Há exatos 80 anos, às vésperas do colapso definitivo da Alemanha nazista, Adolf Hitler apertava o gatilho de uma pistola Walther calibre 7,65 e encerrava a própria vida no subsolo da Chancelaria do Reich, em Berlim. Eram pouco antes das 16h de 30 de abril de 1945. Seu corpo foi encontrado ao lado do de Eva Braun, com quem havia se casado dois dias antes. O suicídio, no bunker blindado de concreto onde passara as últimas semanas de vida, selou o destino de um regime que havia mergulhado o mundo em guerra, causado a morte de milhões e deixado uma cicatriz na história da humanidade.
A notícia da morte do homem que “havia se tornado, aos olhos de praticamente todo o mundo, a personificação do mal absoluto”, como descreveu o jornal britânico The Times, percorreu o mundo com rapidez. Seu fim não trouxe, no entanto, o consolo da justiça. Julgado por seus crimes, Hitler nunca foi. Escapou do tribunal e do enfrentamento público com a história, refugiando-se no silêncio absoluto da morte. O nazismo, porém, não morreu com ele — e seus espectros ainda permeiam o presente.
O Jornal Opção ouviu três historiadores para remontar a trajetória do líder nazista e compreender como sua ascensão foi possível num país arrasado pela Primeira Guerra Mundial e pelo Tratado de Versalhes, e como as raízes desse autoritarismo ainda encontram solo fértil em diferentes partes do mundo.
“Vamos à Primeira Guerra Mundial, à derrota alemã, primeiro no campo de batalha e a rendição alemã em novembro de 1918, mas, sobretudo, à punição rigorosa na questão diplomática, nos acordos pós-Primeira Guerra Mundial, firmados em Versalhes, em 1919. O famoso e conhecido Tratado de Versalhes, impôs 414 cláusulas punitivas à Alemanha, e isso gerou um ressentimento sem tamanho”, afirma o professor Rogério Lustosa Victor, doutor em História e docente no Instituto Federal de Brasília (IFB).

Esse ressentimento nacional, segundo o historiador, foi combustível para a ascensão de figuras como Hitler. “O sociólogo francês, Pierre Ansart, pensa o papel do ressentimento na história. Se há um momento que o ressentimento tem uma marca é esse momento. Um ódio, um ressentimento, um rancor alemão oriundo dessa punição muito rigorosa”, completa Lustosa.
O futuro ditador ingressou no Partido dos Trabalhadores Alemães em 1919, após sua experiência como soldado na Primeira Guerra e um período de desorientação pessoal e política. Em 1923, participa de uma tentativa de golpe de Estado — o fracassado Putsch da Cervejaria, em Munique — e é preso. Durante os poucos meses na prisão, escreve “Mein Kampf”, obra que combina autobiografia e ideologia racista e expansionista, delineando as bases da política genocida que aplicaria anos depois.
A Alemanha, então mergulhada em crise econômica e social, tornou-se terreno fértil para seu discurso radical. A partir da quebra da Bolsa de Nova York em 1929, o colapso da República de Weimar se acelera, e o Partido Nazista ganha espaço. “Em 1932, eles fazem o maior número de parlamentares no parlamento alemão e conseguem, com uma aliança com um pequeno partido, formar a maioria para indicar o primeiro-ministro da Alemanha”, explica o professor. “Em janeiro de 1933, Hitler chega ao poder indicado. Dentro da legalidade do formato de Weimar.”
Em menos de dois anos, Hitler acumula os cargos de chanceler e presidente da República, tornando-se o Führer da Alemanha. Inicia-se, então, o processo de Gleichschaltung — a nazificação das instituições, da mídia, das forças armadas e da sociedade civil. “Ele vai promovendo uma nazificação da Alemanha, das instituições, do exército, das políticas de segurança, Gestapo, SS, SA”, enumera Lustosa.

O aparato de propaganda, liderado por Joseph Goebbels, transforma Hitler numa figura messiânica. “Joseph Goebbels, como ministro da propaganda, vai usar de recursos técnicos, uma capacidade técnica de mobilização das massas, em meio, na verdade, a um cenário de novas tecnologias, sobretudo no uso do rádio, de cartazes, cinema”, detalha o historiador. Num regime sem liberdade de imprensa ou espaço para oposição, a propaganda nazista transforma a mentira em verdade oficial.
O historiador e professor Thiago Oliveira Martins, mestre em História Moderna e docente da Rede Estadual de Educação de Goiás, explica que o imperialismo europeu, a corrida por colônias na África e as disputas entre nações em processo tardio de unificação, como a Alemanha e a Itália, criaram o caldo de cultura ideal para o surgimento de ideologias baseadas na superioridade racial.
“Hitler criou a imagem de líder, de chefe da nação, com ajuda do Goebbels e a técnica de repetir uma mentira até ela se tornar uma verdade. (…) Na sua narrativa totalitária para ter mais força, Hitler criou alguns mitos e inventou inimigos para o desenvolvimento da Alemanha”, resume o professor.
Do discurso de superioridade racial à prática genocida, o partido liderado por Hitler promoveu uma política de exclusão e extermínio. “O partido nazista, ele é um partido que professa uma posição radicalmente racista, eugênica, da construção de uma nova sociedade alemã”, diz Lustosa. A decisão sistemática pela chamada “solução final” — o extermínio da população judaica nos territórios ocupados — foi formalizada na Conferência de Wannsee, em 1942. “Ela foi comandada por Heinrich Himmler. Dela participa, por exemplo, o Adolf Eichmann”, afirma o professor.

