Reportagem originalmente publicada em 7 de julho de 2024
Arquitetura é a disciplina que se dedica à organização do espaço onde o ser humano vive. Refere-se principalmente ao projeto e construção de edifícios ou ambientes construídos. Combina aspectos técnicos e artísticos, juntamente com estilos e métodos de projeto das construções de uma época.
Definir arquitetura, entretanto, é complexo, pois a disciplina sempre esteve presente na cultura, adquirindo características, definições, funções e aspectos espaciais e construtivos variados e, muitas vezes, conflitantes de civilização para civilização ou de época para época.
A principal função dos arquitetos é transformar e projetar ambientes com o objetivo de melhorar a qualidade de vida das pessoas que os frequentam, manipulando tamanhos, cores, iluminações, acessos, tudo o que compõe os cenários. Equilibrar a qualidade de vida humana com a preservação do meio ambiente é um dos grandes desafios da arquitetura.

Influência Art Déco na arquitetura de Goiânia
A construção de Goiânia foi marcada pelo desejo de modernidade. Nesse contexto, a cidade surgiu no meio do vasto cerrado brasileiro como um oásis de modernidade e elegância. Suas ruas arborizadas e prédios históricos mostram uma forte influência do estilo Art Déco, adicionando glamour e sofisticação ao cenário urbano.
O movimento Art Déco, que floresceu nas décadas de 1920 e 1930, é conhecido por sua estética distinta, combinando formas geométricas, linhas elegantes e detalhes ornamentais. Originado na Europa, esse estilo artístico rapidamente se espalhou pelo mundo, deixando sua marca em diversas cidades ao redor do globo. A Art Déco influenciou artes, moda, cinema, arquitetura e design de interiores, caracterizando-se pelo uso de formas geométricas, ornamentos e design abstrato.

Quando Attilio Corrêa Lima projetou Goiânia, ele havia recém-retornado de Paris, onde estudou urbanismo. Essa influência é evidente nos conceitos aplicados em muitos dos edifícios que hoje compõem o centro da capital. A preservação do patrimônio arquitetônico de Goiânia, com o tombamento de 22 itens, entre edifícios em estilo Art Déco e o traçado urbano dos núcleos pioneiros, foi crucial para a memória e história cultural da cidade, além de proteger aspectos significativos da arquitetura e do urbanismo local.
Desde sua fundação na década de 1930, Goiânia sempre se destacou por sua arquitetura. As construções em estilo Art Déco atraíram atenção. Nos últimos anos, porém, o design moderno dos prédios tem se sobressaído no cenário urbano da capital de Goiás.
Goiânia é agora reconhecida também como a cidade dos arranha-céus construídos nos últimos 20 anos. Os goianienses, que antes conviviam com edifícios baixos, hoje se deparam com construções de 40 ou mais andares. A arquitetura contemporânea considera esses prédios importantes para o cenário atual, tornando-se referência para o restante do país. É essencial que esses novos edifícios contribuam para a beleza da cidade.

Entre os destaques da nova arquitetura está o maior prédio da capital – o Órion Business & Health Complex. Com impressionantes 190 metros de altura, 50 níveis e 44 andares, esse arranha-céu moderno e espelhado inclui um shopping, um polo gastronômico, um hospital, clínicas médicas e um hotel. Sua imponência faz com que seja impossível não o notar no horizonte da cidade.
Para compreender melhor essa nova fase da arquitetura de Goiânia, o Jornal Opção ouviu arquitetos. Eles discutiram essa nova visão e exploraram a ideia de uma fusão entre o Art Déco e as novas edificações verticais.
Para o renomado arquiteto e urbanista Leo Romano, a nova arquitetura visível na capital não tem um nome característico, mas pode ser denominada arquitetura contemporânea. Ele acrescenta que esse modelo não vem de uma escola específica: “Essa arquitetura verticalizada não segue a linha do modernismo brasileiro, isto é um fato. Na verdade, há uma ruptura com esse modelo, pelo menos é o que tem sido feito em Goiânia. São prédios com características internacionais, com formas mais aerodinâmicas, uso de superfícies envidraçadas, e que podem ser contemplados em qualquer parte do mundo”, cita.

