Indústria automobilística amarga prejuízos bilionários com tarifaço de Trump

As principais montadoras globais iniciaram a divulgação de seus resultados do primeiro trimestre de 2025 com um diagnóstico comum: as tarifas de 25% impostas pelos Estados Unidos sobre veículos e autopeças estão provocando uma reconfiguração drástica no setor automobilístico. Ford, Toyota, Tesla, Volvo e BMW reportaram perdas bilionárias, retração nas vendas e demissões, em meio ao aprofundamento da guerra comercial lançada pelo presidente Donald Trump.

Em vez de proteger a indústria norte-americana, o tarifaço expôs suas contradições: encareceu os modelos mais acessíveis, pressionou os empregos e fragilizou as exportações.

Desde abril, com a entrada em vigor das novas tarifas, o setor automotivo passou a enfrentar uma alta repentina de custos operacionais. O impacto foi imediato: a Ford repassou até US$ 2.000 aos preços de modelos como o Mustang Mach-E, Bronco Sport e a picape Maverick, todos produzidos no México. A empresa estima um prejuízo de US$ 2,5 bilhões em 2025 decorrente das tarifas, valor que tenta mitigar com cortes de custos e programas de desconto vigentes até o feriado de 4 de julho.

A Toyota projeta uma queda de 21% em seu lucro anual, com perdas superiores a US$ 6 bilhões somando-se os efeitos tarifários e cambiais. Apenas nos meses de abril e maio, a montadora calcula um custo direto de US$ 1,23 bilhão com tarifas. Além disso, o dólar enfraquecido diante da instabilidade comercial reduziu os lucros convertidos das operações norte-americanas, o que comprometeu o desempenho global do grupo.

A instabilidade provocada pela guerra tarifária forçou montadoras a suspender projeções financeiras, reavaliar investimentos e adiar lançamentos. Especialistas ouvidos pela Reuters alertam que o ambiente de incerteza pode levar a uma retração de até 1 milhão de veículos nas vendas anuais nos EUA, caso as tarifas se mantenham. A leitura unânime entre os balanços do setor é que a política comercial adotada pela Casa Branca desequilibrou cadeias produtivas já tensionadas.

Ao contrário do prometido pelo governo Trump, não há sinal de que as tarifas tenham impulsionado a produção doméstica. A alta nos custos logísticos e a escassez de insumos intensificam os problemas herdados da pandemia, agora agravados por uma ofensiva comercial que isola os Estados Unidos de seus principais parceiros.

Lucros evaporam e montadoras correm para conter os danos

A Tesla viu suas vendas de veículos produzidos na China caírem 6% em abril, e as entregas despencaram 25,8% em relação ao mês anterior. Os modelos Model 3 e Model Y, fabricados em Xangai e exportados para a Europa, foram diretamente atingidos. A marca também enfrenta rejeição crescente em mercados centrais da União Europeia, onde consumidores associam a figura de Elon Musk a posições políticas de extrema direita. No mercado interno, a imagem da empresa também sofreu abalos com protestos e boicotes.

Com retração nos dois principais mercados, a Tesla intensificou sua estratégia de diversificação e busca acelerar sua entrada em países como Índia e Arábia Saudita, onde montadoras chinesas também expandem presença. A produção de uma versão mais barata do Model Y em Xangai, prevista para 2026, é uma das principais apostas para preservar competitividade.

A sueca Volvo, controlada pelo grupo chinês Geely, anunciou a demissão de 125 funcionários em sua fábrica de Ridgeville, na Carolina do Sul — 5% da força de trabalho da planta. Embora não tenha vinculado diretamente os cortes ao pacote global de redução de custos de US$ 1,88 bilhão anunciado no primeiro trimestre, a montadora citou explicitamente as tarifas impostas pelos EUA como fator que inviabiliza a manutenção do quadro atual.

