“Ciao” foi a crônica de despedida do poeta Carlos Drummond de Andrade, cuja publicação se deu no Jornal do Brasil em 29 de setembro de 1984. Ele, no entanto, faz questão de deixar claro que “escrever é sua doença vital” e que assim daria apenas um tempo na obrigatoriedade da escrita, mas “sem se despedir do gosto de manejar a palavra escrita”. O bardo mineiro menciona também que a “crônica é território livre da imaginação, empenhada em circular entre os acontecimentos do dia, sem procurar influir neles”.
O que conto agora, pode acreditar, altaneiro leitor, está de certo modo em consonância com as palavras de Drummond. Verdade seja dita: nunca ocorre de não se acrescentar um ponto a um conto. Quem é escrevinhador sabe bem do que estou falando. O exagero dos pontos é que pode o ocasionar influência nos acontecimentos, alterando-lhes a face exata. Posso assegurar que não há botox no que conto.
Pois bem. Descendo de elevador com uma vizinha de prédio, puxei conversa e perguntei-lhe como havia sido as comemorações do Dia das Mães. Foi a pergunta que me veio para ir além do formal “bom dia”. Sempre troco ideia com ela, e plantas são o assunto predominante entre nós. Quando ela morava numa casa, conforme me disse, tinha muitas plantas em seu jardim. Me disse que gostava de todas as plantas, mas que tinha um amor especial por uma roseira de flores amarelas, pois veio de uma muda que retirou do jardim de sua mãe. Os filhos, no entanto, resolveram convencê-la a morar num apartamento para sua maior segurança, haja vista que morava sozinha.
“A comemoração do Dia das Mães para mim tem sido igual nos últimos anos depois que fiquei viúva. Um dos meus três filhos passa na minha casa e me leva para almoçar em algum restaurante onde os outros também vão.” Segundo ela, quando seu marido era vivo, ela tinha uma companhia constante. “Não podemos contar com os filhos, pois têm sua a própria família, só que os meus filhos pecam muito nesse sentido”. Diante do seu relato de descontentamento com os filhos, pensei que eu deveria ter feito outra pergunta. Mas, porém, todavia, contudo… Achei que seria uma resposta fácil dela, algo como “foi ótimo”, e assim chegaríamos no andar térreo e cada um tomaria um rumo: eu rumo ao meu carro e assim me dirigir ao trabalho, ela certamente para algum comércio nas redondezas.

Eu inclusive conheço uma filha dela. Trabalhamos numa mesma empresa estatal durante dois anos. Num encontro que tivemos na porta do meu prédio, ela me disse que sua mãe era a fulana de tal e que morava também no edifício. Ela e eu não nos tornamos amigos, mas colegas de colegas de trabalho. Inclusive nos seguimos nas redes sociais. Ele não tem de dificuldades em suas postagens, pois praticamente só divulga a si.
E não é que a foto da festa de comemoração do Dia das Mães da minha vizinha apareceu na timeline do meu Instagram, e com direito a legenda: “A ela, minha mãe”. Não sei se era legítima a alegria em todos os componentes da foto: os dois filhos, a filha, noras e genro e netos. O semblante de minha vizinha destoava do clima festivo dos demais. Talvez estivesse alguma indisposição física ou psicológica.
Dia das Mães é a comemoração mais badalada depois do Natal. Ambas preciosíssimas para os comerciantes. Copiando os Estados Unidos, que oficializou em 1914 a comemoração do Dia das Mães no segundo domingo de maio, o Brasil instituiu a data em 1932. A americana Anna Jarvis foi a mulher que fez surgir a celebração do Dia das Mães em seus país, em homenagem à sua mãe, Ann Jarvis, a qual lutou para que as mães tivessem o seu trabalho em várias atividades reconhecido. Era uma ativista. A invasão comercial na data degradou o propósito da ideia de Anna. Fato que a deixou aborrecida.
Sinésio Dioliveira é jornalista, poeta e fotógrafo da natureza
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