabel

Monarquia libertou escravizados e republicanos ganharam o poder
Afinal, a princesa Isabel (1846-1921) foi, de fato, a Redentora ou uma aproveitadora? O título de Redentora decorre de ter assinado a lei Áurea no dia 13 de maio de 1888 — há 137 anos —, dando fim ao nefasto período escravocrata no Brasil.
Naquele dia, o Barão de Cotegipe, um dos seis senadores que votaram contra a promulgação da lei que libertou os escravizados, disse à princesa: “Vossa majestade acaba de redimir uma raça, mas perdeu o trono”.
Quinze meses depois, em 15 de novembro de 1889, as palavras do Barão se tornaram realidade para a família real com o golpe da Proclamação da República, que acabou extinguindo o Império do Brasil e expulsando os Bragança do país.
É claro que, abolir a escravidão, Isabel, a Redentora, tirava do Brasil, o peso de país escravocrata, mas, por outro lado, nem ela, o Senado e os abolicionistas de plantão da época se preocuparam em dar o devido respaldo aos ex-escravizados para que pudessem recomeçar a vida como homens livres.
Não houve indenização e nem condições como moradia, educação, emprego, salário…. nada.
Do período colonial, ainda nos anos 1500, até 1888, o Brasil recebeu mais de 6 milhões de africanos que chegaram aqui como escravos. O escravismo, que durou mais de 350 anos — com uma brutalidade selvagem, travestida de civilização —, teve participação em todos os ciclos econômicos do país.
O legado escravocrata acabou condicionando a sociedade brasileira — a política, economia e a sociedade. Tudo aquilo que se produzia no país tinha a escravidão como base, desde o sistema de trabalho ao desenvolvimento da economia. As questões sociais envolviam de alguma forma o aparato escravocrata.
Os historiadores ainda divergem sobre quais foram as reais intenções da princesa Isabel ao lutar pela aprovação da Lei Áurea.
A única certeza de todos é que o ato da assinatura, em 13 de maio de 1888, teve profundas consequências para o Brasil até os dias atuais. E não apenas para os negros que conquistaram sua liberdade, mas para a sociedade escravocrata que formava a elite política do Império.
A assinar a Lei Áurea, Isabel detonou as estruturas que mantinham em pé a Casa Real do Brasil. Afinal quem mandava no dinheiro eram os escravocratas — os produtores rurais (de café, por exemplo) — que, insatisfeitos com o ato da princesa, acabaram sinal verde aos militares e republicanos para derrubarem o Império. O imperador Pedro II e Isabel eram populares, mas o sentimento republicano havia se tornado forte e incontornável.
Os produtores e empresários do café, a elite econômica, retiraram a sustentação política da Monarquia, que caiu facilmente, sem nenhuma reação.
Vale a pergunta: Isabel teve “muita” coragem ou lhe faltou bom senso ao assinar a Lei Áurea? Faltou aos gestores da Monarquia — a princesa, por certo, não decidia tudo sozinha — cálculo político, o entendimento de que estavam dando, em definitivo, um tiro, não no pé, e sim no coração?
A história sugere que sim. A própria princesa chegou a dizer que foi “um impulso do coração”. Porém, ao mesmo tempo, os conservadores diziam que a futura rainha do Brasil não teria sido perspicaz ao jogar a classe agrária-escravocrata no colo dos republicanos.
Havia uma grande antipatia dos escravocratas com o Conde D’Eu, marido da princesa, que era francês. Acreditava-se que o reinado (que morreu na praia da nobreza) de Isabel teria grande influência do futuro rei consorte, que não era nada popular.
Dizer que a Abolição foi a causa única do fim do Império do Brasil é dar grande valor ao ato humanista da princesa (e, sim, é preciso valorizá-lo) do ponto de vista político.
Mas pode-se sugerir que, sim, foi uma das questões que deram fim à coroa brasileira. O fato é que, bem antes da terceira e última regência de Isabel, poucos no Brasil daquela época acreditavam que seria uma sucessora à altura de dom Pedro II.
A coroa estava em risco, e no meio do caos surge a Guarda Negra, montada e pensada a partir de ideais do abolicionista José do Patrocínio, e tinha como objetivo, por meio das maltas de Capoeira, atrapalhar os comícios republicanos que se espalhavam pelo Império com discursos inflamados baseados nos ideais da Revolução Francesa que, em 1889, havia completado cem anos.
Não se sabe se Isabel era a favor da Guarda Negra, mas é certo que não só a população negra e indígena daquela época era monarquista. Os indígenas porque só a coroa poderia defendê-los dos Bandeirantes contra a escravidão. A população negra porque sempre esperou do alto a tal redenção que os libertaria.
A República não deu nenhuma garantia de que, com o fim do Império, os escravizados não deixariam de ser livres. O fato é que Abolição da escravidão no Brasil e o movimento abolicionista foram abafados com a Proclamação da República.
No início deste texto está transcrita a carta que hoje está em exposição no Museu Imperial de Petrópolis, no Rio de Janeiro, da Princesa Isabel ao sócio do Barão de Mauá, onde agradece os esforços para a continuação do projeto abolicionista, o que acabou não acontecendo como previu, de certa forma, a princesa.
Apesar da caligrafia ser da princesa, muitos historiadores discutem a autenticidade do documento que, desde que foi encontrado entre outras cartas do arquivo do Visconde de Mauá, ninguém sabe se foi Isabel a autora da carta que prova o interesse da futura rainha do Brasil na compensação histórica aos ex-escravizados — que a República, por sinal, deixou para trás, como retardatários da expansão capitalista no país.
O post Carta sugere que a princesa Isabel queria, pós-Abolição, incluir os escravizados na sociedade apareceu primeiro em Jornal Opção.