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Os direitos de imagem e de propriedade intelectual vão ser motivo de um aumento de processos relacionados a Inteligência Artificial, observam especialistas da área jurídica.Os temas, que já começam a ser alvo de ações no País, devem causar uma “enxurrada” de ações nas próximas décadas, tanto pelo uso indevido de imagens, vídeos, vozes e materiais produzidos. Levantamento feito pelo Escritório TozziniFreire aponta que, desde 2010, quando houve a primeira menção ao termo, 140 ações foram ajuizadas em busca de reparação e 64% dos casos o pedido foi aceito em segunda instância.“É um cenário que tende a piorar nos próximos anos. As próximas décadas vão ver uma enxurrada de casos porque se trata de uma ferramenta que se tornou acessível mas que ainda não há o devido esclarecimento à população do que pode e o que não pode ser utilizado com ela”, afirma o advogado Jorge Alexandre Fagundes. Em outubro de 2024, por exemplo, o TJ-SP analisou o pedido de um locutor que alegava que um shopping usou sua voz em campanha publicitária sem autorização. O shopping, por sua vez, tinha dito que a peça foi produzida por inteligência artificial. Os desembargadores entenderam que havia possibilidade de cometimento de plágio e violação de direitos de personalidade, uma vez que “tecnologias de IA se servem de bancos de dados prévios”. “Sem um marco legal específico, o Judiciário seguirá costurando soluções com base em leis criadas para outro tempo — o que gera insegurança para empresas, consumidores e cidadãos”, observa o advogado Rodrigo de Santana Pinho. Segundo advogado criminalista Gabriel Merigueti, o avanço acelerado das IA, com a replicação de vozes, criação de deepfakes e falsificação de imagens também tem sendo sido exploradas nas fraudes, extorsões e exposições públicas, muitas vezes com repercussão devastadora para a vítima. “O uso indevido de IA pode configurar delitos como falsidade ideológica, crimes contra a honra, estelionato e perseguição digital. Casos assim já começam a tramitar nas varas criminais do País. Paralelamente, as vítimas podem ajuizar ações indenizatórias por danos morais e materiais, especialmente quando sua imagem ou reputação são afetadas de modo irreversível”.Maioria dos brasileiros usa IA no trabalho, diz pesquisa Levantamento da Read IA mostrou que 68% dos profissionais brasileiros já utilizam ferramentas de IA diariamente, conforme relatou o cofundador e CEO da empresa, David Shim, durante o Web Summit Rio. “Isso mostra que o País está adotando a IA em um ritmo ainda mais rápido do que o restante do mundo”, afirmou Shim. Apesar da alta adesão, apenas 31% dos trabalhadores receberam treinamento formal de suas empresas, o que indica que a maioria aprende a usar as ferramentas por conta própria.O levantamento também revelou que 92% dos profissionais acreditam que a IA melhorará sua eficácia no trabalho, reforçando uma visão positiva da tecnologia no ambiente corporativo. Shim destacou que, mesmo antes de a plataforma Read AI estar disponível em português, muitos brasileiros já utilizavam a versão em inglês para apoiar clientes internacionais, o que reforça o perfil receptivo do País à inovação.Na avaliação de Shim, o otimismo dos brasileiros se traduz em ganhos reais de produtividade. Ele explicou que a Read AI atua como um “sistema de registro” para reuniões, armazenando informações importantes que podem ser consultadas rapidamente, evitando a perda de dados valiosos. “É como se fosse uma busca no Google, mas focada no que foi discutido nas reuniões”, explicou. O executivo também ressaltou que o excesso de reuniões ineficientes ainda compromete a produtividade, e que o uso da IA pode ajudar a otimizar esse tempo ao sugerir melhor aproveitamento das agendas.Sobre a preocupação de que ferramentas de IA possam se tornar mais um fator de sobrecarga, Shim enfatizou que o retorno sobre investimento deve ser claro e imediato para os usuários.Os números -> 68%: utilizam IA diariamente-> 31%: tiveram treinamento da empresaSaiba Mais LevantamentoO estudo do TozziniFreire Advogados não buscou, nos Tribunais de Justiça e Superior Tribunal de Justiça (STJ), apenas discussões de mérito envolvendo a inteligência artificial. Detectou acórdãos que mencionam o uso da IA em alguma etapa do andamento do processo. Foram localizadas 711 decisões. Além disso, 718 acórdãos citam a expressão como contexto geral, mas sem que a IA seja diretamente tratada no caso.Só 140 decisões têm a inteligência artificial como causa de pedir e aprofundam o debate sobre o tema. Os Tribunais de Justiça que mais concentram processos sobre o tema são os de São Paulo (61 casos) e Rio Grande do Sul (49 casos).Conforme explica Sofia Kilmar, sócia de contencioso do TozziniFreire, os temas mais recorrentes nesses processos são prevenção de fraudes financeiras, remoção de produtos que violam termos de uso de marketplace e adoção da IA para reconhecimento facial.Até 2016, o único assunto levado ao Judiciário mencionando a IA era o de organização de conteúdos na internet. Só depois os temas começaram a se diversificar. Segundo Sofia Kilmar, 50 processos questionam mecanismos de busca e algoritmos usados no controle e restrição de uso das plataformas de tecnologia.ExemplosO tema do reconhecimento facial só chegou ao Judiciário em 2021, mas desde então tem sido frequente em processos judiciais. Tertullyano Marques Sousa, responsável pela área de Privacidade e Proteção de Dados do Marcelo Tostes Advogados, aponta que o uso da tecnologia ainda apresenta desafios, como a falta de precisão no reconhecimento de rostos negros e a falta de transparência a respeito do armazenamento e uso dessas informações sensíveis.Até agora, poucos casos envolvendo direito de imagem chegaram ao Judiciário, mas o número tende a aumentar. Em outubro de 2024, por exemplo, o TJ-SP analisou o pedido de um locutor que alegava que um shopping usou sua voz em campanha publicitária sem autorização. O shopping, por sua vez, tinha dito que a peça foi produzida por inteligência artificial. Caso GhibliRecentemente, uma “trend” envolvendo recriação, via IA, do traçado das animações do Studio Ghibli, autor de clássicos como A Viagem de Chihiro e Meu Amigo Totoro, alimentou a discussão sobre direitos autorais e respeito à arte tradicional.Segundo o advogado Antonio Curvello, a legislação brasileira ainda é silente sobre a questão da criação de imagens por IA com determinado estilo artístico. Neste caso, aplicam-se as regras gerais previstas pela lei de direitos autorais de 1996. “Nela, todo uso de obra artística, salvo algumas exceções específicas, precisa ser autorizado pelo titular, sob pena de responsabilização por uso não indevido e de indenização”.CrimesO advogado criminalista Gabriel Merigueti cita que o uso indevido de IA pode configurar delitos como falsidade ideológica, crimes contra a honra, estelionato e perseguição digital. “Casos assim já começam a tramitar nas varas criminais do País. Paralelamente, as vítimas podem ajuizar ações indenizatórias por danos morais e materiais, especialmente quando sua imagem ou reputação são afetadas de modo irreversível”.