Leo Romano explica que o que está acontecendo não é a substituição do Art Déco na capital; o problema é a falta de manutenção do patrimônio. “Na minha avaliação, Goiânia tem pouco potencial turístico e a preservação do Art Déco seria uma maneira valiosa de apresentar a cidade. Contudo, mais do que a substituição desse modelo por grandes prédios, estamos vendo as próprias ações do poder público contribuindo para a deterioração da arquitetura inicial”, salienta. Romano cita como exemplo a implantação de pontos de ônibus do BRT na Avenida Goiás. “Isso acaba prejudicando completamente o acervo Art Déco, que está degradado”, diz.
É possível observar a arquitetura nos arranha-céus, diz Leo Romano. “A arquitetura pode ser observada em qualquer lugar. Aliás, a qualidade da arquitetura não está ligada à sua dimensão, sendo assim, ela está presente desde o micro até o macro empreendimento. Contudo, é claro que temos prédios de muita qualidade e outros de baixa qualidade”, exemplifica.
Leo Romano rebate os críticos desse novo modelo, que dizem não haver a presença da arquitetura nesses arranha-céus. “Existe a boa arquitetura e a má, como em todos os segmentos. Temos bons e maus exemplos na mesma cidade”, frisa.
O modernismo brasileiro é um dos mais importantes do mundo, diz ele. “O que estamos vivenciando não é uma tendência, mas um momento que vem sendo trabalhado. Percebo que existe um movimento forte de valorização da arquitetura brasileira que contempla os traços do modernismo”, avalia.
Na concepção do arquiteto Arnaldo Mascarenhas Braga, a arquitetura é uma obra de edificação que se propõe a ir além de um mero abrigo. Ela possui um propósito, seja de preservação patrimonial, ambiental ou histórica, ou um apelo à evolução tecnológica, social, estética, de conforto e racionalidade de uso, com inteligência palpável e física, que avança e perdura ao longo do tempo.
Para ele, a arquitetura não tolera cópia, imitação, ou pretensão, e envolve profissionalismo, incluindo planejamento urbano, urbanismo, paisagismo e arquitetura de interiores, entre outras especialidades mais comuns. “Os arquitetos têm seu Código de Ética e são fiscalizados pelo Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU)”, lembra.

Segundo Arnaldo Mascarenhas, a arquitetura brasileira carece de oportunidades; em países civilizados, os projetos para obras públicas são submetidos a concursos públicos. “Os benefícios são enormes, além de combater o apadrinhamento e o nepotismo. Concursos de projetos trariam clareza, revelando soluções econômicas e inovadoras, bem como novos talentos na profissão”, enfatiza.
Com 54 anos de profissão, Arnaldo Mascarenhas foi presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Goiânia por dois mandatos. Desde a infância, foi influenciado pelo “genial”, como ele se refere a Oscar Niemeyer.
Para ele, há uma grande diferença entre as edificações Art Déco e os arranha-céus: “Os edifícios Art Déco são construções arquitetônicas, enquanto muitas novas edificações são meros edifícios com finalidades especulativas”, afirma. O arquiteto ressalta que não é necessário demolir uma obra para construir outra em seu lugar.
Arnaldo Mascarenhas critica o que está acontecendo em Goiânia, onde a arquitetura modernista está sendo substituída por meras edificações. Ele destaca que há uma tendência de “maquiar” os edifícios com nomes franceses, focando apenas na fachada, sem considerar aspectos como insolação e clima regional, ou os ventos predominantes. “Isso resulta em fachadas viradas para o oeste, criando efeitos estufa nos apartamentos.”

Ele se considera um crítico isento da nova arquitetura comercial especulativa. “Procuro manter minha imparcialidade em relação a essa arquitetura. Quando encontro um projeto de qualidade, costumo elogiar o autor”, assegura. Arnaldo ressalta que, no Brasil, a crítica à arquitetura é limitada, muitas vezes restringindo-se a conversas informais entre profissionais. “Para uma evolução qualitativa, é essencial receber críticas construtivas e responsáveis de várias fontes”, comenta.
Ele argumenta que não apenas em Goiânia, mas em todo o Brasil, há uma tendência em promover edifícios verticais. Reconhecendo as habilidades das incorporadoras em construir edifícios, ele critica o modelo que muitas vezes prende as pessoas aos projetos das empresas. “Esse modelo é conveniente e lucrativo tanto para as construtoras quanto para as prefeituras, que recebem mais IPTU”, denuncia. Ele próprio vive em um apartamento por falta de opções.
Arnaldo Mascarenhas destaca que Goiânia está se transformando em um aglomerado de prédios, sem respeitar o plano diretor da cidade. “Esses projetos não são pensados para o futuro, são imediatistas e não oferecem conforto para os moradores. Estamos sendo forçados a viver nesses prédios”, reclama.

Ele denuncia que essas construções muitas vezes ignoram o meio ambiente e a sustentabilidade, sendo autorizadas mesmo em áreas próximas a nascentes de córregos, inclusive clubes são construídos dessa forma. “Tudo isso em nome do lucro é um absurdo”, critica.
Para Arnaldo, a possibilidade de uma fusão entre o estilo Art Déco e esse novo modelo é inexistente. “A Art Déco está praticamente extinta, as poucas construções remanescentes estão abandonadas. A preservação das que ainda existem na Praça Cívica é principalmente por temor às críticas de organismos internacionais”, conclui, lamentando a falta de memória da cidade.
A arquiteta, urbanista, pesquisadora e professora da UEG e PUC Goiás, Sandra Pantaleão, avalia que Goiânia tem visto um significativo aumento nos investimentos no mercado imobiliário, especialmente na oferta de produtos de alto padrão nos últimos anos. Isso tem resultado na criação de empreendimentos sofisticados, com alto valor agregado, frequentemente promovidos sob o apelo de serem sofisticados e modernos. No entanto, para Sandra, isso não indica o surgimento de uma nova escola de arquitetura em Goiânia, mas sim uma adesão a modismos que visam garantir o sucesso de vendas mais do que promover uma arquitetura emergente de um movimento teórico ou crítico.

