Por Romualda Mirdes de Figueiroa Vieira*
A prisão de Fernando Collor de Mello reacendeu, ainda que silenciosamente, um debate necessário sobre os abismos sociais e judiciais no Brasil. A decisão do Supremo Tribunal Federal de manter o ex-presidente em prisão domiciliar, alegando questões de saúde, revela não apenas a sensibilidade da justiça para certos corpos — mas, sobretudo, sua seletividade. Collor está preso em casa. Mas e se ele fosse preto, pobre e com problemas de saúde?
Certamente, o destino seria outro. Seria uma cela superlotada, comida azeda, colchão no chão, ar mofado, e a saúde, essa mesma usada como justificativa humanitária, ignorada em nome da omissão institucional. Seria mais um número nas estatísticas do sistema penitenciário que não ressocializa nem cuida. Seria um corpo largado.
É assim que funciona a chamada “questão humanitária” no Brasil: ela só serve para um tipo de cidadão. O Brasil que se emociona com direitos quando os rostos são brancos e conhecidos é o mesmo que se cala — ou aplaude — quando o morador da periferia adoece e morre nas prisões esquecidas do Estado.
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Vivemos numa sociedade de privilégios. Não é figura de linguagem, é realidade. Basta assistir aos telejornais: quando o acusado vem das elites, os termos usados são “ex-presidente”, “ex-senador”, “empresário influente”. Nunca “criminoso”, “bandido” ou “vagabundo”. Esses rótulos estão reservados à parcela da população que nunca teve um advogado, quanto mais um cargo eletivo.
A linguagem denuncia aquilo que o sistema tenta esconder: a existência de dois Brasis. Um que pode tudo e outro que precisa pedir permissão até para existir. O mesmo Brasil que tranca jovens negros por furto de alimentos é o que oferece tornozeleira e conforto residencial para quem desviou milhões.
Portanto, quando dizemos que há um grupo privilegiado no Brasil, não se trata de opinião. Trata-se de um fato. E enquanto não enfrentarmos essa estrutura desigual com coragem e urgência, continuaremos alimentando o mesmo ciclo: o da impunidade para alguns e da punição implacável para os mesmos de sempre.
*Professora municipal de Caruaru e Santa Cruz do Capibaribe/PE.
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