A unidade norte-americana da Volvo ainda opera com baixa capacidade: apesar de projetada para fabricar até 150 mil carros por ano, hoje produz apenas o SUV elétrico EX90 e o Polestar 3, com a maior parte das vendas ainda abastecida por importações da Europa. Nos primeiros quatro meses do ano, apenas 1.316 unidades do EX90 foram vendidas nos EUA.

Lobby e exceção: uma montadora otimista em meio ao caos

Na contramão do pessimismo do setor, a BMW manteve sua previsão para 2025 e aposta em um recuo parcial das tarifas a partir de julho. A empresa afirma estar em negociação direta com autoridades norte-americanas e acredita que sua posição como maior exportadora de carros a partir dos EUA dê peso às reivindicações. Com 43 mil empregos diretos e indiretos gerados por suas operações na Carolina do Sul e um impacto de US$ 26 bilhões na economia local, a BMW sustenta que seu “peso econômico” será levado em conta na política tarifária.

O otimismo da montadora alemã contrasta com a postura das concorrentes Mercedes-Benz, Ford e Stellantis, que preferiram retirar suas projeções para o ano. A BMW, no entanto, admite que o desempenho pode ser afetado caso as tarifas se prolonguem além do previsto. Seu lucro operacional no primeiro trimestre foi de 2,02 bilhões de euros, com margem de 6,9%, superando as expectativas do mercado.

Em nota, a empresa incluiu a ressalva de que gargalos logísticos e escassez de peças continuam a ameaçar o cronograma de produção. Apesar disso, a manutenção das metas foi bem recebida por investidores e considerada um sinal de estabilidade institucional em meio ao turbilhão tarifário.

Tarifas não salvam empregos e expõem contradições do nacionalismo econômico

Apesar do discurso de reindustrialização, as tarifas não estão revertendo a lógica global de produção. A Ford segue importando do México, a GM depende da Coreia do Sul, e a Volvo abastece os EUA com carros fabricados na Europa. O que se observa é o aumento de preços ao consumidor final, incerteza nas cadeias logísticas e suspensão de projeções para o restante do ano. A Toyota, por exemplo, calcula perdas bilionárias com as flutuações cambiais e os custos adicionais impostos ao transporte de peças.

As tarifas também não têm poupado os trabalhadores dos EUA. O corte anunciado pela Volvo ocorre justamente em uma planta norte-americana, em um estado-chave para o partido Republicano. A Ford manteve a produção em plantas estrangeiras e optou por reajustar os preços ao consumidor, em vez de nacionalizar a produção. Mesmo a Tesla, tida como símbolo da inovação tecnológica local, depende da China para abastecer seus mercados europeus.

Ao mesmo tempo, os custos elevados têm sido repassados à base da cadeia: fornecedores, terceirizados e consumidores. A medida reforça a tendência de estagnação no poder de compra e fragiliza a retomada do consumo interno nos EUA. Com o PIB em retração no primeiro trimestre, analistas começam a revisar para baixo as projeções para o restante do ano.

China, Oriente Médio e Índia entram no radar da indústria

Com o cerco tarifário nos EUA e instabilidade regulatória na Europa, montadoras voltam-se a novos mercados. Tesla e BYD articulam expansão na Índia e no Golfo Pérsico. A produção em massa de uma versão mais barata do Model Y está prevista para Xangai em 2026. Em vez de reverter a globalização, o tarifaço parece acelerá-la por outros caminhos.

Na disputa por espaço nos chamados mercados emergentes, as marcas chinesas têm levado vantagem, com presença consolidada e incentivo estatal. A BYD, por exemplo, aumentou em 19,4% suas vendas globais de veículos de passageiros em abril, totalizando 372.615 unidades no mês. A estratégia agressiva em preços e a diversificação tecnológica desafiam as líderes tradicionais.

Nos próximos meses, o setor deve continuar a reorganizar suas cadeias produtivas. A tendência é que montadoras passem a considerar o fator geopolítico em suas decisões industriais, favorecendo países que garantam estabilidade cambial, acesso a matérias-primas e acordos comerciais menos voláteis.

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