Ela reconhece que os perfis, valores e exigências do público-alvo desses arranha-céus são determinantes. Por exemplo, a demanda por espaços sociais amplos, áreas de lazer com academias e espaços para crianças tende a valorizar os imóveis aos olhos dos consumidores.
Ao discutir as tendências arquitetônicas dos arranha-céus lançados em Goiânia recentemente, Sandra observa que há mais ênfase na busca por uma identidade para cada empreendimento do que na adesão aos critérios estritos da arquitetura contemporânea ou na formação de um movimento genuinamente local. Marcas de design associadas e fachadas elaboradas por arquitetos de outros estados ou países são frequentemente usadas para elevar o valor arquitetônico do produto, embora as soluções funcionais dos edifícios muitas vezes repitam padrões já consolidados.
Ela destaca a necessidade de esclarecer o papel do Art Déco, uma vez que foi uma expressão arquitetônica do início do século XX adotada no Brasil para promover uma identidade nacional moderna. Isso demonstra como a arquitetura frequentemente se associa a discursos que podem perdurar, às vezes distanciados das motivações originais.
Para Sandra, mais do que adotar uma linguagem arquitetônica específica ou seguir uma escola definida, Goiânia busca mostrar-se moderna e alinhada às tendências atuais. Isso pode incluir o uso de formas sinuosas ou grandes superfícies envidraçadas como adornos nas fachadas, às vezes desconsiderando aspectos climáticos ou soluções ambientais como jardins verticais.
A especialista enfatiza que a verticalização da cidade é uma discussão crucial para otimizar a infraestrutura urbana, mas alerta que nem sempre é acompanhada de estudos detalhados sobre seus impactos sociais, econômicos e ambientais. Muitas vezes, prioriza-se a valorização imobiliária em detrimento de considerações mais amplas sobre o desenvolvimento urbano e a função social da propriedade.

Sandra lembra da famosa frase de Mies van der Rohe, “menos é mais”, contextualizando-a dentro das mudanças históricas que levaram ao Movimento Moderno. No final do século XIX, havia diversas correntes acadêmicas e um modelo predominante de arquitetura que enfatizava a ornamentação. Mies propunha uma arquitetura que valorizasse os novos materiais e sistemas construtivos, como o aço e o vidro, em detrimento dos ornamentos excessivos.
Essa visão de Sandra Pantaleão oferece uma perspectiva crítica sobre o desenvolvimento arquitetônico e urbano em Goiânia, destacando a necessidade de equilibrar inovação estética com responsabilidade ambiental e social.
Para o arquiteto e urbanista Renato de Melo Rocha, sócio proprietário da URBO, escritório de arquitetura e urbanismo em Goiânia e Blumenau, Santa Catarina, assim como nas maiores metrópoles brasileiras, Goiânia está passando por um processo de adoção de padrões contemporâneos na arquitetura. Isso se reflete tanto em grandes edifícios verticais e empresariais quanto em residências e pequenos comércios.

Segundo ele, esses padrões são frequentes devido ao menor custo de construção, maior lucratividade tanto na venda quanto no aluguel, resultando em um melhor custo-benefício e facilitando a revenda futura. No entanto, o arquiteto ressalta que a arquitetura vai além do aspecto estético e das necessidades comerciais. A maioria dos edifícios é projetada com rigor técnico, incorporando sistemas complexos como energia, água, esgoto, prevenção de incêndios, acessibilidade, rede lógica, ar-condicionado, energia fotovoltaica, reutilização de águas pluviais, fachadas ativas e jardins verticais, entre outros.
Renato Melo destaca que a estética, embora comercialmente influenciada, também reflete os anseios da sociedade contemporânea. Ele enfatiza que não se trata de uma substituição da Art Déco em Goiânia, mas sim de uma nova fase da arquitetura contemporânea. Inicialmente ocupada na década de 1940, a cidade viu a transição do estilo Art Déco para o Modernismo nos anos 1960, consolidando-se posteriormente em uma arquitetura contemporânea mais globalizada.
Sobre os arranha-céus, Renato Melo aponta que sua presença não é recente, remontando ao século XIX em Nova Iorque. Ele reconhece que Goiânia adotou esse modelo há cerca de duas décadas, tornando-se a quinta cidade mais verticalizada do Brasil. Entre as vantagens e desvantagens dessa tendência, destaca-se a concentração populacional em espaços limitados, que, apesar de desafiador, impulsiona o comércio, serviços e geração de empregos.

Quanto à sustentabilidade, Renato Melo provoca ao afirmar que, segundo sua dissertação de mestrado, “para ser sustentável não se constrói nada”. No entanto, ele observa que os projetos da URBO buscam atender às legislações ambientais vigentes e colaborar com práticas ambientalmente responsáveis.
Em relação ao planejamento urbano, ele destaca a importância de um plano diretor bem estruturado, como o atual de Goiânia, no qual teve participação, que visa o bem-estar da população e a proteção ambiental, regulando onde e como os edifícios podem ser construídos para otimizar a qualidade de vida urbana.
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