Esse pensamento pseudocientífico, baseado na crença de que existiriam raças superiores, foi, como aponta o sociólogo e doutorando em educação, João Coelho, incorporado a um nacionalismo que pretendia restaurar o orgulho alemão. “Embora para nós pareça muito estranho a eugenia e o racismo científico, esse era um debate de muitos evolucionistas, cientistas, que acreditavam que poderiam explicar, usando a ciência, a desigualdade entre as pessoas”, afirma Coelho.
“Esses princípios de extrema direita são norteadores a partir principalmente de um positivismo, do princípio de ordem, ordem social, em que o Estado tem que controlar todos os elementos da vida social, todos os elementos da vida, do organismo que ali está. Dessa forma, não é apenas uma ditadura, é um controle, uma dominação completa de todos os seres humanos, sejam eles na vida pública quanto privada”, acrescenta.
A partir daí, a máquina de morte nazista mobilizou trens, campos de concentração e unidades militares para matar industrialmente milhões de pessoas — judeus, ciganos, homossexuais, deficientes físicos e mentais, opositores políticos. O campo de Auschwitz-Birkenau, na Polônia, tornou-se o símbolo desse projeto de destruição.
Além da Europa, o impacto do regime nazista também se fez sentir no Brasil. “No início dos anos 1930, 1934 mais precisamente, o Brasil firma com a Alemanha nazista um acordo de comércio compensado”, lembra Victor. O Terceiro Reich se tornaria o segundo maior parceiro comercial do país na década. E não só: o partido nazista organizou-se em território brasileiro, sobretudo entre comunidades de origem germânica no Sul e em São Paulo.

O crescimento do Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães (NSDAP) no país e o mal-estar gerado pela proibição dos partidos no Estado Novo levaram a um conflito diplomático. “O Oswaldo Aranha, praticamente o considera uma persona non grata”, diz Lustosa. O embate culminou na retirada dos embaixadores de ambos os países em 1938. Ainda assim, não houve ruptura formal.
Segundo Rogério Lustosa Victor, o Brasil manteve o canal diplomático em suspenso até que a polarização da Segunda Guerra Mundial oferecesse um campo fértil para a “equidistância pragmática”. Foi nesse tabuleiro geopolítico que o Brasil flertou com os dois polos em guerra e conquistou investimentos dos Estados Unidos. Em dezembro de 1942, na Cúpula das Américas em Petrópolis, o Brasil enfim rompeu com o Eixo e, meses depois, declarou guerra à Alemanha e à Itália, após o torpedeamento de navios brasileiros pelos submarinos nazistas.
Nesse mesmo período, o Brasil experimentava o florescimento de um movimento inspirado diretamente nas experiências fascistas europeias. “Essa onda de extrema direita também atingiu o Brasil. O intelectual, o escritor Plínio Salgado, em 1930, conheceu Benito Mussolini, ficou encantado, escreveu artigos para jornal no Brasil, carta para amigos. (…) Ele fala que ‘É disso que o Brasil precisa, de algo similar’”, afirma.
Seus escritos entusiasmados ecoaram entre pequenos grupos e setores conservadores que, rapidamente, se unificaram sob a estética, os ritos e os símbolos da Ação Integralista Brasileira (AIB). No entanto, mesmo com sua rápida ascensão, os integralistas foram reprimidos após o golpe de Getúlio Vargas em 1937. A tentativa de golpe contra o governo pelo grupo brasileiro, em maio de 1938, resultou na prisão de seus principais líderes e numa crise diplomática que culminou na ruptura das relações com a Itália de Mussolini, acusada de oferecer apoio logístico à intentona.
Além das batalhas travadas no campo diplomático e militar, a guerra ideológica também se alastrava silenciosamente pelo mundo — e persiste até hoje.
“Podemos dizer que esse princípio da banalidade do mal, que foi analisado dentro do holocausto, dentro do princípio do nazismo, ainda está presente na nossa sociedade. Quando nós analisamos, por exemplo, instituições de Estado em que a violência repercute sem que o sujeito tenha plenos direitos constituídos, dentro de prisões, dentro do cárcere, inclusive com apoio social para que o Estado cometa violência, podemos dizer também que existem grupos que acreditam que o extermínio é a melhor solução. Ou seja, o nazismo não acabou, mas continua sendo reproduzido na maneira e na fala de muitas pessoas que defendem o extremo, a gravidade e a violência como mecanismos de correção”, finaliza João Coelho.
O corpo de Hitler nunca foi exibido publicamente. O grupo que ocupou o bunker em Berlim, alegou ter cremado os restos mortais. O mistério alimentou teorias conspiratórias durante décadas. Mas, para a história, sua morte no subsolo de Berlim marcou o fim de uma era de trevas. Uma era, no entanto, cujas lições seguem atuais.
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